Crítica | Vitória (2025): retrato melancólico sobre solidão e resistência na velhice

Fernanda Montenegro brilha em um filme que, mais do que falar sobre crime e justiça, revela a luta silenciosa contra o esquecimento. O post Crítica | Vitória (2025): retrato melancólico sobre solidão e resistência na velhice apareceu primeiro em Cinema com Rapadura.

Mar 25, 2025 - 00:28
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Crítica | Vitória (2025): retrato melancólico sobre solidão e resistência na velhice

A luta silenciosa de uma mulher idosa contra a violência urbana forma o cerne de “Vitória”, estrelado por Fernanda Montenegro. Inspirado em uma história real, o longa acompanha a protagonista enquanto ela registra, da janela de seu apartamento, a atividade de traficantes em sua vizinhança, na esperança de ter suas denúncias levadas a sério pela polícia. No entanto, o enredo vai muito além do relato factual dos feitos da personagem. A verdadeira força da história está no retrato da solidão da terceira idade em um cenário urbano marcado pela indiferença e pelo isolamento.

A narrativa coloca Dona Nina (Montenegro) no centro absoluto da trama. Antes mesmo que qualquer disparo de arma seja ouvido, a câmera segue a protagonista pacientemente em sua rotina, destacando o seu vigor, físico e emocional, para lidar com aquele dia a dia. As interações esporádicas são pequenas ilhas de calor humano em um cotidiano de silêncio e solitude. A insistência com que convida conhecidos para visitá-la revela uma carência afetiva que vai muito além das palavras. O momento em que a personagem sai para dançar com Bibiana (Linn da Quebrada), vizinha recém-chegada que rapidamente a acolhe, aquece o coração depois de várias sequências angustiantes, como ela precisando deitar no chão ou se esconder na banheira por conta de tiroteios nas redondezas.

O diretor Andrucha Waddington (“O Juízo”), que assumiu a posição após a morte de Breno Silveira (“Entre Irmãs”), faz um retrato contido e bastante sincero dessa solidão. Entender as atitudes de Dona Nina exige uma compreensão que só quem já conviveu de perto com idosos possui, e isso vai muito além da teimosia típica da idade. A protagonista é sozinha e sua origem remete a um lugar de sofrimento — ela não possui raízes em outro lugar ou algum familiar com quem possa contar. Pessoas de idade avançada com antecedentes como esses dão um valor tão grande aos seus lares e ao pouco que conquistaram que qualquer um que nunca tenha passado por algo parecido é praticamente incapaz de sentir o mesmo. Uma fala que sintetiza bem esse sentimento ocorre quando Dona Nina se recusa a deixar a sua casa pela primeira vez, afirmando que não é uma bandida. Perceba que a personagem vive naquele lugar muito antes do crime se estabelecer nas proximidades, e o fato dela precisar sair de lá, mesmo que seja para garantir sua segurança enquanto a polícia age, é algo que vai totalmente contra a sua natureza.

A relação de Dona Nina com a câmera também se mostra um aspecto digno de nota. Registrar a movimentação dos criminosos não vem de uma motivação heroica ou de um desejo egoísta de protagonismo, longe disso. Trata-se de uma necessidade de reafirmar sua presença em um espaço cada vez mais brutal com a sua própria existência ali. Quando balas perdidas atravessam seu apartamento, a filmagem se torna mais do que um instrumento de denúncia, mas a forma que ela encontra de resistir.

O maior desafio de “Vitória” está em equilibrar toda essa dimensão pessoal com a trama, baseada em uma história real. O diretor evita correr riscos ao apostar em uma estrutura simplista demais, e em certos momentos, a parte factual se torna excessivamente expositiva, com diálogos que reforçam informações já evidentes. Ainda assim, a atuação sublime de Fernanda Montenegro é capaz de conferir profundidade até mesmo aos momentos menos inspirados do roteiro. Sua presença transforma cenas triviais em retratos potentes de uma grande mulher, não somente se destacando, como engrandecendo todos que compartilham a tela com ela.

Longe das paisagens turísticas do Rio de Janeiro, “Vitória” recria um cenário urbano que contrasta com a imagem comumente vista nos cartões postais da cidade. Essa construção não somente reforça o quanto a realidade do dia a dia é muito diferente das idealizações, como também compõe um desfecho arrebatador para o longa. Dona Nina, agora sob a identidade de Vitória, observa uma bela praia que vai se distanciando à medida que o carro que a leva segue seu curso. Apesar das dificuldades da vida, quando perdemos aquilo pelo qual tanto lutamos, apenas as boas lembranças se sobressaem. E ali, de forma melancólica, testemunhamos a “derrota” da protagonista, que sofre uma perda irreparável ao ser obrigada a deixar sua casa, sua história e tudo o que ela tanto tentou preservar. O letreiro final apenas reforça a dor silenciosa dessa despedida definitiva.

Mais do que um filme sobre crime e justiça, “Vitória” se destaca como um retrato sensível da velhice, da resiliência e do que significa lutar para permanecer em um lugar que se transforma sem pedir permissão a quem estava lá há muito tempo. Fernanda Montenegro conduz essa narrativa com a força de uma atriz que, assim como sua personagem, compreende profundamente o peso da história que carrega.

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