Cologne à La Française: Como a França Virou Sinônimo de Perfume — e o Que Vem por Aí
Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo. De Grasse para o mundo, a tradição olfativa francesa atravessa séculos de história, inova com biotecnologia e se prepara para um futuro sem gênero O post Cologne à La Française: Como a França Virou Sinônimo de Perfume — e o Que Vem por Aí apareceu primeiro em Forbes Brasil.

Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.
Durante séculos, a França tem sido o epicentro da perfumaria mundial. Mais do que um item de beleza ou um símbolo de status, o perfume francês carrega uma herança histórica, sensorial e cultural que moldou o imaginário coletivo sobre o luxo e a elegância. Mas como esse país se tornou referência global em fragrâncias? Quais caminhos essa tradição percorreu até aqui — e para onde ela aponta no futuro?
A resposta passa obrigatoriamente por Grasse, cidade no sul da França reconhecida como a capital mundial do perfume. Lá, entre o Mediterrâneo e as montanhas, uma união de fatores naturais peculiar favoreceu o cultivo de flores e deu origem a uma indústria que evoluiu da necessidade prática para a excelência sensorial.
A Forbes conversou com o perfumista Cyril Mestre, nascido e criado em Grasse e hoje na linha de frente da criação olfativa na DSM-Firmenich, para entender o passado, o presente e o futuro da perfumaria francesa — e por que o país ainda ocupa um lugar tão central no universo dos perfumes.
A herança de Grasse: entre luvas e flores
A história da perfumaria na França começa de forma quase acidental. “Grasse tem uma longa herança no ramo dos perfumes. Isso começou há muitos séculos, primeiro para disfarçar o cheiro do couro”, relembra Cyril Mestre. Na época, a cidade era famosa pela produção de luvas perfumadas, um item cobiçado pela aristocracia de Versalhes. Mas o aroma desagradável do couro exigia soluções criativas — e foi aí que o cultivo de flores começou a ganhar importância.
Com o tempo, esse ofício artesanal evoluiu. O que antes era uma técnica auxiliar virou uma nova indústria. “Aos poucos, a perfumaria foi substituindo a indústria do couro na região. Isso começou há mais de 400 anos”, afirma o perfumista. Hoje, essa tradição transformou Grasse em referência mundial, com empresas históricas e novos investidores internacionais que buscam fazer parte desse legado.
Microclima, solo e savoir-faire
A fama de Grasse não se deve apenas à história, mas também às suas condições naturais excepcionais. Localizada entre o mar e as montanhas, a cidade possui um microclima ideal para o cultivo de flores como rosa, jasmim e flor de laranjeira. “Você tem um clima excelente — não muito frio no inverno e não muito quente no verão — e um solo com a mistura perfeita de argila e minerais”, explica Mestre. “É um terroir fantástico”.
Esse ambiente único atrai tanto produtores locais quanto grandes multinacionais. “Empresas como a Mane e a Roberte são tradicionais na região, mas cada vez mais nomes como a DSM, a IFF e a Symrise estão presentes ali. Todo mundo quer estar em Grasse”, diz o perfumista, que vê na região uma fusão rara entre saberes ancestrais e alta tecnologia.
Do luxo ao cotidiano: a revolução do século XX
Durante muito tempo, os perfumes franceses eram produtos exclusivos, feitos quase que inteiramente com ingredientes naturais. “Antes do século 20, os perfumes eram totalmente naturais, muito opulentos, muito intensos — e acessíveis apenas à aristocracia”, afirma Mestre. No entanto, com a chegada da Primeira e da Segunda Guerra Mundial e o avanço da indústria química, esse cenário mudou.
A popularização do perfume foi acompanhada pela introdução de ingredientes sintéticos, que ampliaram as possibilidades criativas dos perfumistas. “Há um mito de que o natural é sempre bom e o sintético é perigoso — mas isso está totalmente errado. Muitas vezes, o sintético é mais seguro que o natural”, explica. O novo leque de ingredientes permitiu mais leveza, frescor e estabilidade nas fragrâncias, democratizando o acesso ao perfume sem perder sofisticação.
Tradição e inovação lado a lado
Apesar das novas tecnologias, a tradição ainda ocupa um lugar central no trabalho de perfumistas como Cyril. “No meu trabalho diário, é definitivamente uma questão de encontrar o equilíbrio entre tradição, novas tecnologias e novos processos”, conta. Ingredientes clássicos continuam sendo usados, mas há uma busca crescente por soluções sustentáveis.
Uma das inovações mais promissoras vem da biotecnologia. É o caso do Clearwood, desenvolvido pela DSM-Firmenich, que substitui o patchouli tradicional usando cana-de-açúcar como matéria-prima. “O patchouli pode variar muito de colheita para colheita. Com a biotecnologia, garantimos uma qualidade constante, ano após ano — como no vinho, evitamos uma safra ruim.”

Cyril Mestre: “Tenho a sensação de que os perfumes estão evoluindo para um estilo sem gênero”
O perfume invisível: ciência a serviço do olfato
Outra revolução silenciosa está no laboratório. Através da tecnologia Nature Print, é possível captar e reproduzir o aroma de flores que não podem ser destiladas por métodos tradicionais — como o lírio-do-vale. “Colocamos a flor sob uma cúpula de vidro e usamos uma fibra metálica especial para capturar as moléculas. Depois, analisamos tudo em laboratório”, explica Mestre. “É como o DNA olfativo da flor.”
Essa inovação permite recriar aromas fiéis a flores que, de outro modo, seriam inacessíveis ou inviáveis de utilizar comercialmente. Para o perfumista, é uma ferramenta que une precisão científica à sensibilidade criativa.
Um futuro sem gênero e com cheiro de pele
Quando se imagina o futuro da perfumaria francesa, Mestre aposta em uma direção clara: a neutralidade de gênero. “Tenho a sensação de que os perfumes estão evoluindo para um estilo sem gênero. Isso reflete uma ética global mais aberta, onde qualquer um pode usar o que quiser”, diz. A ideia de fragrâncias exclusivamente masculinas ou femininas vai, aos poucos, perdendo espaço para criações mais fluidas, pessoais e sensoriais.
Ele aponta para um estilo de perfume que mistura flores delicadas no topo, notas frescas e um fundo de almíscar suave, com efeito de pele. “Muito confortável, macio”, descreve. Para ele, essa é a nova fronteira da perfumaria: unir tradição, inovação e emoção em uma fragrância que não apenas perfuma — mas representa quem a usa.
E embora novas tecnologias estejam redesenhando os bastidores da criação olfativa, a alma da perfumaria francesa continua enraizada em sua terra natal. “Grasse ainda é o coração da perfumaria mundial. E, apesar das mudanças, continua sendo o lugar onde tradição e modernidade se encontram para contar novas histórias — pelo cheiro”, finaliza.
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