Brasileiros relatam encontros de fé com o papa Francisco durante pontificado
Pontífice argentino visitou o país em 2013, durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, e nutriu carinho por brasileiros enquanto assumiu a Igreja de Roma

Dentre os mais de 60 países em que visitou durante o pontificado, o papa Francisco tinha um carinho especial pelo Brasil, que tornou-se a primeira nação a receber o recém-empossado bispo de Roma e da Igreja Católica. Na Jornada Mundial da Juventude, celebrada em 2013 no Rio de Janeiro, as areias da Praia de Copacabana jamais testemunharam número recorde de pessoas em um mesmo evento: 3,7 milhões de peregrinos se reuniram para ter um encontro com Cristo e com o primeiro papa latino-americano.
O carinho com o Brasil também se expressou em uma relação especial com os brasileiros. O papa muitas vezes entrou na brincadeira sobre a cachaça, o samba e o futebol, dentro de uma rivalidade sadia entre Brasil e Argentina. Com um tom leve e irreverente, sem deixar de lado a sabedoria e os ensinamentos que transmitia, Francisco deixou marcas inapagáveis nos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente.
Casada com Gustavo há dez anos, a comunicadora Fabíola Goulart, de 38, tinha um forte desejo de abraçar o pontífice desde quando o viu de longe pela primeira vez na JMJ do Rio de Janeiro. Ela e o marido têm uma bela história com as jornadas da juventude e estiveram na organização de todos os encontros mundiais desde 2013, quando a arte feita por Gustavo foi escolhida como logo da JMJ no Brasil.
Na jornada do Rio, eles ainda eram namorados, e se casaram apenas em 2015. Logo após o matrimônio, o desejo de ter um encontro pessoal com o papa Francisco motivou o casal a ir a Roma. Os recém-casados podem solicitar a bênção do pontífice após a Audiência Geral no Vaticano, que ocorre normalmente às quartas-feiras, e os dois conseguiram entrar na fila para tentar ver o papa mais de perto.
“E aí ele foi se aproximando e conforme ele se aproximava, eu chorava muito porque eu sempre fui uma jovem muito da Igreja, desde a juventude. Então, estar ali e saber que a poucos metros de mim estava o papa, estava Pedro, na pessoa de Jesus, também, era muito emocionante”, conta a catarinense, que carregava uma bandeira do Brasil na ocasião.
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“Toda vez que ele via a bandeira do Brasil, ficava muito empolgado. Ele gostava muito de se encontrar com brasileiros, sabia que a gente entende o humor dele e ele consegue brincar com a gente. Estava eu, meu marido e mais um grupo de brasileiros. E aí quando ele viu a bandeira do Brasil, falou assim: ‘Cachaça é água?’ E aí todo mundo: ‘Não, cachaça não é água, não’”, continua.
Após a brincadeira, a jovem pediu um abraço ao papa. Emocionada, ela conta ao Correio que chorava muito no momento, e viu Francisco se inclinar para acatar o pedido dela. “Ele realmente me abraçou e naquele abraço eu senti um abraço do próprio Deus, era Jesus. Eu senti como se Deus dissesse: ‘Eu te amo, eu te vejo’. E foi muito bonito, foi o melhor abraço da minha vida e eu queria viver aquele momento”, lembra Fabíola.
Maradona ou Pelé
No mesmo ano em que ocorreu o encontro do casal com o pontífice, uma brasileira que então tinha apenas 19 anos conseguiu arrancar uma gargalhada do papa Francisco durante um encontro do Movimento Eucarístico Jovem (MEJ), que reuniu cerca de 2 mil pessoas em Roma. Ana Carolina Santos Cruz, hoje com 29, lembra do episódio que ficou famoso em todo o Brasil e no Vaticano.
“Eu estava com a fé um pouco abalada durante a minha adolescência, mas ali eu tive a certeza de que a minha fé não era a única. Foi uma transformação, de poder estar ali naquele momento oportuno, único e eu estava desacreditada, porque você imagina chegar perto de uma autoridade como ele? Então, para nós católicos, é sofrer com a gente”, recorda.
Ana foi escolhida, na ocasião, para fazer uma das perguntas para o papa. Emocionada, ela perguntou ao pontífice qual foi o maior desafio já encarado por ele durante a missão como sacerdote. O papa então a chamou para conversar mais de perto e fez outra pergunta a ela: “Maradona ou Pelé?”. Ela respondeu que era o brasileiro e os dois caíram na gargalhada.
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“Todo mundo veio falar comigo e todo mundo teve uma experiência diferente. Por exemplo, um amigo meu tocou na mão (do papa), a outra cantou. Então, cada um teve um momento ali único com ele e isso foi incrível”, disse, ainda, a jovem, que relata a tristeza após saber da morte do papa, apesar de ter fé que ele foi para um lugar melhor.
“Ele teve o descanso, porque ficou sofrendo. Carregar uma igreja não é fácil. Então, a gente acaba tendo esse alívio de que ele o descansou. Ele rezava muito pela paz, rezava muito pela humildade, pelo serviço da Igreja, para que a Igreja estivesse mais próxima do povo. Uma igreja mais próxima do povo, como ele mesmo explicava”, disse a jovem paulistana.
Confissões
No contexto das jornadas mundiais da juventude, o brasiliense Nailton Ponte, de 38 anos, que trabalha atualmente com redes sociais, tem uma história ainda mais próxima com o papa Francisco. Ele trabalhou na preparação para a JMJ de Cracóvia, na Polônia, em 2016, quando recebeu um convite inusitado: foi sorteado entre outros cinco jovens para se confessar com o pontífice.
“O curioso dentro dessa história é que, quando eu fui confessar com ele, assim que eu cheguei na frente do papa Francisco, eu perguntei se a gente podia falar português, já que eu era brasileiro e ele falou uma frase linda assim: "Hablamos portunhol". E foi muito querido dele. Eu fiz toda a confissão em português e ele fez as orientações e a benção em espanhol. Então, isso foi muito bacana”, conta Nailton.
O brasiliense afirma que se sentiu muito emocionado e que fazia anos que uma confissão não o deixava “leve” e com o sentimento de perdão da parte de Deus. Além disso, o que não sai de sua memória é o jeito com que o papa Francisco o encarava. “Só o olhar dele parecia que ele via a minha alma. Sem exagero, sem dramatização, ele tinha um olhar extremamente acolhedor e amigável. Então, eu senti que eu conversava com um amigo que me conhecia”, revelou.
Para Nailton, que desejou muito estar em Roma para se despedir pela última vez daquele que um dia ouviu seus pecados e deu uma palavra de esperança, o papa Francisco deixa um legado incomensurável na Igreja Católica do século XXI, além de deixar marcas até em pessoas que não professam a mesma fé, mas que reconhecem na figura do falecido pontífice, um servidor da paz.
“Eu acho que é esse o legado que ele deixa, da igreja social, da igreja que vai ao encontro, da igreja que sai do conforto, que sai do sofá. Ele falava para os jovens de sair do sofá para ir ao encontro das pessoas. E eu acho que ele deixa esse legado de uma igreja caminhante, não de uma igreja inerte, de uma igreja caminhante, de uma igreja que vai em frente, que vai em encontro daqueles mais necessitados”, completa.