Brasil: você pode ser vigiado sem nem saber — e isso tem um preço

Relatório da Defensoria Pública da União identificou 376 projetos que, juntos, podem vigiar quase 40% da população brasileira O post Brasil: você pode ser vigiado sem nem saber — e isso tem um preço apareceu primeiro em Olhar Digital.

Mai 8, 2025 - 00:09
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Brasil: você pode ser vigiado sem nem saber — e isso tem um preço

Um relatório divulgado pela Defensoria Pública da União alertou para os riscos da falta de políticas regulatórias para uso das chamadas tecnologias de Reconhecimento Facial (TRFs) no Brasil.

Os pesquisadores contabilizaram 376 projetos que, juntos, têm o potencial de vigiar quase 83 milhões de pessoas — cerca de 40% da população brasileira. Os dados foram coletados entre julho e dezembro de 2024 em 23 das 27 unidades federativas; Amazonas, Maranhão, Paraíba e Sergipe não forneceram as informações solicitadas.

O relatório Mapeando a Vigilância Biométrica foi elaborado em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), instituição acadêmica vinculada à Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro. 

“As preocupações com o uso dessas tecnologias não são infundadas. Estudos técnicos e jurídicos demonstram que os sistemas de reconhecimento facial ainda apresentam desafios significativos em termos de precisão, segurança e impacto sobre direitos fundamentais”, escrevem os autores.

Metade das abordagens policiais motivadas por reconhecimento facial resultaram de identificações equivocadas (Imagem: EvgeniyShkolenko/iStock)

Vigilância discriminatória

Investigações indicam que mais da metade das abordagens policiais motivadas por reconhecimento facial resultaram de identificações equivocadas, evidenciando o risco de prisões indevidas e reforço de padrões históricos de seletividade penal, segundo o artigo.

Pesquisas conduzidas pelo National Institute of Standards and Technology (NIST) apontam que esses sistemas apresentam taxas de erro desproporcionalmente elevadas para determinados grupos populacionais, sendo de dez a cem vezes maiores para pessoas negras, indígenas e asiáticas em comparação com pessoas brancas.

“A implementação de sistemas de vigilância deve estar alinhada aos princípios do Estado Democrático de Direito, assegurando transparência, fiscalização e respeito aos direitos fundamentais”, dizem os defensores públicos.

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De acordo com a pesquisa, o reconhecimento facial vem sendo amplamente incorporado por órgãos públicos em um processo que começou com a realização dos megaeventos – especialmente a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016.

Ainda assim, as soluções regulatórias estão atrasadas, nas palavras dos pesquisadores. O artigo sustenta que o Brasil ainda não tem leis para regulamentar o uso dos sistemas de vigilância, incluindo câmeras de reconhecimento facial.

Defensores pedem debate público aprofundado sobre regras para sistemas de vigilância (Imagem: EvgeniyShkolenko/iStock)

Recentemente, o Senado aprovou o Projeto de Lei n.º 2338/2023, que cria regras para serviços de inteligência artificial, disciplinando sistemas biométricos na segurança pública. No mês passado, a Câmara dos Deputados criou uma comissão para avaliar a proposta. Mas o texto não é suficiente para frear abusos, na opinião dos defensores.

“Embora o PL estabeleça uma proibição geral do uso de sistemas de identificação biométrica à distância e em tempo real em espaços públicos, as exceções previstas acabam funcionando, na prática, como uma autorização ampla para sua implementação […] mantendo a possibilidade de um estado de vigilância e de violação de direitos.”

Os casos de exceção incluem investigações criminais, flagrante delito, busca por desaparecidos e recaptura de foragidos.

Com base nos dados coletados, os pesquisadores concluíram que é urgente o debate público sobre o reconhecimento facial, com a participação da sociedade civil, de acadêmicos, de organismos internacionais e de órgãos de controle.

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