As pessoas realmente anseiam por IA no celular?
À parte o fiasco na execução por parte da Apple, o adiamento da Siri movida a inteligência artificial generativa e, em especial, as reações a ele me levaram a questionar se as pessoas estão realmente interessadas nisso.

A tarde da sexta-feira é o horário favorito das empresas para despejar más notícias. Na última (7), a Apple informou que a Siri com IA generativa, um dos destaques da Apple Intelligence, “levará mais tempo do que pensávamos” para chegar ao mercado, o que só deve acontecer “no ano que vem”. A notícia foi passada, em nota, ao blogueiro John Gruber e à Reuters.
Não me recordo de outro lançamento da Apple tão atabalhoado quanto o da Apple Intelligence, marca criada para abrigar os recursos de inteligência artificial da empresa.
O iPhone 16, “criado do zero para inteligência artificial”, foi lançado sem qualquer recurso da Apple Intelligence. Eles estão sendo liberados a conta-gotas, em atualizações do iOS 18. Agora, a Siri mais esperta — que leva em conta detalhes do usuário e consegue interagir com aplicativos —, talvez o recurso mais aguardado de IA, só deverá chegar no iOS 19, com o iPhone 17 já à venda, possivelmente em 2026, ou seja, +18 meses depois de ser anunciada.
À parte o fiasco na execução por parte da Apple, o episódio e, em especial, as reações a ele me levaram a questionar se as pessoas estão realmente interessadas nisso. A frustração com atrasos e as promessas não cumpridas, eu entendo; o lamento em ainda não ter esses recursos à disposição, entendo menos. Ou é um daqueles casos em que as reações de “pessoas online” (imprensa especializada, youtubers, crackudos de IA) distorce a percepção da realidade, leia-se: é só uma galera mais ruidosa que se importa?
Um comentário do Basic Apple Guy vai nessa linha:
A sorte da Apple, por enquanto, é a crença de que muitos usuários ainda estão alheios a todo o potencial da IA em suas vidas e que o anúncio de sexta-feira é mais frustrante àqueles mergulhados no ecossistema da Apple e que também estão na vanguarda da tecnologia [adeptos de IA generativa].
Menciono esse último ponto porque, para muitos dos meus amigos e familiares, a IA é 1) um não-problema; ou 2) simplesmente sinônimo de perguntar coisas ao ChatGPT.
Ele acha, porém, que as promessas grandiosas da IA se realizarão rápido, momento em que chamarão a atenção das pessoas comuns, que não leem blogs como o dele e o meu. Quando isso acontecer, “se a Apple ainda tiver uma versão da Siri que tem dificuldades para lidar com vários timers simultâneos, eles estarão f*didos” (perdoe o francês dele).
É nessa parte que a gente discorda. Nada indica que as “alucinações” e erros básicos da IA generativa serão corrigidos no curto prazo, quiçá no médio ou longo. É uma tecnologia boa para tarefas pontuais e com margem para imprecisões, nada que não possa ser delegado a um app de terceiro — o que pode até ser preferível, para delimitar seu papel e o alcance de empresas sedentas por dados.
Nesse sentido, a analogia feita pela Meredith Whittaker, presidente do Signal, de que ter “agentes” de IA — como a Siri prometida pela Apple — seria como dar acesso root a toda a sua vida à IA, é boa para colocar o risco em perspectiva.
Especialistas chamam a atenção à “injeção de prompt” em IAs com acesso a dados sensíveis. Alguns suspeitam que essa pode ter sido a causa do adiamento da Siri “inteligente”.
Todas essas promessas maravilhosas de empresas investidas até o pescoço em IA me lembram as da própria Siri e da Alexa, da Amazon, mais de uma década atrás. A tecnologia é outra, mais poderosa, mas as promessas parecem ter aumentado na mesma proporção. Se as pessoas até hoje não se sentem confortáveis em delegar à Siri a compra de papel higiênico na Amazon, por que alguém se voluntariaria a confiar a robôs tarefas mais complexas a sistemas menos previsíveis, seja a Siri, a nova Alexa+ ou o ChatGPT?