Ao vivo: Sem exageros visuais, The Cult dá aula de rock para um público dividido entre palco e telas em SP

O setlist foi praticamente o mesmo que a banda apresentou no show do Rio, um dia antes, com exceção de "Green Theme", que deu lugar a...

Fev 28, 2025 - 20:08
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Ao vivo: Sem exageros visuais, The Cult dá aula de rock para um público dividido entre palco e telas em SP

texto de Paulo Pontes
fotos de Douglas Mosh

“’Love’, ‘Electric’ ou ‘Sonic Temple’? Qual é o melhor disco do The Cult?” Essa foi a breve discussão entre alguns fãs do lado de fora do Vibra São Paulo, por volta das 17h. No grupo, a disputa foi acirrada. Pelas camisas do público que começava a chegar, “Love” parecia levar vantagem. Se o setlist atual da banda servisse de termômetro para essa escolha, “Love” sairia vencedor novamente, com quatro músicas no repertório da noite (contra três de “Sonic Temple” e duas de “Electric”).

Mas, independentemente da escolha de cada um (e pra alguns, o melhor disco do The Cult nem está nessa trinca), o fato é que o quarteto britânico construiu, em mais de 40 anos de estrada, uma das discografias mais sólidas e equilibradas do rock. A diversidade do setlist reflete isso.

Outro fato, perceptível já na chegada ao Vibra, é que a banda não tem renovado sua base de fãs ao longo dos anos. O público não era formado apenas por veteranos, mas a quantidade de gente abaixo dos 30 anos era bem menor do que a vista em outros shows de bandas contemporâneas ao The Cult.

Essa composição ajudou a definir o clima do show: um reencontro de fãs de longa data, gente que acompanha a banda há décadas, mas com pouca renovação. O problema é que esse sentimento nostálgico não veio acompanhado de uma energia proporcional. O The Cult entregou um show foda, potente e intenso, mas muita gente preferiu assisti-lo pela tela do celular a viver a experiência de fato.

Foi nesse misto de devoção, nostalgia e distração digital (e com uma pista superlotada, já que a organização não colocou todos os setores do Vibra à venda) que o The Cult subiu ao palco… com atraso.

Baroness

Mas antes dos donos da festa, o Baroness subiu ao palco pra esquentar a noite – e fez isso com autoridade. Com um setlist que percorreu diferentes fases da banda, o quarteto entregou uma performance visceral, equilibrando peso, melodia e uma execução impecável.

John Baizley, sempre intenso no vocal e na guitarra, guiou o público por camadas de distorção e dinâmicas bem construídas, enquanto Gina Gleason roubava a cena com seus riffs e solos precisos, provando o porquê de ser um dos grandes nomes da guitarra na cena atual.

O setlist foi praticamente o mesmo que a banda apresentou no show do Rio, um dia antes, com exceção de “Green Theme”, que deu lugar justamente a “Take My Bones Away”, faixa que encerrou a apresentação com força total. O Baroness fez um show denso e envolvente, daqueles que poderiam muito bem ter durado mais tempo sem perder o impacto.

Baroness

Sem telões, sem backdrop, sem efeitos visuais mirabolantes, mas com uma iluminação bem trabalhada pra cada música, o The Cult subiu ao palco com 17 minutos de atraso. Talvez por isso “Lucifer”, que entrou no setlist carioca, tenha sido cortada. O atraso gerou algumas vaias na plateia, mas bastaram os primeiros acordes pra que tudo fosse deixado de lado. Quando Ian Astbury e Billy Duffy assumiram suas posições, a energia no Vibra mudou instantaneamente.

O que veio a seguir foi um show de rock clássico: cru, direto, potente e emocionante.

A abertura com “In the Clouds” já deu o tom da noite, com um som encorpado e a banda visivelmente confortável no palco. “Rise” veio na sequência, mantendo o peso, com Billy Duffy desfilando riffs impecáveis enquanto Ian Astbury, e seu inseparável pandeiro, comandava o público. O The Cult pode não ser uma banda de exageros visuais, mas compensou com presença e atitude.

The Cult

O show foi equilibrado entre diferentes fases da carreira da banda. Clássicos como “Edie (Ciao Baby)”, “Sweet Soul Sister”, “Rain” e “Fire Woman” trouxeram momentos de emoção, com a plateia cantando junto em uníssono. Já “Resurrection Joe” e “Spiritwalker” resgataram as raízes mais experimentais do grupo, enquanto o disco mais recente, “Under The Midnight” (2022), teve espaço com “Mirror”, provando que a banda segue relevante sem precisar se prender ao passado.

A reta final veio carregada de peso e nostalgia, com a sensacional e envolvente “Brother Wolf, Sister Moon”, que preparou o terreno pra um fechamento matador: “She Sells Sanctuary” e “Love Removal Machine”, dois clássicos absolutos da banda.

O The Cult entregou um show impecável, digno de sua trajetória. Pra quem estava lá de verdade – e não apenas por trás de uma tela –, a noite foi uma celebração ao rock em sua forma mais pura.

No fim das contas, a discussão sobre qual é o melhor disco do The Cult (“Electric”, “Love” ou “Sonic Temple”) pode nunca ter um consenso. Mas quem esteve no Vibra São Paulo saiu com a resposta pra uma pergunta ainda mais importante: o The Cult ainda é relevante? A resposta veio alta e clara, amplificada em cada riff e cada refrão entoado: sim. E como é.

– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.
– Douglas Mosh é fotógrafo de shows e produtor. Conheça seu trabalho em instagram.com/dougmosh.prod