Ao vivo: Sem exageros visuais, The Cult dá aula de rock para um público dividido entre palco e telas em SP
O setlist foi praticamente o mesmo que a banda apresentou no show do Rio, um dia antes, com exceção de "Green Theme", que deu lugar a...

texto de Paulo Pontes
fotos de Douglas Mosh
“’Love’, ‘Electric’ ou ‘Sonic Temple’? Qual é o melhor disco do The Cult?” Essa foi a breve discussão entre alguns fãs do lado de fora do Vibra São Paulo, por volta das 17h. No grupo, a disputa foi acirrada. Pelas camisas do público que começava a chegar, “Love” parecia levar vantagem. Se o setlist atual da banda servisse de termômetro para essa escolha, “Love” sairia vencedor novamente, com quatro músicas no repertório da noite (contra três de “Sonic Temple” e duas de “Electric”).
Mas, independentemente da escolha de cada um (e pra alguns, o melhor disco do The Cult nem está nessa trinca), o fato é que o quarteto britânico construiu, em mais de 40 anos de estrada, uma das discografias mais sólidas e equilibradas do rock. A diversidade do setlist reflete isso.
Outro fato, perceptível já na chegada ao Vibra, é que a banda não tem renovado sua base de fãs ao longo dos anos. O público não era formado apenas por veteranos, mas a quantidade de gente abaixo dos 30 anos era bem menor do que a vista em outros shows de bandas contemporâneas ao The Cult.
Essa composição ajudou a definir o clima do show: um reencontro de fãs de longa data, gente que acompanha a banda há décadas, mas com pouca renovação. O problema é que esse sentimento nostálgico não veio acompanhado de uma energia proporcional. O The Cult entregou um show foda, potente e intenso, mas muita gente preferiu assisti-lo pela tela do celular a viver a experiência de fato.
Foi nesse misto de devoção, nostalgia e distração digital (e com uma pista superlotada, já que a organização não colocou todos os setores do Vibra à venda) que o The Cult subiu ao palco… com atraso.
Mas antes dos donos da festa, o Baroness subiu ao palco pra esquentar a noite – e fez isso com autoridade. Com um setlist que percorreu diferentes fases da banda, o quarteto entregou uma performance visceral, equilibrando peso, melodia e uma execução impecável.
John Baizley, sempre intenso no vocal e na guitarra, guiou o público por camadas de distorção e dinâmicas bem construídas, enquanto Gina Gleason roubava a cena com seus riffs e solos precisos, provando o porquê de ser um dos grandes nomes da guitarra na cena atual.
O setlist foi praticamente o mesmo que a banda apresentou no show do Rio, um dia antes, com exceção de “Green Theme”, que deu lugar justamente a “Take My Bones Away”, faixa que encerrou a apresentação com força total. O Baroness fez um show denso e envolvente, daqueles que poderiam muito bem ter durado mais tempo sem perder o impacto.
Sem telões, sem backdrop, sem efeitos visuais mirabolantes, mas com uma iluminação bem trabalhada pra cada música, o The Cult subiu ao palco com 17 minutos de atraso. Talvez por isso “Lucifer”, que entrou no setlist carioca, tenha sido cortada. O atraso gerou algumas vaias na plateia, mas bastaram os primeiros acordes pra que tudo fosse deixado de lado. Quando Ian Astbury e Billy Duffy assumiram suas posições, a energia no Vibra mudou instantaneamente.
O que veio a seguir foi um show de rock clássico: cru, direto, potente e emocionante.
A abertura com “In the Clouds” já deu o tom da noite, com um som encorpado e a banda visivelmente confortável no palco. “Rise” veio na sequência, mantendo o peso, com Billy Duffy desfilando riffs impecáveis enquanto Ian Astbury, e seu inseparável pandeiro, comandava o público. O The Cult pode não ser uma banda de exageros visuais, mas compensou com presença e atitude.
O show foi equilibrado entre diferentes fases da carreira da banda. Clássicos como “Edie (Ciao Baby)”, “Sweet Soul Sister”, “Rain” e “Fire Woman” trouxeram momentos de emoção, com a plateia cantando junto em uníssono. Já “Resurrection Joe” e “Spiritwalker” resgataram as raízes mais experimentais do grupo, enquanto o disco mais recente, “Under The Midnight” (2022), teve espaço com “Mirror”, provando que a banda segue relevante sem precisar se prender ao passado.
A reta final veio carregada de peso e nostalgia, com a sensacional e envolvente “Brother Wolf, Sister Moon”, que preparou o terreno pra um fechamento matador: “She Sells Sanctuary” e “Love Removal Machine”, dois clássicos absolutos da banda.
O The Cult entregou um show impecável, digno de sua trajetória. Pra quem estava lá de verdade – e não apenas por trás de uma tela –, a noite foi uma celebração ao rock em sua forma mais pura.
No fim das contas, a discussão sobre qual é o melhor disco do The Cult (“Electric”, “Love” ou “Sonic Temple”) pode nunca ter um consenso. Mas quem esteve no Vibra São Paulo saiu com a resposta pra uma pergunta ainda mais importante: o The Cult ainda é relevante? A resposta veio alta e clara, amplificada em cada riff e cada refrão entoado: sim. E como é.
– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.
– Douglas Mosh é fotógrafo de shows e produtor. Conheça seu trabalho em instagram.com/dougmosh.prod