Alexandre Garcia: "Vai adiantar intimidar o brasileiro ou censurar as redes?"

"O projeto de emenda constitucional Diretas Já, de 41 anos atrás, foi "apedrejado" no Congresso, mas não adiantou. A insistência da força popular foi mais forte. Não adiantou a tentativa de tutelar o eleitor", frisa o jornalista

Abr 9, 2025 - 08:01
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Alexandre Garcia: "Vai adiantar intimidar o brasileiro ou censurar as redes?"

No domingo da manifestação por anistia, na Avenida Paulista, duas coincidências. Foi em São Paulo que, em abril de 1984, se realizou a maior demonstração de apoio pelas Diretas Já da emenda constitucional do deputado Dante de Oliveira (PMDB-MS). A emenda não passou e Tancredo Neves ainda foi eleito pelo Congresso Nacional, como os generais do período militar. Mas as diretas entraram na nova Constituição e, em 1989, os brasileiros elegeram o presidente da República, com voto direto e apuração fiscalizada pelos partidos.

A outra coincidência é o Evangelho do mesmo domingo, escrito por João, mostrando uma cena de anistia por parte de Jesus, de uma adúltera recém-flagrada. Pela Lei Mosaica, ela deveria ser apedrejada. Os fariseus provocaram Jesus, perguntando o que fazer com ela. Jesus respondeu: "Quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra."

Os circunstantes, então, foram sumindo. "Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?" — perguntou Jesus, que havia ficado sozinho com a mulher.

"Ninguém, Senhor", ela respondeu.

E Jesus: "Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar".

O ministro Luís Roberto Barroso já disse que não dá para não punir, porque os insatisfeitos com resultado de eleição tornarão a pecar contra o patrimônio público e as instituições. Como na Lei Mosaica: olho por olho, dente por dente. Essa posição do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ainda está no Velho Testamento. Não entrou na Era Cristã, que recebeu um novo mandamento, que foi aplicado por Jesus à adúltera. Escribas e fariseus achavam que ela deveria ser apedrejada até a morte. Mas descobriam dentro de si que não tinham poder moral para atirar a primeira pedra.

Se a apuração da eleição fosse bem entendida por cada eleitor; se houvesse um instrumento que garantisse para o eleitor que seu voto está computado certo; se havendo quase empate entre candidatos fosse possível fazer auditoria — como tentou o PSDB na reeleição de Dilma Rousseff —, não haveria a dúvida, a insatisfação, a catarse. A ameaça da Lei de Moisés não baniu o adultério. A punição exagerada de manifestantes do 8 de Janeiro não vai tirar as dúvidas sobre o sistema eleitoral.

Na Câmara, onde começou a emenda Dante de Oliveira pelas diretas, agora o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB), depois de ter afirmado que em 8 de janeiro de 2023 não teve golpe, comete uma contradição afirmando que há assuntos mais urgentes que o projeto de anistia. É como se dissesse que não se importa com as pedras atiradas em punição. Pessoas nos presídios, sem antecedentes criminais, que cometeram o crime de vir a Brasília se manifestar contra um resultado que não conseguiram compreender de uma eleição, estão há dois anos apartadas de suas famílias, de suas atividades, com a liberdade retirada. Foram degredadas ao grau de miseráveis, para as quais o projeto de anistia é a misericórdia.

O projeto de emenda constitucional Diretas Já, de 41 anos atrás, foi "apedrejado" no Congresso, mas não adiantou. A insistência da força popular, a necessidade de cada cidadão decidir quem deve ser presidente, governador, prefeito ou representante, foi mais forte. Não adiantou a tentativa de tutelar o eleitor. Será que, agora, vai adiantar intimidar o brasileiro ou censurar as redes que deram voz a cada indivíduo, origem do poder?

A decisiva atualidade do Evangelho de domingo é que, hoje, os que já tiveram pecado — e foram perdoados pela anistia de 1979 — são os que estão atirando a primeira pedra quando gritam: sem anistia! Não é isso farisaísmo?