Adolescente fica tetraplégico ao ser baleado pelo patrão
Mãe solteira, professora Stefane Gabriela, de 33 anos, pediu demissão no trabalho para cuidar do filho, de 17 anos, em São Gotardo (MG) e sobrevive de doações

O Hospital Regional Antônio Dias, em Patos de Minas, no Alto Paranaíba (MG), onde o adolescente Antônio Augusto Fonseca, de 17 anos, ficou internado por pouco mais de dois meses depois de ser baleado pelo patrão, confirmou que o jovem está tetraplégico.
Antes, a unidade de saúde apontava quadro de paraplegia. O novo diagnóstico trágico, fornecido em consulta de rotina, no dia 23 de abril, confirma o parecer que Stefane Gabriela de Oliveira Santos, de 33 anos, professora e mãe de Antônio, já tinha obtido quando levou o filho a Franca, no interior de São Paulo, para uma avaliação particular no dia 7 do mesmo mês.
“Consegui uma ambulância pelo SUS para transportar o Antônio, mas tive que pagar a consulta. Eu fui com alguma esperança, mas saí de lá com a confirmação de que meu filho nunca mais iria voltar a andar”, lembrou. O adolescente foi atendido pelo neurologista Pedro Paulo Garcia Couri. A reportagem tentou contato, mas ele não quis gravar entrevista.
Antônio levou um tiro em 28 de dezembro do ano passado durante uma confraternização, depois de uma cavalgada, em um sítio em São Gotardo (MG), cidade onde mora. Conforme consta em boletim de ocorrência registrado pela Polícia Militar, Sebastião Camargos de Oliveira, de 29 anos, como forma de comemoração, deu tiros para o alto. Uma bala acertou uma estrutura metálica e, em seguida, atingiu o pescoço de Antônio, atravessou a medula e perfurou o pulmão.
Na ocasião, os militares não encontraram Sebastião, que foi preso na semana seguinte, mas deixou o sistema prisional após pouco mais de um mês. Ele acabou se tornando réu por quatro crimes. Entenda mais abaixo.
“Larguei o emprego para cuidar do meu filho”
Stefane trabalhava como professora da educação infantil em uma escola da rede municipal e estava de férias quando recebeu a notícia de que o filho havia levado um tiro. Sem salário após largar o emprego, Stefane, que também tem uma filha de 4 anos, sobrevive de doações a fim de cuidar da menina e de Antônio, além de pagar o aluguel e as contas da casa. Contribuições podem ser feitas à família por meio da chave Pix (37) 9 9956-0077 em nome de Stefane Gabriela de Oliveira Santos.
Antônio Augusto Fonseca era domador de cavalos em São Gotardo, cidade do Alto Paranaíba
“O Antônio estava feliz domando cavalos [para Sebastião, patrão do adolescente]. Era algo que ele tinha o dom e a paixão em fazer. Agora, meu filho perdeu praticamente todos os movimentos. Ele só consegue mexer o braço esquerdo e está com incontinência urinária, além do intestino preso. Os médicos dizem que o caso dele é um milagre. Não era para estar vivo”, contou Stefane em entrevista ao Estado de Minas.
Logo após ser baleado por Sebastião, Antônio foi levado ao pronto-socorro da cidade, sendo estabilizado e transferido no início da madrugada do dia seguinte, em 29 de dezembro, para o Hospital Regional Antônio Dias, onde ficou internado até 6 de março. Ele chegou a ficar 24 dias no Centro de Terapia Intensiva (CTI).
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
“Eu deveria voltar a trabalhar em 10 de fevereiro, mas pedi demissão. Larguei o emprego para cuidar do meu filho, pois naquela ocasião eu já havia entendido que as nossas vidas tinham mudado. Sou mãe solteira e agora tenho que fazer tudo sozinha. Há dias que não consigo dormir, pois fico preocupada com a respiração dele. Não estou dando conta nem de limpar a casa. Ele me chama o tempo todo e sente muita dor no corpo. Ainda tem o quadro de depressão dele, que tem piorado. Estou exausta, mas vou seguir firme, porque eu amo muito meu filho. Vou fazer tudo o que eu puder por ele, mas, neste momento, dependo da solidariedade das pessoas para sobreviver e pôr comida na mesa”, disse.
Família do ex-patrão não tem dado assistência, diz mãe
A família do ex-patrão de Antônio, segundo Stefane, atualmente não tem oferecido qualquer tipo de ajuda. “Eles me deram R$ 1.500 alguns dias depois da internação, mas depois sumiram. Ele [Sebastião] se dizia amigo do meu filho, mas que tipo de amizade é essa?”, indagou.
Procurada pela reportagem, a defesa de Sebastião, representada pelo advogado Fernando Rabelo Rodrigues, disse que o cliente dele “realizou depósitos tão logo ocorreram os fatos e está enviando todos os esforços para reparar o dano e minorar o sofrimento”. Ainda conforme o comunicado, o ex-patrão ficou “compadecido e consternado com a situação de seu melhor amigo Antônio, além de muito arrependido”. Leia o posicionamento na íntegra no fim da reportagem.
Agora, Stefane tenta conseguir uma vaga para Antônio na Rede Sarah, na unidade de Belo Horizonte. Os hospitais que integram o complexo de atendimento médico são especializados na reabilitação das áreas neurológica e ortopédica. “Eles têm dois pré-requisitos para admissão. Um deles é não estar com traqueostomia, que foi retirada do meu filho depois de ele ter alta. A outra condição, e que falta resolver, é curar as feridas na região do cóccix [extremidade inferior da coluna vertebral]”, explicou.
Réu por quatro crimes
Dois dias após o crime, em 30 de dezembro, a Justiça expediu o mandado de prisão temporária de Sebastião Camargos de Oliveira, que foi cumprido em 3 de janeiro. No dia 31 do mesmo mês, ele se tornou réu por tentativa de homicídio qualificado com dolo eventual — ou seja, quando o agente não deseja a morte da vítima, mas assume a possibilidade de causá-la mediante sua conduta. Ele ainda passou a responder por porte ilegal de arma de fogo, disparo de arma de fogo e embriaguez ao volante.
“A respeito da autoria, destaque-se que, sem prejuízo de eventuais teses defensivas, o próprio réu, ao ser interrogado na Delegacia de Polícia, confirmou ter sacado uma arma de fogo da cintura e efetuado dois disparos para o alto”, destacou a juíza Dielly Karine Moreno Lopes, da 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude da Comarca de São Gotardo, ao acatar a denúncia do Ministério Público. A magistrada acrescentou que no local estavam várias pessoas, inclusive crianças e uma mulher grávida.
“Conforme apurado na investigação policial, o denunciado estava consumindo bebida alcoólica durante o decorrer do dia, inicialmente em uma cavalgada e depois na confraternização, momentos em que estava portando dois revólveres na cintura, um deles utilizado na prática delitiva. Há notícias nos autos, ainda, de que Sebastião, em tese, havia disparado naquele mesmo dia, no trajeto para o haras onde ocorreram os fatos, bem como que ele foi visto armado em outras circunstâncias, inclusive em uma confraternização em sua casa, cerca de um mês antes dos fatos”, completou.
Por fim, a juíza acolheu o pedido da Promotoria de Justiça e converteu a prisão temporária em preventiva. Sebastião ficou preso no Complexo Penitenciário Nossa Senhora do Carmo, em Carmo do Paranaíba, até 15 de fevereiro, quando recebeu alvará de soltura decorrente de um habeas corpus impetrado por sua defesa e acatado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
A liberdade foi condicionada ao cumprimento das seguintes medidas cautelares: compromisso de comparecimento a todos os atos do processo; comparecimento periódico em juízo para informar e justificar atividades; proibição de se aproximar da vítima ou testemunhas; e proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial.
Veja o que diz a defesa do ex-patrão
"Sebastião Camargos de Oliveira, compadecido e consternado com a situação de seu melhor amigo Antônio, além de muito arrependido, esclarece que realizou depósitos tão logo ocorreram os fatos e está enviando todos os esforços para reparar o dano e minorar o sofrimento, inclusive tentando entabular acordo.
De qualquer forma, é incontroverso entre Ministério Público, juíza criminal e defesa que foi uma fatalidade e que o resultado jamais foi pretendido, tendo o Tribunal de Justiça de Minas Gerais permitido que Sebastião Camargos de Oliveira, o Neto, responda ao processo em liberdade, consignando expressamente ao conceder-lhe a ordem de habeas corpus que ele e Antônio “são pessoas bem amigas”.
Sebastião Camargos de Oliveira se mantém à disposição da advogada da família de Antônio e das autoridades para, com dignidade, assumir a sua responsabilidade."