A guerra comercial que atrasa a transição energética
Nem todas as guerras se fazem com tanques e drones. Algumas travam-se com egos políticos, tarifas e tweets presidenciais. A guerra das tarifas não tem explosões, mas espalha efeitos globais. Os alvos? Tudo o que seja importado e útil. As armas? Tarifas aduaneiras com pontaria duvidosa. E, como em qualquer guerra, há danos colaterais: a […]


Nem todas as guerras se fazem com tanques e drones. Algumas travam-se com egos políticos, tarifas e tweets presidenciais. A guerra das tarifas não tem explosões, mas espalha efeitos globais. Os alvos? Tudo o que seja importado e útil. As armas? Tarifas aduaneiras com pontaria duvidosa. E, como em qualquer guerra, há danos colaterais: a economia em suspenso, tecnologias verdes mais caras e um planeta que observa, cansado, a diplomacia alfandegária substituir a ação climática.
Recentemente, a administração Trump decidiu blindar a economia nacional norte-americana com uma ofensiva tarifária contra praticamente tudo o que não tenha sido fabricado dentro de fronteiras. Hoje, nem a roda escaparia se tivesse sido inventada em Pequim. A lista de alvos inclui potências como a China, o Canadá ou a União Europeia, mas também países que mal se lembram de exportar alguma coisa — como as Ilhas Heard e McDonald, um território perdido entre a Antártida e Madagáscar, sem um único habitante humano. Só pinguins e focas. E, pelos vistos, uma ameaça estratégica ao comércio norte-americano. O episódio é caricato, mas simbólico: quando a política perde o bom senso, os resultados oscilam entre o surreal e o desastroso.
O protecionismo, quando aplicado a cadeias de valor altamente interligadas e com objetivos planetários, como é (ou deveria ser) o caso da transição energética, não é apenas contraproducente — é perigosamente ingénuo. Os Estados Unidos importam cerca de 80% dos seus painéis solares do Sudeste Asiático. Ao aumentar o custo destas tecnologias, as tarifas criam um obstáculo real ao crescimento da energia renovável. O mesmo se aplica às baterias de lítio e até aos veículos elétricos, cuja produção se torna mais cara e, naturalmente, o preço para o consumidor mais elevado.
Enquanto isso, a China começa a olhar para a Europa com aquele ar sedutor, como quem diz “podemos conversar?”. E conversa-se. O problema é que essa enxurrada de tecnologia chinesa pode atropelar a indústria verde europeia, que mal começou a dar os primeiros passos, amparada pelo Green Deal, assinado em 2019. A maior ironia da situação é que, ao tentar conter a China, os Estados Unidos estão a criar as condições perfeitas para que esta domine o mercado global de carros elétricos, turbinas e baterias.
Mas nem tudo é uma questão de preços. É também uma questão de previsibilidade. O investimento na transição energética exige estabilidade, visão de longo prazo e confiança. As tarifas, lançadas ao sabor de bravatas políticas e lógicas eleitorais, criam incerteza, travam decisões e fazem com que muitos projetos fiquem em suspenso. Num setor onde o tempo é crítico (porque o planeta aquece independentemente dos prazos de Bruxelas ou de Washington), atrasar significa perder.
Os efeitos fazem-se sentir também do lado da inovação. Muitas empresas repensam a localização das fábricas, adiam investimentos em investigação e perdem o fôlego para desenvolver soluções mais limpas. Ao mesmo tempo, países que tentam proteger as suas indústrias internas podem cair na tentação de aliviar as regras ambientais para manter a competitividade. E assim, em vez de acelerarmos a transição energética, travamo-la. Ou pior: andamos para trás.
O combate às alterações climáticas exige precisamente o contrário do que a atual guerra comercial promove: abertura, colaboração, integração de mercados, partilha de tecnologia, mobilização conjunta de recursos. O clima não é um campo de batalha, é o nosso terreno comum. E não há tarifa que o proteja.
Na prática, o que está em causa não é apenas o custo dos materiais e dos produtos, mas a arquitetura do esforço global com vista a um mundo mais justo e sustentável. A guerra económica corrói as pontes que deveriam estar a ser construídas para uma transição equitativa, acessível e partilhada. E com a pressa que o clima exige, convinha que as pontes viessem pré-fabricadas, sem taxas alfandegárias à entrada.