A criatividade adora uma boa mentira (e nem sempre é dia 1)
Abril começa sempre da mesma forma: alguém tenta pregar uma partida, algumas marcas lançam campanhas falsas (umas geniais, outras que mais valia terem ficado no rascunho), e por um dia inteiro fingimos que ainda nos surpreendemos com isto. Mas a verdade é que a grande mentira da criatividade não acontece só no dia 1 de […]


Abril começa sempre da mesma forma: alguém tenta pregar uma partida, algumas marcas lançam campanhas falsas (umas geniais, outras que mais valia terem ficado no rascunho), e por um dia inteiro fingimos que ainda nos surpreendemos com isto. Mas a verdade é que a grande mentira da criatividade não acontece só no dia 1 de abril – acontece o ano todo. E, curiosamente, é isso que a torna fascinante.
A publicidade é um jogo entre o que é real e o que gostaríamos que fosse. Nenhuma família acorda radiante e perfeitamente sincronizada para um pequeno-almoço digno de anúncio. Na vida real, há torradas carbonizadas, crianças a travar uma batalha épica pelo último iogurte, alguém a sair de casa a correr com um café na mão – e a lei universal de Murphy garante que esse café acaba sempre entornado na única camisa branca disponível. Mas, no meio destas pequenas ilusões, há algo maior: a nossa capacidade de criar narrativas que fazem as pessoas sentir, imaginar e acreditar, nem que seja por um instante.
E depois há as mentiras internas, as que contamos uns aos outros dentro do próprio processo criativo:
- “Vamos pensar fora da caixa!” (desde que a caixa tenha aprovação do cliente, esteja alinhada com a estratégia da concorrência e caiba no budget).
- “Desta vez vamos ter tempo para criar!” (até o deadline ser antecipado duas vezes e reduzido a metade).
- “O cliente quer algo diferente!” (mas só até perceber que ‘diferente’ dá medo e afinal prefere o que já funciona).
- “As grandes ideias vencem sempre!” (claro, desde que passem por 23 rounds de feedback e não incomodem ninguém).
Mas, ao contrário do que se possa pensar, não há nada de errado nisso. A publicidade não é uma fábrica de verdades absolutas – é um motor de possibilidades. Criamos versões melhores da realidade não para enganar, mas para inspirar. Para desafiar percepções, provocar emoções e, ocasionalmente, até mudar comportamentos.
A questão não é se vamos continuar a contar histórias que distorcem a realidade – é como vamos fazer isso de uma forma que continue a surpreender, envolver e conectar.
E é por isso que a criatividade nunca se esgota. Porque, no fim, o nosso trabalho não é vender mentiras, mas sim criar realidades onde, por um instante, tudo parece possível.