90% do que você consome online não foi você que escolheu
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Há pouco mais de 15 anos, dedico minha trajetória acadêmica e profissional ao estudo dos fenômenos ligados à cultura e ao comportamento digital, tanto no setor público quanto no privado, investigando grandes tendências sociais e consumo para marcas. Mas o que realmente me fascina é entender como as pessoas reagem a estímulos digitais: como desabafam com o ChatGPT, fazem perguntas existenciais ao Google ou compartilham angústias em redes sociais. O ambiente digital é, ao mesmo tempo, uma vitrine pública e um confessionário íntimo, onde registramos nossas dúvidas mais profundas — geralmente, no meio da noite, enquanto rolamos o feed.
Criar esta coluna vem de uma missão pessoal: trazer, com dados e pesquisas, uma compreensão mais profunda do comportamento digital. Viajo o Brasil palestrando sobre internet e percebo o quão poucas pessoas, independentemente de instrução ou renda, sabem sobre ambiente digital. Desde grandes números — como o fato de o Brasil ter mais domicílios com acesso à internet (92,5%) do que a saneamento básico (55,8%) — até estatísticas que nos colocam no topo do ranking digital global: somos o segundo país do mundo que mais passa tempo online (9h37min), o quarto que mais utiliza redes sociais (3h32min por dia), o terceiro maior consumidor de podcasts, segundo maior consumidor de vídeos, primeiro maior produtor de memes, país que mais clica em fake news e o segundo país que mais usa diferentes plataformas digitais (8 plataformas em média) . Falou em digital, somos líderes em quase tudo.
Apesar de parecer abstrato, o acesso à internet depende de dispositivos físicos e plataformas comerciais globais. Se passamos grande parte do dia online, por que raramente questionamos como os algoritmos funcionam, quais regras aplicam e que dados coletam sobre nossos hábitos, interesses e medos? A resposta é simples: acreditamos que quem controla a nossa experiência digital somos nós. Segundo o Pew Research Center, 70% dos usuários afirmam escolher conscientemente o que consomem na internet, quando, na realidade, 90% do que veem é moldado por algoritmos. Essa contradição deveria nos fazer refletir: se temos tanto controle, por que nossos feeds parecem saber exatamente o que nos interessa antes mesmo de nós? Às vezes, até melhor do que nós mesmos.
O problema central não é apenas o desconhecimento sobre o funcionamento dos algoritmos, mas a ilusão de que podemos manipulá-los. Estudos da Pennsylvania University mostram que, mesmo quando tentamos mudar nossos hábitos — seguindo fontes diversas, buscando conteúdos alternativos ou desativando recomendações — os algoritmos rapidamente se recalibram para nos manter dentro de padrões previsíveis de consumo . E se tudo o que vemos é filtrado por um sistema que prioriza engajamento, será que estamos nos informando ou apenas sendo condicionados?
Meu objetivo com esta coluna é, justamente, utilizar dados e análises para revelar tendências e padrões da nossa relação com o digital, explorando não apenas o impacto das redes sobre o indivíduo, mas também do indivíduo sobre o coletivo. Um estudo do MIT revelou que, embora 62% dos entrevistados afirmem que as redes sociais não influenciam suas opiniões, suas posições políticas e hábitos de consumo refletem diretamente os conteúdos expostos para eles por essas plataformas. A curadoria invisível das redes sociais não apenas sugere, mas define tendências culturais, cria comportamentos e, em muitos casos, molda nossas convicções mais profundas sobre nós mesmos, sem que percebamos.
A questão não é se os algoritmos nos influenciam, mas até que ponto essa influência já faz parte da nossa própria vontade. Passamos horas interagindo com sistemas que nos observam, analisam e direcionam — será que ainda estamos no controle? E, na calada da noite, quando digitamos nossas dúvidas mais íntimas no Google, será que ele já nos conhece melhor do que nós mesmos?
Os feeds personalizados filtram o que vemos, reforçando certezas e nos mantendo confortáveis. Isso torna o consumo mais eficiente — tanto para nós quanto para as empresas. Se você não se interessa por skate ou pesca, não perderá tempo com esses temas, nem será impactado por eles. Mas o problema surge quando esse filtro extrapola o consumo e começa a moldar nossas opiniões, nossa visão de mundo e até nossa percepção sobre nós mesmos. Até onde essa influência nos define? Essa jornada será longa, e todo domingo traremos dados e reflexões para entender como nossa experiência digital está sendo moldada. Fique ligado!
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