Um ano com D. Dinis (23)

Estátuas de D. Dinis e D. Isabel, em Leiria   Faz hoje 744 anos que D. Dinis assinou o seu compromisso de casamento, em pleno cerco de Vide. O rei cercara o irmão Afonso por este ter decidido construir muralhas em torno da vila e aumentar uma torre, sem lhe pedir autorização. Os agentes de D. Pedro III de Aragão, o pai da noiva, eram Conrado Lanceote e Bertrando de Vila Franca. O Rei Lavrador fez doação à noiva por núpcias das vilas de Óbidos, Abrantes e Porto de Mós, doação que ficava assegurada pelas arras dos castelos de Vila Viçosa, Monforte, Sintra, Ourém, Feira, Gaia, Lanhoso, Nóbrega, Santo Estêvão de Chaves, Monforte de Rio Livre, Portel e Montalegre e mais dez mil libras. Na verdade, D. Dinis e D. Isabel, já estavam casados, nesta altura, embora ainda não se conhecessem. O casamento ocorreu por procuração, a 11 de Fevereiro de 1281, no Paço Real de Barcelona. Os cavaleiros João Pires Velho e Vasco Pires e o clérigo D. João Martins de Soalhães, futuro bispo de Lisboa representaram o rei, por palavras de presente, na cerimónia de recebimento da noiva. D. Isabel só deu entrada em Portugal cerca de ano e meio mais tarde, sendo as bodas do par real festejadas em Trancoso, a 26 de Junho de 1282. A tradição diz-nos que D. Dinis não apreciava os exageros caritativos da sua rainha. E que esta muito sofreu com os casos extra-conjugais do marido. A este propósito, transcrevo um pequeno excerto do meu romance:   Num serão abafado e quente de Junho, vieram dizer-lhe que a rainha não viria aos seus aposentos, como por ele solicitado, pois preparava-se para ir ao hospital de Santo Elói. Dinis dirigiu-se furioso ao Paço da sua consorte, apanhando-a já de saída, envolta pela cabeça numa capa escura muito simples, de camponesa. - Proíbo-vos de deixar o Paço! Ela limitou-se a replicar: - Tenho os meus compromissos. - Que adiareis, por uma vez. Hei mister de vos falar. Ou serão os vossos enfermos mais importantes do que el-rei? - Não se trata de serem mais ou menos importantes. Trata-se de cuidar de quem necessita. - Também eu hei mister de algo: de esclarecimentos. Dizei, que vos incomoda? Foi algo que disse ou… fiz? Isabel fixou-o com os seus olhos perscrutadores. Dinis pensou ver naquele brilho uma certa acusação, algum ciúme, e convenceu-se de que ela realmente se vingava do sucedido em Coimbra. Em vez de se sentir culpado, porém, empertigou-se. Quiçá fosse aquele jeito dela de desprezar tudo o que fosse mácula humana. Mas não lhe competia, afinal, aceitar que ele tivesse as suas barregãs?

Abr 24, 2025 - 11:04
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Um ano com D. Dinis (23)

Dinis e Isabel - Leiria.jpg

Estátuas de D. Dinis e D. Isabel, em Leiria

 

Faz hoje 744 anos que D. Dinis assinou o seu compromisso de casamento, em pleno cerco de Vide. O rei cercara o irmão Afonso por este ter decidido construir muralhas em torno da vila e aumentar uma torre, sem lhe pedir autorização.

Os agentes de D. Pedro III de Aragão, o pai da noiva, eram Conrado Lanceote e Bertrando de Vila Franca. O Rei Lavrador fez doação à noiva por núpcias das vilas de Óbidos, Abrantes e Porto de Mós, doação que ficava assegurada pelas arras dos castelos de Vila Viçosa, Monforte, Sintra, Ourém, Feira, Gaia, Lanhoso, Nóbrega, Santo Estêvão de Chaves, Monforte de Rio Livre, Portel e Montalegre e mais dez mil libras.

Na verdade, D. Dinis e D. Isabel, já estavam casados, nesta altura, embora ainda não se conhecessem. O casamento ocorreu por procuração, a 11 de Fevereiro de 1281, no Paço Real de Barcelona. Os cavaleiros João Pires Velho e Vasco Pires e o clérigo D. João Martins de Soalhães, futuro bispo de Lisboa representaram o rei, por palavras de presente, na cerimónia de recebimento da noiva.

D. Isabel só deu entrada em Portugal cerca de ano e meio mais tarde, sendo as bodas do par real festejadas em Trancoso, a 26 de Junho de 1282.

A tradição diz-nos que D. Dinis não apreciava os exageros caritativos da sua rainha. E que esta muito sofreu com os casos extra-conjugais do marido. A este propósito, transcrevo um pequeno excerto do meu romance:

 

Num serão abafado e quente de Junho, vieram dizer-lhe que a rainha não viria aos seus aposentos, como por ele solicitado, pois preparava-se para ir ao hospital de Santo Elói. Dinis dirigiu-se furioso ao Paço da sua consorte, apanhando-a já de saída, envolta pela cabeça numa capa escura muito simples, de camponesa.

- Proíbo-vos de deixar o Paço!

Ela limitou-se a replicar:

- Tenho os meus compromissos.

- Que adiareis, por uma vez. Hei mister de vos falar. Ou serão os vossos enfermos mais importantes do que el-rei?

- Não se trata de serem mais ou menos importantes. Trata-se de cuidar de quem necessita.

- Também eu hei mister de algo: de esclarecimentos. Dizei, que vos incomoda? Foi algo que disse ou… fiz?

Isabel fixou-o com os seus olhos perscrutadores. Dinis pensou ver naquele brilho uma certa acusação, algum ciúme, e convenceu-se de que ela realmente se vingava do sucedido em Coimbra. Em vez de se sentir culpado, porém, empertigou-se. Quiçá fosse aquele jeito dela de desprezar tudo o que fosse mácula humana. Mas não lhe competia, afinal, aceitar que ele tivesse as suas barregãs?