Por que quero comprar um arcade em pleno 2025?

Design emocional e a experiência subjetiva do design.Jovem jogando The King of Fighter em um fliperama.Primeiramente, preciso explicar o que é arcade (para os mais novos). Máquinas arcade nada mais são do que gabinetes eletrônicos com controles e tela, onde jogos icônicos como Street Fighter II, Mortal Kombat, Pac-Man e The King of Fighter (KoF) podiam ser jogados. Esse tipo de máquina foi popular no Brasil principalmente entre o final dos anos 80 e o início dos anos 2000. O auge aconteceu nos anos 90, quando fliperamas eram comuns em shoppings, galerias e bares.A minha primeira experiência que lembro com fliperamas foi com o The King of Fighters 2002 (KoF 2002) no RJ em um bar, jogando nas férias com meus primos. O jogo de luta lançado pela SNK reunia 39 personagens e tinha um sistema de trios contra trios.Tela de ordenação dos personagens The King of Fighters 2002.Quando o período de férias se aproximava, já me sentia ansioso para ir para o Rio de Janeiro jogar com meus primos. Como o jogo possuía um sistema de 3 contra 3, cada um de nós escolhia um personagem. O meu favorito era o Ralf, que tinha uma mecânica bem simples e tinha um golpe chamado Galactica Phantom que ele carregava um super soco.Ralf executando o seu golpe Galactica Phantom no KoF 2002.Mas, o que um jogo de luta tem a ver com Design?Primeiramente é preciso entender que ainda hoje a comunidade de KoF 2002 no Brasil é muito ativa existem campeonatos com premiações e grande audiência.Agora, pense comigo:O que leva uma comunidade a jogar e consumir o conteúdo de um jogo de 20 anos atrás, que não contém novas atualizações, possui bugs e gráficos inferiores comparados aos jogos de hoje?Um representante da empresa SNK, distribuidora do jogo explicou a popularidade do jogo durante a Brasil Game Show de 2023. No entanto, para responder essa pergunta, vou recorrer para Design, especificamente Don Norman.Para começar, é preciso que voltemos ao livro “O Design do Dia a Dia”. Segundo Norman, nós, como designers de experiência focamos no design comportamental (a aparência não importa o desempenho é o que importa.O design comportamental é composto por quatro elementos:FunçãoRefere-se ao propósito ou tarefa que um objeto ou sistema é projetado para realizar. No design comportamental, a função deve ser clara e eficaz, ou seja, o design deve permitir que os usuários cumpram suas tarefas com facilidade.CompreensibilidadeEstá relacionada à capacidade do usuário de entender como interagir com o sistema ou objeto. É a clareza das instruções e a lógica do design, permitindo que o usuário compreenda facilmente o que está acontecendo, como funciona e como utilizar o produto de maneira correta.UsabilidadeTrata da eficiência com que o usuário consegue realizar suas tarefas. Um sistema ou produto com boa usabilidade deve ser fácil de aprender, eficiente para realizar ações e proporcionar uma experiência satisfatória e sem frustrações.Sensação físicaEste elemento se refere à interação tátil e sensorial que o usuário tem com o produto, como a textura, o peso, o clique de um botão ou qualquer outro feedback físico. A sensação física é importante porque ela pode influenciar a experiência do usuário, tornando a interação mais agradável ou mais natural.Porém, Norman percebeu que não basta apenas criar sistemas que funcionem bem e tenham boa funcionalidade; é preciso entregar respostas emocionais positivas aos usuários. Por isso, ele escreveu o livro “Design emocional” para falar mais a fundo desse assunto.“(…) abordei a utilidade e a usabilidade, função e forma, tudo de maneira lógica e desapaixonada. (…) utilidade e usabilidade são importantes, mas sem diversão e prazer, alegria e entusiasmo, e até ansiedade e raiva, medo e fúria, nossas vidas seriam incompletas.”— Norman, 2008, p. 28O design emocional é composto por três camadas:Design Visceral — Relacionado às reações instintivas e imediatas ao design. Esse nível lida com a estética e a primeira impressão de um produto, como sua forma, cor e textura. Produtos bem projetados nesse nível geram uma resposta emocional instantânea, como desejo ou repulsa.Design comportamental — Foca na usabilidade e na funcionalidade do produto. Esse nível está ligado à satisfação do usuário ao interagir com o produto, considerando fatores como eficiência, desempenho e facilidade de uso. Um bom design comportamental evita frustrações e proporciona uma experiência intuitiva.Design reflexivo — Envolve a interpretação, significado e impacto do design na identidade e no status do usuário. Esse nível está associado à memória, ao orgulho de possuir um produto e à conexão emocional duradoura com ele. É o que faz um usuário valorizar um objeto além da sua função prática, como um relógio de luxo ou um carro clássico.“É do nível reflexivo do design que vem a beleza. A beleza examina pro baixo da superfície. A beleza vem do reflexão consciente e da experiência”— Norman, 2008, p. 111Dessa forma, o design reflexivo é algo subjetivo, que não pode ser ide

Fev 28, 2025 - 15:42
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Por que quero comprar um arcade em pleno 2025?

Design emocional e a experiência subjetiva do design.

Uma pessoa joga The King of Fighters em uma máquina de arcade da SNK. Na tela, a personagem Mai Shiranui luta contra Ralf Jones em um cenário urbano, com carros e placas luminosas ao fundo. A máquina possui artes laterais com ilustrações de personagens do jogo. O jogador, visto de costas, está focado na partida, enquanto a interface do jogo exibe barras de vida, tempo e créditos disponíveis.
Jovem jogando The King of Fighter em um fliperama.

Primeiramente, preciso explicar o que é arcade (para os mais novos). Máquinas arcade nada mais são do que gabinetes eletrônicos com controles e tela, onde jogos icônicos como Street Fighter II, Mortal Kombat, Pac-Man e The King of Fighter (KoF) podiam ser jogados. Esse tipo de máquina foi popular no Brasil principalmente entre o final dos anos 80 e o início dos anos 2000. O auge aconteceu nos anos 90, quando fliperamas eram comuns em shoppings, galerias e bares.

A minha primeira experiência que lembro com fliperamas foi com o The King of Fighters 2002 (KoF 2002) no RJ em um bar, jogando nas férias com meus primos. O jogo de luta lançado pela SNK reunia 39 personagens e tinha um sistema de trios contra trios.

Tela de seleção de ordem de luta do jogo The King of Fighters 2002. No centro, o texto ‘ORDER SELECT’ está destacado em letras grandes e brilhantes. À esquerda, um time com três personagens: Clark, Yamasaki e Chris. À direita, outro trio com Billy, Blue Mary e Yamasaki.
Tela de ordenação dos personagens The King of Fighters 2002.

Quando o período de férias se aproximava, já me sentia ansioso para ir para o Rio de Janeiro jogar com meus primos. Como o jogo possuía um sistema de 3 contra 3, cada um de nós escolhia um personagem. O meu favorito era o Ralf, que tinha uma mecânica bem simples e tinha um golpe chamado Galactica Phantom que ele carregava um super soco.

Animação do jogo de luta The King of Fighters 2002. Ralf, à esquerda, acerta seu golpe especial Galactica Phantom em Clark, que está à direita. O impacto do golpe é visível, com Clark sendo lançado para trás enquanto o cenário ao fundo exibe ruínas e um céu nublado.
Ralf executando o seu golpe Galactica Phantom no KoF 2002.

Mas, o que um jogo de luta tem a ver com Design?

Primeiramente é preciso entender que ainda hoje a comunidade de KoF 2002 no Brasil é muito ativa existem campeonatos com premiações e grande audiência.

Agora, pense comigo:

O que leva uma comunidade a jogar e consumir o conteúdo de um jogo de 20 anos atrás, que não contém novas atualizações, possui bugs e gráficos inferiores comparados aos jogos de hoje?

Um representante da empresa SNK, distribuidora do jogo explicou a popularidade do jogo durante a Brasil Game Show de 2023. No entanto, para responder essa pergunta, vou recorrer para Design, especificamente Don Norman.

Para começar, é preciso que voltemos ao livro “O Design do Dia a Dia”. Segundo Norman, nós, como designers de experiência focamos no design comportamental (a aparência não importa o desempenho é o que importa.

O design comportamental é composto por quatro elementos:

  1. Função
    Refere-se ao propósito ou tarefa que um objeto ou sistema é projetado para realizar. No design comportamental, a função deve ser clara e eficaz, ou seja, o design deve permitir que os usuários cumpram suas tarefas com facilidade.
  2. Compreensibilidade
    Está relacionada à capacidade do usuário de entender como interagir com o sistema ou objeto. É a clareza das instruções e a lógica do design, permitindo que o usuário compreenda facilmente o que está acontecendo, como funciona e como utilizar o produto de maneira correta.
  3. Usabilidade
    Trata da eficiência com que o usuário consegue realizar suas tarefas. Um sistema ou produto com boa usabilidade deve ser fácil de aprender, eficiente para realizar ações e proporcionar uma experiência satisfatória e sem frustrações.
  4. Sensação física
    Este elemento se refere à interação tátil e sensorial que o usuário tem com o produto, como a textura, o peso, o clique de um botão ou qualquer outro feedback físico. A sensação física é importante porque ela pode influenciar a experiência do usuário, tornando a interação mais agradável ou mais natural.

Porém, Norman percebeu que não basta apenas criar sistemas que funcionem bem e tenham boa funcionalidade; é preciso entregar respostas emocionais positivas aos usuários. Por isso, ele escreveu o livro “Design emocional” para falar mais a fundo desse assunto.

“(…) abordei a utilidade e a usabilidade, função e forma, tudo de maneira lógica e desapaixonada. (…) utilidade e usabilidade são importantes, mas sem diversão e prazer, alegria e entusiasmo, e até ansiedade e raiva, medo e fúria, nossas vidas seriam incompletas.”
— Norman, 2008, p. 28

O design emocional é composto por três camadas:

  • Design Visceral — Relacionado às reações instintivas e imediatas ao design. Esse nível lida com a estética e a primeira impressão de um produto, como sua forma, cor e textura. Produtos bem projetados nesse nível geram uma resposta emocional instantânea, como desejo ou repulsa.
  • Design comportamental — Foca na usabilidade e na funcionalidade do produto. Esse nível está ligado à satisfação do usuário ao interagir com o produto, considerando fatores como eficiência, desempenho e facilidade de uso. Um bom design comportamental evita frustrações e proporciona uma experiência intuitiva.
  • Design reflexivo — Envolve a interpretação, significado e impacto do design na identidade e no status do usuário. Esse nível está associado à memória, ao orgulho de possuir um produto e à conexão emocional duradoura com ele. É o que faz um usuário valorizar um objeto além da sua função prática, como um relógio de luxo ou um carro clássico.
“É do nível reflexivo do design que vem a beleza. A beleza examina pro baixo da superfície. A beleza vem do reflexão consciente e da experiência”
— Norman, 2008, p. 111

Dessa forma, o design reflexivo é algo subjetivo, que não pode ser identificado facilmente, já que abrange particularidades individuais. Logo, pude compreender o meu desejo de adquirir um arcade em pleno 2025, em que consoles domésticos como PlayStation, Xbox ou Super Nintendo dominam o mercado. A razão por trás disso é a nostalgia e as lembranças da minha infância, especialmente dos momentos em que esperava as férias para jogar com meus primos.

Além disso, também está relacionado com a minha autoimagem e a mensagem que desejo passar para as outras pessoas.

“Quer você admita ou não, aprove ou desaprove, os produtos que você compra e seu estilo de vida ao mesmo tempo refletem e determinam sua auto-imagem, bem como as imagens que os outros têm de você”
— Norman, 2008, p. 75

Os jogos são um exemplo ótimo sobre design reflexivo, pois possibilitam aos jogadores imergirem no ambiente virtual. Eles são participantes ativos do que acontece no jogo, tornando a imersão voluntária. Ao tomar decisões como escolher os personagens e controlá-los, a experiência pode variar de muitas maneiras ao longo do tempo — divertida, frustrante, instigante, tediosa ou revigorante. O jogador também vivencia a experiência de diversos estímulos como visuais, sonoros e físicos. Por exemplo, no KoF 2002, as vozes de todos os personagens são em japonês, mas instruções, tanto textuais quanto sonoras, são em inglês com o intuito de trazer autenticidade e a identidade cultural dos personagens, que são originalmente japoneses, enquanto torna o jogo mais acessível para um público global.

Outro ponto interessante é o fato dos jogos trazerem referências de outras artes como cinema, música e teatro. Um bom exemplo é a SNK, que trouxe a partir do KoF 1998 até o KoF 2002, um personagem chamado “K9999”, inspirado em Tetsuo, vilão do filme Akira lançado no mesmo ano. Toda a sua estética, golpes e falas são baseados em Tetsuo. Para tornar a representação ainda mais profunda, usaram o mesmo dublador original do filme. Akira é considerado uma obra de arte pela sua qualidade artística, animações inovadoras para a época além de trazer muitas referências culturais da cultura japonesa e influenciar toda uma geração.

Imagem dividida em duas partes. À esquerda, um personagem do Kof chamado K9999. À direita, o personagem Tetsuo do anime Akira.
Personagem K9999 do KoF ao lado de Tetsuo vilão do filme Akira.

Por fim, concordo com Norman quando ele diz que a tecnologia deve trazer mais para as nossas vidas além de praticidade para realizar tarefas.

“A tecnologia deveria trazer mais a nossas vidas do que o desempenho aperfeiçoado de tarefas: deveria acrescentar riqueza e diversão.”
— Norman, 2008, p. 125

Não é tão simples alcançar esse nível, pois o design reflexivo é um conceito extremamente subjetivo. O que é considerado marcante depende muito do contexto de cada pessoa. Porém, é esse tipo de design que vence o tempo e pode ser apreciado mesmo depois de uso contínuo por anos. Norman ainda vai dizer que um bom design é composto pela soma de três elementos fundamentais: design visceral (faz você sentir), design comportamental (ajuda você a fazer) e um design reflexivo (diz sobre você).

Você acha que é possível, através de metodologias e processos, alcançarmos o design reflexivo ou apenas através da arte?

Antes que eu me esqueça meu trio favorito no KoF 2002 é Ralf, Yachiro e Clark se você tem uma experiência marcante com fliperamas ou jogos antigos comente nesse artigo ou me chame para uma conversa.

Referências


Por que quero comprar um arcade em pleno 2025? was originally published in UX Collective