‘Os Putos do PREC’: a revolução vista pelos adolescentes

O livro de Pedro Prostes da Fonseca, simbolicamente editado a 11 de Março, mostra como foram vividos os anos de 1974 e 1975 pelos então estudantes do secundário.

Mar 24, 2025 - 16:00
 0
‘Os Putos do PREC’: a revolução vista pelos adolescentes
‘Os Putos do PREC’: a revolução vista pelos adolescentes

“Prefiro um documentário sobre alguém do que um filme com actores”, diz-nos o escritor Pedro Prostes da Fonseca. “Isto é algo que procuro imprimir no meu trabalho”, refere.

Estamos a falar com o autor de A História dos 4 Cantinhos, A Porta para a Liberdade ou Contra as Ordens de Salazar, sobre o seu trabalho mais recente, Os Putos do PREC, editado a 11 de Março pela Guerra e Paz, que nos deixa claros os contornos destas páginas.

“Sigo as regras do jornalismo, falo com a maioria das fontes e tenho o cuidado de referir aonde é que vou buscar a informação. Quero continuar a fazer jornalismo, mas em livros”, afirma o ex-jornalista que já trabalhou para meios como o Expresso, a Sábado ou o Nascer do Sol.

Rabo de PeixeEste trabalho pinta um retrato de como, em 1975, eram as vidas nas escolas secundárias portuguesas, numa altura em que o Processo Revolucionário em Curso (PREC) inflamava o espírito do país. Baseado nas experiências pessoais do autor e em inúmeras entrevistas, o livro procura mostrar como os jovens se insurgiram durante este período histórico. “Andei num liceu muito complicado durante o PREC: o D. Dinis, em Chelas. Era mais o tempo que não tínhamos aulas do que o que tínhamos”, recorda.

“Vivenciei muito miúdo, com 12 anos, toda aquela agressividade e todo aquele ambiente de constantes altercações violentíssimas entre as esquerdas e direitas. Às vezes conto a amigos mais novos ou aos meus filhos e eles não acreditam nas coisas a que assisti”, descreve. Pedro diz-nos que fez parte de um movimento de libertação, com 12 anos, no seu bairro nos Olivais. A primeira acção do grupo foi entrar num prédio e soltar os pássaros do porteiro que estavam no 9.º andar. “Achávamos que era um fascismo ter os animais em gaiolas e soltámos todos”, diz, referindo que o colectivo teve vida curta.

O escritor refere que uma das motivações para escrever este livro foi o facto de sentir que não existiam muitos sobre esta temática, nomeadamente, aqueles que eram sobre a perspectiva dos estudantes do ensino secundário. Com o aval da editora, procurou mostrar como “miúdos com idades entre os 13 e 15 anos começaram a mandar nos destinos da escola”. “É extraordinário como aquelas pessoas tão jovens já tinham tanta consciência política e começaram a liderar movimentos nos liceus. Claro que existiam alguns que eram perfeitos tolos, mas tive o prazer de conversar com pessoas interessantes, inclusive com alguns professores, que me falaram sobre os desafios que passaram”.

Os entrevistados abordaram as dificuldades que viveram durante este período e como era, por vezes, desafiante terem de conviver com desafios intimidantes. “Nós não tínhamos capacidade física, nem número para fazer frente a grupos mais extremistas. Às vezes, andávamos no meio de pessoas mais robustas e mais velhas.”

Mesmo não havendo muitas vítimas mortais nesta altura, Pedro recorda que foi um período de perigo e intenso, especialmente para os pais. “Existiam pais que davam liberdade aos filhos para pertencerem a estes movimentos, mas não deixavam de estar assustadíssimos”, começa por explicar. “Só lhes apetecia pôr grades nas janelas para não deixarem os filhos sair de casa. Não era para evitar que fossem para as discotecas, eram jovens de 15 anos que estavam em manifestações e comícios com pessoas mais velhas. Os pais sofriam, com certeza, enquanto eles não chegassem a casa”.

O escritor aborda um caso, por exemplo, em que uma jovem estava a ser ameaçada por membros do MRPP, mas acabou por ser salva por um jovem Luís Represas – que também foi entrevistado para Os Putos do PREC. “Entrevistei uma militante da União dos Estudantes Comunistas (UEC), a Susana, e ela descreveu como foi extremamente perseguida na Escola Secundária Pedro Nunes, justamente por membros deste partido, que tinha um ódio enorme ao Partido Comunista. Houve um dia em que os militantes pegaram nela, enfiaram-na numa sala e começaram a dizer que a iam violar. Ela contou-me que quem a salvou foi o Luís Represas e o Manuel Faria [dois membros fundadores dos Trovante], que apareceram de repente e começaram a gritar para eles pararem”, relata.

Foram tempos muito violentos, mas que Pedro espera que possam ajudar as novas gerações, especialmente numa altura em que, com uma nova moção de censura contra o governo, vivemos tempos políticos conturbados.

O lançamento de Putos do PREC, apesar de fazer sentido no contexto dos 50 anos do 25 de Abril, ocorreu a 11 de Março, de forma a reforçar a ideia de que o verdadeiro período do PREC começou nessa data. “Em 74, as pessoas estavam muito unidas, era o tempo da festa ainda, era o tempo da utopia. Portanto, só em 1975 é que começaram a surgir estas feridas, que ainda duraram muito tempo”.