O retorno dos barões ladrões: a visão distorcida de Trump sobre a história tarifária dos EUA

O economista Michael Hudson argumenta que Donald Trump não tem planos concretos para lidar com as causas da desindustrialização dos Estados Unidos. Suas tarifas são apenas um programa neoliberal disfarçado, destinado a beneficiar a elite financeira que o apoia politicamente. A política tarifária de Trump gerou caos nos mercados, tanto entre aliados quanto entre adversários. […] O post O retorno dos barões ladrões: a visão distorcida de Trump sobre a história tarifária dos EUA apareceu primeiro em O Cafezinho.

Abr 16, 2025 - 13:13
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O retorno dos barões ladrões: a visão distorcida de Trump sobre a história tarifária dos EUA

O economista Michael Hudson argumenta que Donald Trump não tem planos concretos para lidar com as causas da desindustrialização dos Estados Unidos. Suas tarifas são apenas um programa neoliberal disfarçado, destinado a beneficiar a elite financeira que o apoia politicamente.

A política tarifária de Trump gerou caos nos mercados, tanto entre aliados quanto entre adversários. Isso revela que seu objetivo principal não é de fato reorganizar o comércio exterior, mas substituir os impostos sobre a renda dos ricos pelas tarifas como fonte central de arrecadação do governo. A justificativa nacionalista que apresenta para essa mudança fiscal visa disfarçar o real propósito: favorecer os ultra-ricos.

Trump alega, ou acredita, que tarifas podem, sozinhas, reviver a indústria americana. No entanto, ele ignora os verdadeiros fundamentos do programa industrial que impulsionou os Estados Unidos após a Guerra Civil. O sucesso daquele período se baseava em investimento público em infraestrutura, crescimento do investimento privado e aumento dos salários, protegidos por tarifas e por uma regulação estatal robusta. A atual política de Trump segue a direção oposta: reduzir o papel do Estado, enfraquecer regulações e vender bens públicos para bancar cortes de impostos sobre os mais ricos.

Trata-se de neoliberalismo puro, reembalado como plano industrial. O impacto será demissões em massa, fechamento de empresas e aumento dos preços ao consumidor.

O boom industrial americano entre o final do século XIX e o início do século XX contradiz o dogma do livre mercado. A economia americana se desenvolveu graças a uma aliança entre o setor público e privado, com investimentos em infraestrutura operando como um “quarto fator de produção” — um serviço básico e acessível que reduzia os custos de vida e produção.

Inspirado no “Sistema Americano” de Henry Clay, esse modelo integrava tarifas protetoras, obras públicas e um sistema bancário nacional voltado ao financiamento do desenvolvimento. O objetivo era elevar a produtividade do trabalho por meio da elevação do padrão de vida, algo viabilizado com serviços públicos gratuitos ou subsidiados, como educação, saúde e transporte.

Os Estados Unidos não seguiram o exemplo europeu de deixar os monopólios nas mãos privadas sem controle. Mesmo ao permitir sua operação pelo setor privado, impuseram regulações para evitar a extração de rendas abusivas. A política fiscal era central: taxar rendas improdutivas — como juros, aluguéis e lucros monopolistas — e aliviar a carga sobre lucros industriais e salários.

Esse modelo desapareceu. Desde os anos 1980, com o avanço do neoliberalismo, os salários foram corroídos pelos custos crescentes com habitação, saúde, educação e dívidas. A renda disponível estagnou, e a capacidade de poupança das famílias foi destruída. O setor financeiro substituiu o foco em lucros industriais por especulação em ações, imóveis e dívidas.

O resultado foi um capitalismo financeirizado, onde os lucros vêm da extração de rendas e não da produção. O Estado, capturado pela elite financeira, passou a privatizar ativos e eliminar regulações. Tarifas, nesse contexto, servem apenas como mais uma forma de transferir o fardo fiscal para os trabalhadores.

Trump, ao invocar a era de McKinley e a ausência de imposto de renda, busca restaurar a desigualdade da era dos “barões ladrões”. Ignora as críticas da época, como as leis antitruste e o imposto progressivo criado justamente para conter os excessos. Seu plano é trocar impostos sobre os ricos por tarifas que oneram os trabalhadores — um novo e empobrecido “Gilded Age”.

A retomada industrial americana, tal como ocorreu no século XIX, exigiria investimentos públicos, salários altos e estrutura regulatória forte. A política de Trump vai na direção contrária: cortar impostos dos ricos, privatizar, desregulamentar. Isso agravará a desindustrialização e aumentará a dependência da economia dos EUA em relação ao setor financeiro.

Em contraste, a China promove um modelo de industrialização semelhante ao antigo modelo americano: investimento público maciço em infraestrutura e serviços básicos, sistema bancário estatal e elevação dos salários junto com a produtividade. Isso impediu a financeirização da economia chinesa.

Trump, ao imaginar que tarifas sozinhas bastam para reindustrializar os EUA, ignora que elas foram apenas uma parte de um sistema mais amplo que incluía investimento público e distribuição de renda. Sua visão histórica é distorcida, centrada na elite rentista, e seu plano econômico visa isentá-la de impostos às custas do bem-estar coletivo.

O impacto geopolítico também é preocupante. A política tarifária unilateral de Trump rompe com o sistema multilateral de comércio e afasta países do eixo econômico dos EUA. Muitos já buscam alternativas — inclusive mecanismos de desdolarização — para escapar das chantagens comerciais americanas.

A promessa de Trump de uma nova “Era Dourada” pode ter o mesmo destino do rei Creso, da Lídia: destruir não um império rival, mas o próprio. Ao aplicar tarifas extremas e exigir concessões bilaterais, Trump isola os EUA e ameaça paralisar cadeias de produção vitais. Isso não trará de volta a glória industrial, mas aprofundará a estagnação para a maioria da população americana.

Trump não oferece um plano industrial. Oferece um plano de poder: blindar a elite financeira dos impostos, vender o patrimônio público e transferir o fardo ao povo. Esse não é o caminho para a reindustrialização, mas sim para a depressão.


Publicado originalmente por Democracy Collective
Fonte: Geopolitical Economy

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