“Não considero que estejamos mais vulneráveis que outros países europeus”
Maria da Graça Carvalho estava à porta de um elevador no Campus XXI, para onde se tinha deslocado, quando se deu o ‘apagão energético’, exatamente às 11h33 da manhã de segunda-feira. No podcast ‘O Mistério das Finanças’, do ECO e da CNN Portugal, uma edição especial, a ministra do Ambiente e Energia revela que o […]


Maria da Graça Carvalho estava à porta de um elevador no Campus XXI, para onde se tinha deslocado, quando se deu o ‘apagão energético’, exatamente às 11h33 da manhã de segunda-feira. No podcast ‘O Mistério das Finanças’, do ECO e da CNN Portugal, uma edição especial, a ministra do Ambiente e Energia revela que o Governo tinha em preparação um plano de contingência para o caso de o ‘apagão’ se prolongar pela noite dentro, envolvendo as Forças Armadas, para o transporte de bens mas também para a segurança. Maria da Graça Carvalho rejeita a ideia de que o ‘apagão’ põe em causa a aposta nas energias renováveis e garante que os portugueses podem confiar no sistema elétrico.
Onde é que estava na segunda-feira, às 11h33?
Às 11 horas e 33 minutos estava no Campus XXI, eu não estou normalmente no Campus, estou na Rua do Século, onde é o Ministério do Ambiente, mas tinha ido ao Campus ter com o Sr. ministro Castro Almeida, que antes tinha ido para a televisão e já estava a chegar, a falar com os assessores do senhor ministro, e estava a puxar o botão do elevador e por muita sorte não entrei… no entretanto, houve o apagão.
O Campus tem gerador.
Entrou em função… mas ali, naquele momento, se tenho uns minutos ou segundos antes entrado no elevador, teria lá ficado por algum tempo até que o gerador começasse. Depois tive que sair pelas escadas, estávamos no sétimo andar, onde é a Coesão, e comecei a receber imediatamente a chamada… Recebi logo uma chamada da REN, a Rede Elétrica Nacional, e disseram-me desde logo que poderia ser [um apagão] de todo o país e de toda a Espanha e, portanto…
Houve a noção imediata da gravidade do que estava em causa?
Imediata. Poderia ser algo de grave, ainda não sabia exatamente a gravidade…
E o que é que fez nesse momento?
Os meus contactos iniciais foram essencialmente com a REN, porque a REN era a primeira entidade para restabelecer o sistema, a transmissão, a alta tensão. Pouco tempo depois, fui imediatamente para o Ministério e quando cheguei ao Ministério já estava convocado o Conselho de Ministros de Emergência e uma unidade de crise para reagir a todo o sistema. Das primeiras coisas que fizemos, estivemos reunidos no Conselho de Ministros até cerca das 23 horas, eu tive 24 horas a trabalhar, durante a noite estive ainda em contacto com a REN, depois passou a ser mais a E-REDES, porque, às 23 horas, um pouco depois das 23 horas, tínhamos a parte da rede elétrica da REN toda estabelecida e para todo o país e, depois, tínhamos que chegar às casas das pessoas e aí através da E-REDES (antiga EDP Distribuição). O que aconteceu é que às seis da manhã [do dia seguinte] só faltava 0,1% dos clientes da E-Redes ter eletricidade em casa, cerca de mil pessoas. Portanto, foi até às seis da manhã… Mesmo assim, tivemos uma reunião às seis da manhã, eu e o Sr. ministro António Leitão Amaro, depois o ministro reúne com Sr. ministro da Educação [Fernando Alexandre], há a decisão que há mesmo escolas [no dia seguinte]…
…foi sem parar?
Foi sem parar até às 11h30, e aí estávamos já mais tranquilos, mas tivemos um novo Conselho de Ministros para fazer o ponto da situação.
Mas do ponto de vista técnico, o que é que foi decidido?
A única solução que tínhamos era o sistema dito de ‘blackstart’. As nossas interligações são com a Espanha, tivemos que a cortar, foi a primeira decisão, cortar a ligação com a Espanha. Espanha não nos podia ajudar e, portanto, fomos para o ‘blackstart’. Temos duas centrais, houve logo a primeira, a segunda tentativa, demoraram um pouco a começar a arrancar, isso acontece. Espanha não conseguiu arrancar nenhuma das ‘blackstart’, arrancou com a ligação à França, teve a ajuda de França e de Marrocos. Nós não temos essa possibilidade, portanto, tivemos e fizemo-lo sozinhos.
O país descobriu o que são as centrais ‘blackstart’…
…é começar autonomamente.
Era impossível antecipar os riscos de uma situação destas? Um relatório recente da Direção-Geral de Energia antecipava riscos de um apagão.
Bom, conseguimos recuperar [o sistema] em pouco mais de dez horas, entre dez a 11 horas.
Mas foram dez horas…
Foram dez horas, mas conseguimos a tempo de evitar problemas maiores, porque se temos entrado na meia noite, uma da manhã sem eletricidade, tínhamos problemas maiores, para já a água Muitas das empresas da água têm uma autonomia de cerca de 12 horas, Lisboa tem um pouco mais, outras têm um pouco menos. Estávamos no limite da autonomia da água, estávamos a fornecer algumas [instituições] críticas com fuel para combustível para reabastecer os geradores, mas poderíamos começar a ter, em paralelo ao problema da falta de eletricidade, falta de água, o que é também uma coisa muito complicada, muito difícil de gerir. Depois, problemas de segurança, no meio da noite, sem eletricidade, as cidades muito mais vulneráveis. Portanto, o que é que aconteceu? Em paralelo com a eletricidade, isso foi a nossa primeira preocupação, o menos tempo possível até termos a eletricidade outra vez, mas, em paralelo, decretámos logo em Conselho de Ministros “Crise Energética”, que nos permitiu gerir os combustíveis, deu uma série de competências, neste caso a mim própria, com o pelouro da energia, para decidir sobre os combustíveis, para estar em contacto com os distribuidores e comercializadores de combustíveis e decidir quais eram as entidades… Decidimos que íamos restringir a venda [de combustíveis] ao público, isso foi durante a tarde, e dar grande prioridade aos hospitais, às prisões, aos lares, portanto, tudo o que era crítico.
E havia planos de contingência, para a segurança, por exemplo?
Havia. Para a segurança…
…mais polícia na rua?
Mais polícia, as Forças Armadas, a GNR.
Admitia o recurso às Forças Armadas em caso de não haver eletricidade durante a noite?
As Forças Armadas já nos estavam a ajudar no transporte do combustível.
Ainda não na segurança?
Mas estavam disponíveis… Na distribuição de combustível, tínhamos Na distribuição de combustível, tínhamos combustível, temos felizmente reserva de combustível, e tivemos que utilizar parte dessa reserva, mas começámos a ter um problema do trânsito… estavam parados no trânsito, portanto, tínhamos de ter batedores. E aí foi a GNR, as Forças Armadas, a própria Polícia Judiciária ajudou, recorremos a vários meios para fazer chegar combustível, principalmente aos hospitais.
Insisto, havia algum tipo de aviso de que isto poderia um dia acontecer?
Um apagão num sistema elétrico, uma rede elétrica como nós a conhecemos, ninguém pode dizer que não vai acontecer. Os Estados Unidos têm imensos apagões, frequentes.
O país deve preparar-se para a eventualidade deste apagão repetir-se?
Para já, deve prevenir que haja apagões. Temos de ter uma maior resiliência da nossa rede. Claro que há sempre aqui um compromisso entre aquilo que estamos dispostos a pagar, porque são investimentos, e termos a segurança que não há apagões. Vamos investir, e já estávamos a fazê-lo, e quais são esses investimentos? Para já, ter mais centrais de ‘blackstart’, porque se houver um apagão, a resposta é mais rápida. Ter maior capacidade de armazenamento ajuda muito, portanto, armazenamento de baterias, e ainda agora fizemos no PRR um concurso com cem milhões de euros para baterias, bombagem nas hídricas, temos muitas hídricas. Ter mais interligações, portanto, o reforço com as interligações, infelizmente a única viável economicamente é da Península Ibérica com França, porque ligarmo-nos a Marrocos…
…mas a mais viável é a França?
É a França, é reforçar a ligação da Península Ibérica com a França, mas tem sido difícil, não há muito interesse da parte da França, mas isso teria ajudado bastante. Portanto, mais interligações, mais armazenamento, uma modernização da rede, portanto, uma digitalização, armazenar dados, utilizar inteligência artificial. Podemos avançar muito na modernização e digitalização da rede. Portanto, falta-nos fazer isso.
As pessoas devem estar preparadas, devem ter os kits de emergência, tudo aquilo que de repente, esta semana, se transformou numa novidade para os nossos hábitos de vida?
Acho que isso, tanto para estes casos de um apagão como para outras emergências, é muito importante ter esses kits. Eu estudei no Reino Unido, em Londres, e lá era obrigatório, a proteção civil ia a cada uma das casas para ver se tínhamos o kit, a lanterna, o rádio de pilhas com as baterias. Foram hábitos que ficaram principalmente nos países que viveram a guerra, portanto, devíamos ter isso. E temos que aumentar os geradores de algumas instituições críticas. Os hospitais têm de ter maior capacidade de armazenamento.
As várias decisões tomadas em Conselho de Ministros, nomeadamente investir em mais unidades que possam arrancar sem estarem ligadas à rede, é a constatação de que estávamos muito vulneráveis. Como é que se compreende que seja necessário um apagão com esta gravidade para tomar essas decisões?
Vamos lá ver, eu não considero que estejamos mais vulneráveis que outros países europeus. Era uma indicação técnica, até da REN, que seria adequado duas centrais no regime ‘blackstart’, era o adequado para Portugal. Agora vamos duplicar. Portanto, em vez de descontinuar as duas centrais que estão agora e que deveriam ser substituídas por duas novas, vamos mantê-las e lançámos duas novas…
Isso vai agravar a fatura dos consumidores, certo?
Sim, [mas] não é muito. Temos aqui o valor, não é muito, portanto, no Baixo Sabor são 578 mil euros por ano a distribuir por todos os consumidores, e o o Alqueva é 1.1 milhões de euros. Mas isto é como os seguros. Estamos no fundo a fazer um seguro, para termos mais estabilidade no sistema elétrico. Claro que tem que haver um compromisso, não é? Não podemos ter um número muito exagerado, senão alguém vai pagar, ou os contribuintes ou os consumidores.
Nos últimos dias, ouviram-se comentários para todos os gostos sobre o ‘apagão’. Sobre a dependência energética, até sobre a nacionalização da REN para evitar novos casos. Comecemos pelas interligações a Espanha. Deveríamos ter soberania na produção energética?
Nós temos, ontem e hoje [terça-feira e quarta-feira], estamos só com a energia elétrica produzida em Portugal. Nós já nos ligámos, ao dia três da crise, mas sem receber, sem ver trocas nenhumas com Espanha. Portanto, o dia de ontem já foi todo com a eletricidade produzida em Portugal, parte de energia renovável. Mas nós estamos no mercado ibérico e, portanto, no mercado…
Mas é melhor estar no mercado ibérico do que estar isolado?
É melhor, é melhor porque estarmos ligados tem muitas vantagens. Na segurança de abastecimento… Esta foi uma crise de contágio de um apagão, e aí é pior.
Este ‘apagão’ veio de Espanha, mas mesmo assim, compensa?
Quando houve problemas de abastecimento de eletricidade e abastecimento do gás, o problema da crise energética, estar ligado é muito melhor porque podemos ir buscar a energia onde ela há. E pena nossa não estarmos ligadas ao resto da Europa, tanto para o resto da Europa como para nós. Portanto, quanto maior for o mercado, melhor, e quanto mais forte for essa ligação, melhor. Nós somos independentes, estamos integrados no mercado, devíamos estar completamente integrados no mercado europeu, estamos pouco integrados por causa da fraca ligação com a França, mas estamos completamente integrados no mercado ibérico.
O ‘apagão’ põe em causa de alguma maneira a aposta nas renováveis?
Não, porque o que aconteceu é independente das tecnologias da produção. Isto não foi um problema da produção.
Se tivéssemos centrais a carvão, teria sido igual?
A Espanha tem centrais a carvão e tem centrais nucleares e o problema foi a Espanha. Agora, o que temos que ter muito cuidado é na percentagem que temos de renováveis e a percentagem que temos de armazenamento, a flexibilidade da rede, e continuarmos a ter, principalmente, centrais de gás natural de ciclo combinado que servem de backup, e que continuam a ser necessárias. E vimos, a Tapada do Outeiro foi também aqui essencial. Temos seis centrais e a nossa ideia é continuar.
O ‘apagão’ reabre a discussão sobre a energia nuclear?
Não reabre para Portugal. Eu sou tecnologicamente neutra, reconheço as vantagens e as desvantagens de cada uma das tecnologias, sou, na profissão, professora desta área e, portanto, o que eu ensino durante muitos anos são as vantagens e as desvantagens. Para Portugal, não está em cima da mesa a discussão da energia nuclear nos termos em que nós a conhecemos agora, é uma tecnologia cara, de investimento, um investimento muito caro, que precisa de todo um ecossistema à volta, de segurança, de formação das pessoas, que não está nos nossos planos.
E a nossa dimensão…
…Poderia ser energia nuclear Ibérica e num local em que não tivesse riscos sísmicos nem riscos de segurança. Problemas de segurança, felizmente, não temos, mas sísmicos em Portugal temos, Espanha tem zonas mais estáveis, mas depende das condições. Eu sou perfeitamente a favor que a França continue, e faz muito bem em continuar, já a tem, já investiu. Agora, num país que tem as condições e o potencial de renováveis como tem Portugal, deve apostar nestas renováveis, fazendo sempre um balanço com algum ciclo combinado a gás e com armazenamento e com uma estabilidade da rede.
A intervenção do Estado neste ‘apagão’ fez-se a vários níveis. Em face disto, o país tem condições para confiar no seu sistema elétrico?
Tem. Correu bem, dentro da gravidade, porque foi um evento grave. Aliás, a Comissão Europeia deverá classificar [o apagão] na escala mais alta, de um a três, e vai fazer uma auditoria, Foi um evento grave e com um evento grave, estivemos à altura da resposta a esta crise. Na minha responsabilidade tenho a energia elétrica, o gás, os combustíveis, a água e o saneamento básico. Não tivemos nenhum evento, claro que morámos dez horas para a eletricidade, mas nos outros conseguimos, todos os outros, não ter nenhum evento de maior, nenhum problema de maior, graças aos serviços e à competência dos serviços que temos. Nomeadamente a própria REN, mas também os serviços das águas, o saneamento básico, as águas, tiveram todos à altura e de uma medicação, como eu, ou muito mais do que eu, tiveram as 24 horas a trabalhar até o sistema recuperar e depois para ter a certeza que tudo estava estável.