Governo dos EUA vai reavaliar restrições a Portugal na compra de ‘chips’

O Governo dos EUA vai reavaliar a decisão de deixar Portugal fora da lista de 18 “aliados” que escapam às últimas restrições à compra de chips para inteligência artificial (IA), onde se incluem as placas gráficas de última geração da Nvidia. O ECO sabe que a exclusão não está fechada, podendo ser revertida após a […]

Abr 22, 2025 - 08:07
 0
Governo dos EUA vai reavaliar restrições a Portugal na compra de ‘chips’

O Governo dos EUA vai reavaliar a decisão de deixar Portugal fora da lista de 18 “aliados” que escapam às últimas restrições à compra de chips para inteligência artificial (IA), onde se incluem as placas gráficas de última geração da Nvidia. O ECO sabe que a exclusão não está fechada, podendo ser revertida após a conclusão da consulta pública no dia 15 de maio.

As novas regras sobre a difusão da IA foram uma das últimas medidas do anterior Presidente dos EUA. A 13 de janeiro, Joe Biden decidiu alargar a quase todo o mundo os limites à compra de processadores de alta capacidade e de certos modelos de IA, criando um sistema de três níveis que aprofundou ainda mais a proibição de acesso a estas tecnologias críticas por países como a China.

No entanto, Portugal também passou a estar sujeito a restrições, ainda que a um nível intermédio, equiparado a Israel. Enquanto isso, um conjunto de 18 países considerados “aliados e parceiros” dos EUA ficaram isentos destas novas limitações, incluindo Espanha, França e Itália, numa decisão que apanhou o Governo português de surpresa.

Portugal isolado nas restrições dos EUA:

Ao ficar isolado no mapa e sujeito a restrições, ao contrário dos seus vizinhos, a opção dos EUA desencadeou múltiplos esforços de várias entidades, públicas e privadas, incluindo diplomáticos, no sentido de tentar alterar esta medida, oficialmente designada de Enquadramento para a Difusão da Inteligência Artificial.

Além disso, o facto de Portugal não ser considerado um aliado também suscitou uma onda de especulação sobre o que motivou esta escolha do Governo dos EUA. Nos últimos meses circularam várias teorias, mas a razão fundamental por detrás desta opção é também a mais simples e evidente: uma proximidade de Portugal à China que ainda é suficientemente forte para provocar desconforto em Washington.

Governo português tenta convencer EUA

Desde janeiro que esta medida da Administração Biden está em consulta pública antes de entrar em vigor, uma opção deliberada para permitir alterações pela nova Administração Trump. Durante esse período, todos os interessados são incentivados a enviarem comentários até ao dia 15 de maio, e fonte familiarizada com a situação disse ao ECO que o próprio Governo português já terá apresentado os seus contra-argumentos às autoridades norte-americanas.

O ECO também sabe que a decisão de manter Portugal fora da lista de aliados não é definitiva e vai ser reavaliada. Mas todos os cenários permanecem em aberto, incluindo a opção de manter o país sujeito às restrições, até porque Portugal tem fatores que jogam contra e a seu favor.

Um dos aspetos que poderão levar os EUA a reconsiderarem as restrições a Portugal é o interesse de várias empresas americanas em investirem em novos data centers no país. Os chips de IA cujas exportações dos EUA ficam limitadas são componentes essenciais para erguer os mais avançados centros de dados nesta nova era tecnológica.

No final de março, o ECO noticiou os nomes de duas empresas sedeadas no Texas — a Digital Realty e a Prime Data Centers — que estão a seguir atentamente o mercado português de data centers. A americana Equinix também já está a planear um terceiro data center em Lisboa, numa altura em que se encontra a terminar a construção do segundo. Haverá muitas mais.

Outro exemplo é o da Start Campus, o consórcio que está a construir um data center gigante em Sines, com 1,2 GW (gigawatts) de capacidade, e que inclui um fundo norte-americano, a Davidson Kempner. Ao contrário do que se acreditava, apesar de o projeto envolver uma empresa americana, foi possível apurar que a restrição também pode penalizar este empreendimento de 8,5 mil milhões de euros.

Portugal tem ainda mais um ponto a seu favor: a deliberação das autoridades portuguesas em 2023 que, na prática, baniu a tecnológica chinesa Huawei de fornecer equipamentos e serviços para as redes 5G. O facto de o país ter optado por ir mais longe do que a maioria dos Estados-membros na aplicação das recomendações da Comissão Europeia ajudou Portugal a ganhar pontos na relação bilateral com os EUA.

Portugal arrisca ficar impossibilitado de adquirir mais de 50 mil chips para IA por um período de dois anos

Mas o grande ‘irritante’ continua a ser a proximidade entre Portugal e a China, ilustrada num discurso do Presidente da República no final de 2018, quando o país recebeu a visita oficial do presidente chinês Xi Jinping: “Sinta-se em sua casa, presidente Xi Jinping, tal como nós nos sentimos em nossa casa na China há 500 anos”, afirmou então Marcelo Rebelo de Sousa, destacando a cooperação económico-financeira “forte” entre as duas nações.

Outro aspeto é a situação de Macau. As restrições dos EUA à venda de chips para IA coloca a ex-colónia portuguesa ao nível das restrições aplicadas à China, o que na prática significa uma proibição.

Em 2023, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês disse à Lusa que a China mantém com Portugal laços amigáveis de longo prazo e “mutuamente benéficos”, “alinhados com os interesses de ambos os lados”. Isto depois de o então ministro João Gomes Cravinho ter dito que Lisboa teria de “rever o significado do relacionamento político e económico” com a China se Pequim prestasse apoio militar à invasão russa da Ucrânia.

Nesse mesmo ano, Vasco Rocha Vieira, o último governador de Macau, afirmou também, citado pela Lusa, que a China era “uma superpotência em afirmação” e que a história de Macau deu “um conhecimento privilegiado” da China a Portugal, o que pode permitir ao país “influenciar destinos, dar opiniões e aconselhar” Bruxelas na relação com Pequim.

Além de todos estes fatores, é ainda mais notório o facto de o Estado chinês manter importantes investimentos em Portugal em setores estratégicos, com importantes posições acionistas em empresas como, por exemplo, EDP, REN, BCP, Fidelidade e Mota-Engil.

Há ainda um fator mais técnico do que político. No ano passado, o Governo de Luís Montenegro iniciou a transposição da nova diretiva europeia da cibersegurança (NIS2), que é vista como um passo positivo para aumentar a resiliência do país. Só que a queda do Governo e a dissolução da Assembleia da República deixaram esse processo em suspenso.

O tema também tem merecido atenção na União Europeia. Logo em janeiro, a Comissão Europeia informou ter “partilhado” com a Administração Biden que “é do interesse económico” dos EUA que a União Europeia possa comprar chips “sem limitações” e que o bloco europeu representa “uma oportunidade” para os norte-americanos, “não um risco de segurança”. Este assunto também foi discutido no Parlamento Europeu em fevereiro.

Restrições causam dano reputacional ao país

Se os argumentos de Portugal forem incapazes de convencer os EUA, as restrições não terão um impacto material imediato para a economia portuguesa, conforme noticiou o ECO em fevereiro. Tal prende-se com o facto de não existirem, atualmente, entidades no país que importem quantidades de chips que se aproximem sequer da limitação imposta, de 50 mil unidades por um período de dois anos.

Para colocar os números em perspetiva, o Deucalion, o supercomputador português, tem aproximadamente 130 placas gráficas (também designadas por GPU). “No dia em que [alguém em] Portugal comprasse 1.000 placas gráficas H100 [da Nvidia], era notícia em toda a comunicação social. Os responsáveis seriam entrevistados”, explicou ao ECO, em fevereiro, Rui Oliveira, diretor do Centro de Computação Avançada do Minho (MACC).

Todavia, o mesmo especialista defendeu que a opção norte-americana acarreta um grande dano reputacional para Portugal, ao deixar o país isolado no mapa. “A perceção criada quando se publica um mapa europeu onde está tudo pintado da mesma cor, menos Portugal e países já mais remotos, em que todos os seus vizinhos não têm restrições, levanta aqui a questão de ‘o que é que se passa, porquê Portugal?”, apontou.

“Do ponto de vista da perceção na fotografia, é pena, é preocupante, ou pelo menos sempre estranho. E faria sentido percebermos nessa perspetiva a parte mais política. Isso acaba por ter reflexos comerciais, não necessariamente nos GPU, mas na imagem que isso passa”, acrescentou ainda o investigador.

A perceção criada quando se publica um mapa europeu onde está tudo pintado da mesma cor, menos Portugal e países já mais remotos, em que todos os seus vizinhos não têm restrições, levanta aqui a questão de ‘o que é que se passa, porquê Portugal?”

Rui Oliveira

Diretor do Centro de Computação Avançada do Minho (MACC)

Além desse impacto na imagem nacional, a restrição sobre as vendas de chips para Portugal poderá ganhar mais expressão no futuro, ameaçando dificultar uma eventual candidatura portuguesa à captação de uma das cinco Gigafábricas de IA que a Comissão Europeia vai financiar nos próximos anos, ao abrigo do Plano de Ação Continente IA, apresentado neste mês de abril. Estas estruturas serão enormes data centers focados em IA, que poderão ter até 100 mil chips de última geração.

Na altura em que foi anunciada a decisão pelos EUA, e já depois, o ECO foi tentando obter esclarecimentos junto do Ministério da Economia e do Ministério da Modernização e Juventude (que tutela a IA em Portugal), mas não foi possível obter comentários.

Em março, o ECO também abordou a embaixada norte-americana em Lisboa para obter esclarecimentos sobre a não-inclusão de Portugal na lista de aliados isentos de restrições. Fonte oficial respondeu apenas: “Não temos nada para partilhar sobre isto, mas encorajamos as entidades públicas e privadas interessadas a submeterem os seus comentários durante o prazo de 120 dias da consulta pública.” A embaixada remeteu ainda esclarecimentos futuros para o Departamento do Comércio dos EUA, sem dar mais detalhes.

De resto, a indústria dos semicondutores está agora no olho do furacão da guerra comercial, e está já na mira do presidente Donald Trump para imposição de novas tarifas. Ademais, na semana passada, a Nvidia revelou que foi proibida pelo Governo dos EUA de vender para a China, sem licença, um tipo de chips para IA que ainda não estavam sujeitos a restrições nas exportações. A empresa estimou um impacto imediato de 5,5 mil milhões de dólares.