Francisco, o reformador de uma Igreja em transição
Francisco passa à minha frente, julho de 2013, Avenida Atlântica, Leme, em um carro aberto, Zona Sul do Rio. Eu grito e peço para ele abençoar um terço da minha madrinha, que morrera cinco meses antes da sua visita, aos 92 anos, e fora devota de Maria por quase 60 anos. Ele ri e faz […] The post Francisco, o reformador de uma Igreja em transição appeared first on Brazil Journal.

Francisco passa à minha frente, julho de 2013, Avenida Atlântica, Leme, em um carro aberto, Zona Sul do Rio. Eu grito e peço para ele abençoar um terço da minha madrinha, que morrera cinco meses antes da sua visita, aos 92 anos, e fora devota de Maria por quase 60 anos. Ele ri e faz o gesto da caridade.
Esse Francisco sorridente nomeou 80% dos atuais cardeais que votarão no conclave a partir do próximo dia 7. O documentário de Wim Wenders, Papa Francisco: Um Homem de Palavra, passeia pela mente prodigiosa de Jorge Mario Bergoglio, nascido em 1936.
Francisco era jesuíta, o que significa que teve uma das mais longas preparações acadêmicas – no mínimo 12 anos – para se tornar padre, noves fora a formação em Filosofia e Teologia.
Isso foi combinado com a socialização em um contexto não europeu, Buenos Aires, porém muito mais próximo das tradições do Velho Mundo do que nos diversos outros países latino-americanos.
O documentário de Wim Wenders retrata o efeito desses dois fatores em Francisco e naquilo que ele fez durante seu papado. Alguns elementos se destacam: a grande sapiência de suas respostas às perguntas do público e do documentarista, sua busca incessante por reconhecer um só ser humano e um só Deus, ainda que se manifestem de forma plural na realidade, e a noção defendida por ele de que se pode levar uma vida plena, feliz e boa na simplicidade.
A Igreja de Francisco foi por 12 anos mais aberta a outras experiências religiosas, reconheceu que seu principal público são os mais pobres e humildes – quem mais precisa do apoio de quem tem recursos e poder – e defendeu os confortos do mundo moderno, mas sem exageros.
Note-se que a busca pela simplicidade – amar é simples – resulta em menos consumo e, portanto, num mundo mais sustentável. Esse elemento da visão de Francisco é profundamente racional; afinal, por que ter mais se é possível viver bem com menos?
O grande desafio é saber se a Igreja manterá esse rumo.
O documentário de Wenders, lançado em 2018 e agora disponível na Netflix, é uma pintura. Há depoimentos de arquivo antes dele ser ungido ao Papado – o que torna obrigatório conhecer a maestria de um modesto líder religioso de um país da América Latina.
Em Um Homem de Palavra, Wenders não oferece um documentário comum. Ele nos convida a escutar, com o coração aberto, a mensagem radicalmente simples e profunda do Papa Francisco: o mundo precisa de uma revolução de ternura.
Em vez de construir uma narrativa biográfica tradicional, Wenders adota uma abordagem quase confessional: o Papa fala diretamente à câmera, olho no olho com o espectador. Essa escolha estética e ética rompe a distância que geralmente existe entre líderes religiosos e o público. Francisco não surge como uma autoridade distante, mas como um companheiro de jornada – alguém que partilha esperanças, angústias e convicções.
Francisco propõe que a transformação do mundo começa pela capacidade de sentir e agir com ternura. Cuidar dos pobres, acolher os migrantes, preservar o planeta, dialogar com outras religiões – todos esses temas são articulados numa linguagem acessível que ultrapassa barreiras ideológicas e religiosas.
Num tempo de individualismo exacerbado e polarização, o Papa resgata valores esquecidos: a compaixão ativa, a solidariedade concreta e a esperança corajosa.
Fiel ao seu estilo, Wenders evita a pressa e o tom de espetáculo. O filme se desenrola com suavidade, entrelaçando imagens das viagens papais com cenas simbólicas e entrevistas sensíveis. Há uma reverência evidente, mas não cega: o foco é menos na instituição da Igreja e mais na coerência entre o discurso e o exemplo de Francisco.
É verdade que o filme pouco explora tensões internas do Vaticano ou críticas ao pontificado, o que poderia enriquecer a complexidade do retrato. No entanto, essa escolha é deliberada: Wenders está mais interessado em capturar uma proposta espiritual para o século XXI do que fazer jornalismo investigativo.
O conceito que atravessa o filme – a chamada “revolução da ternura” – é mais do que um slogan.
Trata-se de uma convocação pessoal e coletiva para mudar o olhar, o gesto, a vida. Para Francisco, ternura não é fraqueza, é a expressão madura de quem tem coragem de amar num mundo que frequentemente ensina a endurecer.
Wenders nos oferece um raro espaço de silêncio e profundidade em meio ao ruído do nosso tempo. No centro desse silêncio, ecoa o chamado simples e revolucionário: sermos homens e mulheres de ternura.
Coriolano Gatto é jornalista e foi secretário nacional da Pastoral Universitária (CNBB) e integrante do Conselho Pastoral do Cardeal Dom Eugenio Sales na Arquidiocese do Rio de Janeiro.
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