Poder bélico, software e o futuro do Ocidente: o livro-manifesto do CEO da Palantir

Por alguns anos depois da Segunda Guerra Mundial, todos os mísseis balísticos da Marinha dos EUA foram produzidos em Santa Clara, na Califórnia, uma região onde hoje fica a sede de empresas tecnológicas como a Nvidia. Foi do Vale do Silício também que saíram tecnologias com os satélites espiões usados pela agência de inteligência americana […] The post Poder bélico, software e o futuro do Ocidente: o livro-manifesto do CEO da Palantir appeared first on Brazil Journal.

Mai 4, 2025 - 05:52
 0
Poder bélico, software e o futuro do Ocidente: o livro-manifesto do CEO da Palantir

Por alguns anos depois da Segunda Guerra Mundial, todos os mísseis balísticos da Marinha dos EUA foram produzidos em Santa Clara, na Califórnia, uma região onde hoje fica a sede de empresas tecnológicas como a Nvidia.

Foi do Vale do Silício também que saíram tecnologias com os satélites espiões usados pela agência de inteligência americana e inúmeras outras inovações militares que eventualmente se transformaram em bens de consumo e beneficiaram bilhões de pessoas ao redor do mundo, como medicamentos, semicondutores e os primeiros sistemas de inteligência artificial.

Mas a “encarnação moderna do Vale do Silício se desviou significativamente dessa tradição de colaboração com o governo,” diz Alexander Karp, o cofundador e CEO da empresa de software e análise de dados Palantir.  

Alex Karp ok

Karp elabora esta tese no recém-lançado A república tecnológica: tecnologia, política e o futuro do Ocidente (Intrínseca; 304 páginas), um livro-manifesto escrito a quatro mãos com Nicholas Zamiska, o chefe de assuntos corporativos e consultor jurídico da empresa. (Para comprar, clique aqui.)

O mercado é um poderoso motor de inovação, mas nem sempre capaz de fornecer o que é mais necessário em determinados momentos, afirmam Karp e Zamiska. A era digital estaria sendo dominada, segundo eles, pelas redes sociais, publicidade e comércio online – resultando em um declínio na inovação nos EUA.

“Chegou um momento de ajuste de contas para o Ocidente,” escrevem os autores. “O Estado se retirou da busca pelo tipo de avanço em larga escala que levou à criação da bomba atômica e da internet.”

Três décadas atrás, a primazia tecnológica, econômica e militar das potências capitalistas ocidentais era inconteste. Em 1989, o cientista político Francis Fukuyama marcou época com o ensaio sobre “o fim da história” – depois expandido para um livro, publicado meses antes da queda do Muro de Berlim. Em 1991, a União Soviética colapsou.

Karp e Zamiska consideram que os EUA se tornaram complacentes, o que coloca em risco o futuro do país e dos valores ocidentais.

Agora a corrida armamentista não é mais travada no poder de destruição dos artefatos nucleares, dizem os autores, e sim na superioridade em inteligência artificial.  

“A capacidade de as sociedades livres e democráticas prevalecerem requer mais do que o mero apelo moral; requer hard power (poderia bélico e coercitivo), e neste século esse poderio será construído com base em software,” afirmam. “A próxima era de conflitos será vencida ou perdida com softwares.”

Chegou ao fim o tempo da dissuasão atômica – e “uma nova era de dissuasão baseada em IA está prestes a começar.”

Para Karp, o grande adversário do Ocidente é a China, que vem conquistando avanços tecnológicos inegáveis e potencialmente colocando em risco a superioridade militar dos americanos.

Os autores citam, por exemplo, que três das seis das mais avançadas empresas de reconhecimento facial do mundo são chinesas – e empregam os recursos para monitorar opositores e minorias étnicas. Outra conquista notável da engenharia chinesa foi o desenvolvimento de enxames de pequenos drones – que podem ser usados para fins pacíficos, mas também militares.

São essas as armas das guerras futuras, e os EUA estão perdendo terreno, dizem os autores, porque foi rompido o elo de inovação entre empresas e governo.

As mentes mais brilhantes da engenharia e da ciência de dados relutam em trabalhar para as Forças Armadas e para outras entidades estratégicas do setor público. Preferem centrar energia na criação de mais uma badalada startup ou da nova rede social do momento. Os cientistas e empreendedores em tecnologia evitam criar controvérsias com os amigos, dizem Karp e Zamiska.

O Vale do Silício foi “tomado pelo ceticismo em relação ao trabalho do governo e à ambição nacional” – e os “imponentes experimentos coletivistas da primeira metade do século XX foram repudiados” em favor de objetivos individualistas.

“A era das redes sociais e dos aplicativos de entrega de comida havia chegado,” escrevem os autores. “Inovações médicas, reforma educacional e avanços militares teriam que esperar.”

Os argumentos ecoam as ideias defendidas por Peter Thiel, o cofundador da Palantir e do PayPal, no livro De zero a um: o que aprendemos com o empreendedorismo do Vale do Silício, de 2014.

Para Karp e Zamiska, “o setor de tecnologia tem uma obrigação afirmativa de apoiar o Estado que possibilitou sua ascensão.” Os engenheiros e cientistas precisam recuperar protagonismo, em contraponto à “legião de advogados que passaram a dominar a política dos EUA.”

Foi com essa ambição que Thiel e Karp, ao lado de outros sócios, criaram a Palantir – cujo objetivo central pode ser resumido como a liderança no desenvolvimento de ‘armas’ da nova indústria bélica dos softwares e modelos de inteligência artificial.

Como dizem Karp e Zamiska, a ideia “radical” de elaborar tecnologias que atendessem as necessidades das agências de defesa e inteligência dos EUA – em vez de criar mais uma startup para contentar os consumidores – partiu de Thiel, “que notou a limitada ambição do Vale do Silício.”

O livro é um manifesto – e como tal não se furta de ser unilateral, chegando a condenar “o establishment de esquerda” que teria traído a própria causa na busca de um “igualitarismo raso” e de uma “neutralidade vazia.”

A cruzada “pelos valores ocidentais” dessa nova tech right – os conservadores da indústria de tecnologia que têm em Thiel sua figura mais influente e mantêm laços estreitos com J.D. Vance, o vice de Donald Trump – causa arrepios em muita gente pelo flerte de algumas de suas ideias com a autocracia e o iliberalismo.

Karp e Zamiska, no entanto, teorizam que o “cultivo de um nacionalismo excessivamente potente e irrefletido” tem riscos, mas “a rejeição de qualquer forma de vida em comum também.”

Os autores concluem convocando uma reconciliação nacional em torno de objetivos compartilhados para reconstruir o que chamam de “república tecnológica” – e isso pressupõe pisar no acelerador do desenvolvimento da nova fronteira aberta por tecnologias como a inteligência artificial, por mais que haja perigos envolvidos.

“É essa combinação de busca por inovação e objetivos da nação que não apenas vai aprimorar nosso bem-estar como também preservar a legitimidade do próprio projeto democrático,” afirmam.

Se você quer a paz, esteja preparado para a guerra, já disse um antigo escritor nos tempos do Império Romano.

The post Poder bélico, software e o futuro do Ocidente: o livro-manifesto do CEO da Palantir appeared first on Brazil Journal.