Eurico Cunha conta como venceu no escuro
Muito cedo na vida, logo depois de perder a visão aos seis anos, o empresário carioca Eurico Cunha, hoje com 81 anos, chegou à conclusão de que era melhor parar de fantasiar, assumir a cegueira – e não se subestimar. Aos 12, quando foi deixado só para dormir pela primeira vez longe da família, no […] The post Eurico Cunha conta como venceu no escuro appeared first on Brazil Journal.

Muito cedo na vida, logo depois de perder a visão aos seis anos, o empresário carioca Eurico Cunha, hoje com 81 anos, chegou à conclusão de que era melhor parar de fantasiar, assumir a cegueira – e não se subestimar.
Aos 12, quando foi deixado só para dormir pela primeira vez longe da família, no enorme saguão do Instituto Benjamin Constant (IBC) – a escola pioneira para cegos no Rio de Janeiro – percebeu que só há duas saídas na vida: vencer ou perder.
Preferiu vencer.
Eurico disputava de igual para igual nas brigas com os dois irmãos e os colegas da escola, e até no futebol de latinha que inventou, trocando a bola pelo barulhento recipiente para se guiar pelo ruído que fazia no cimento do pátio do Instituto.
No ano seguinte, ganhou o primeiro lugar no concurso de velocidade de escrita em Braille do IBC, abrindo a série de conquistas inéditas que mal cabem nas 400 páginas da bela biografia Não precisa acender a luz, escrita por Mauro Ventura depois de três anos de diálogos com o empresário. (Para comprar, clique aqui.)
Eurico foi também o primeiro cego a entrar no prestigiado ginásio do Colégio Lafayette, na Tijuca, e a dar aulas na Escola de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas, onde entrou em quarto lugar e coordenou o mestrado aos 27 anos.
Na mesma época, contavam-se 48 cegos com ensino superior completo entre mais de 4 milhões de habitantes da ainda chamada Guanabara. Muitos sem emprego ou com empregos de qualificação abaixo de suas formações.
Durante os seis anos que passou no IBC, Eurico pôde fazer uma imersão na diversidade social do País, já que o instituto recebe jovens de todo canto e todas as origens sociais e gêneros (algo muito avançado para a época).
Percebendo que era privilegiado por ter uma família estruturada e com recursos, decidiu que deveria levar oportunidades a outros.
Isso o levou a fundar em 1973 uma outra instituição pioneira na inclusão de deficientes no serviço público e no mercado de trabalho: o Copa, Centro Operacional Pedro de Alcântara, em homenagem ao segundo imperador, que fundou o IBC.
“A piedade não é necessária, é nociva. A cegueira não tira de ninguém a inteligência,” sentencia.
As aulas na FGV não davam conta das inquietações de Eurico, que desde os 19 administrava paralelamente um curso particular de inglês. O idioma ele aprendera ouvindo músicos de jazz com o pai, traduzindo as letras e as emissões da BBC e da Voz da América – além de usar o Linguafone, uma geringonça moderníssima para os anos 50, que reproduzia em inglês palavras e frases.
O domínio da língua estrangeira lhe permitiu fazer amizade com o americano Art Allan Stone, presidente do ramo brasileiro da Iesa Internacional de Engenharia, vencedora de licitações de grandes obras públicas durante o ‘Milagre Econômico’, e para quem Eurico começou a trabalhar.
Seu estilo colaborativo, que quase obrigatoriamente o fazia escutar muitos lados dos envolvidos nos problemas, ganhou adeptos Brasil afora e chegou ao BNDE, que ainda não tinha ganho o S final.
Lá conheceu sua segunda esposa, hoje companheira há quase cinco décadas: Marluce Dias da Silva, mais conhecida por ter substituído José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, na direção da TV Globo, entre 1998 e 2002.
Era o ano de 1976. Marluce tinha 25 anos e comandava um projeto para reestruturação do banco. Rodou o Brasil inteiro em busca de um candidato e não encontrou. A última opção foi Eurico Cunha, que a encantou pelas ideias mais participativas. Teria que ouvir os diretores envolvidos para propor uma solução. Sem receitas prontas.
Era isso o que ela queria, mas não o que seus chefes imediatos queriam. Os dois experimentaram a velha resistência a mudanças das organizações. Marluce foi demitida, mas Eurico a contratou de volta dias depois e os diretores tiveram que engoli-la, no mesmo escritório que antes ocupava.
Os anos 90, com todos seus percalços, incluindo o Plano Collor, abriram para Eurico outro campo ainda incógnito nas suas aventuras empresariais, o da gastronomia. O dono de um restaurante italiano não resistiu a ameaças que pairavam contra seu negócio e sua família. Decidiu deixar o país e vender o restaurante para seu frequentador.
Começa então novo capítulo da vida do empreendedor serial que o levou a ser sócio ou proprietário de 50 restaurantes. Associou-se a chefes que estavam iniciando, como Claude Troisgros, Felipe Bronze e Danio Braga, entre outros que ganharam fama nacional.
Num jantar, o casal conheceria o compositor Aldir Blanc e receberia um presente de valor incalculável: a música composta por Aldir e lançada por Ivan Lins, Cegos de Luz. “Toda treva clareia/ E o amor, que é cego, agradece,” dizem os versos finais.
No epílogo do livro, Mauro Ventura anuncia que romperia duas regras estabelecidas por um dos maiores biógrafos brasileiros, Ruy Castro: nunca fazer biografias de pessoas vivas, e nunca fazê-las por encomenda. Rompeu. E fez muito bem.
O livro registra conselhos impagáveis. Como o do avô português de Eurico: “a oportunidade é cabeluda na frente, mas careca nas costas”. Portanto, é importante agarrá-la rapidamente. Eurico parece ter aproveitado todas.
The post Eurico Cunha conta como venceu no escuro appeared first on Brazil Journal.