EUA podem repetir anos 70, com recessão, inflação elevada e corte de juros, diz Leme

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Mar 27, 2025 - 05:17
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EUA podem repetir anos 70, com recessão, inflação elevada e corte de juros, diz Leme

O presidente dos EUA, Donald Trump, começou o seu segundo mandato há dois meses com uma economia robusta, crescimento do PIB entre 2,5% e 3% e baixas taxas de desemprego. O mercado apostava na continuidade desse ciclo positivo, impulsionado por cortes de impostos e estímulos fiscais.

No entanto, em poucos meses, essa perspectiva mudou drasticamente: analistas, agora, discutem o risco até mesmo de uma possível recessão econômica.

Para Paulo Leme, chairman do Comitê Global de Alocação de Ativos da XP Advisor e professor residente de Finanças da Universidade de Miami, a imprevisibilidade das políticas de Donald Trump foi um fator determinante para essa mudança de percepção entre os investidores.

“Eu acho que a palavra que resume o (atual) momento é incerteza; a outra é imprevisibilidade. E o mercado precifica risco, ele não sabe precificar a incerteza”, disse, em entrevista ao InfoMoney, no começo desta semana.

Segundo ele, o governo Trump priorizou tarifas e restrições comerciais ao invés de cortes tributários, gerando um ambiente de incerteza.

Investidores e empresas, dessa forma, passaram a adotar uma postura mais cautelosa, o que impactou os indicadores econômicos e trouxe volatilidade aos mercados, gerando correções nas Bolsas de NY.

Diante tamanho grau de incerteza, Leme ressalta que tanto os dirigentes do Federal Reserve (FED) – para decidirem os rumos dos juros – quanto analistas e empresários estão em compasso de espera, até que haja clareza por parte da equipe econômica de Donald Trump sobre os rumos das tarifas, estímulos fiscais e cortes de impostos nos EUA.

Um dos riscos deste cenário, conforme Leme, é a repetição do que aconteceu nos anos 1970, quando os Estados Unidos conviveram com uma economia estagnada ou em recessão, ao mesmo tempo em que a inflação subia e o FED cortava juros.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Paulo Leme ao InfoMoney:

InfoMoney: No começo do ano, o senhor disse, durante o Onde Investir do InfoMoney, às vésperas do início do governo Trump, que ele tinha um excelente ponto de partida, com alta do PIB, baixo desemprego e situação patrimonial das famílias e das empresas sólida. Só que, passados dois meses, já se fala em uma possível recessão – ou no mínimo numa redução do ritmo de crescimento. O que aconteceu, na opinião do senhor, para essa virada de perspectiva?

Paulo Leme: Antes de mais nada, dando um passo atrás, sendo um gestor, você tem que ser objetivo e tem que ser intelectualmente honesto e isento. Então, você está operando sob incerteza, tentando fazer previsões baseadas em uma série de hipóteses, e algumas não se cumpriram.

O estado geral da economia americana segue excelente, muito bom. No entanto, a sequência com que a implementação da política econômica do governo Trump está vindo e, especialmente, a intensidade – e tudo compactado em dois meses – surpreendeu.

Eu achava que ele (o governo) atacaria mais pela parte de estímulo fiscal, através dos cortes de impostos das empresas e da pessoa jurídica, e, na realidade, ele entrou mais pelo lado das tarifas.

E aí era necessário trazer mais algumas hipóteses: se ia ser algo mais abrangente, mais limitado, mais estratégico, de negociação. E eu acho que a velocidade e a abrangência, na proposição de tarifas, sugerem que talvez ele queira ir muito mais além do que eu esperava.

E tudo isso começa a conectar com a Agenda 47 – o America First, um programa dentro do Partido Republicano, algo muito mais ambicioso, visando realmente uma mudança dramática da ordem internacional, que foi construída após a Segunda Guerra Mundial, com Bretton Woods, com os acordos da OTAN e, inclusive, toda a parte de política comercial.

Eu acho, portanto, que ele está se caracterizando por uma mudança muito forte do status quo dentro dos Estados Unidos, com o apoio do Elon Musk, no Doge (Departamento de Eficiência Governamental), entrando em todas as agências, vasculhando todos os gastos e ameaçando aqueles que achavam que tinham um emprego garantido. E a parte da aprovação dos impostos não veio.

“Então eu acho que a palavra que resume tudo é incerteza, a outra é imprevisibilidade. E o mercado precifica risco, não sabe precificar a incerteza.”

O mercado queria acreditar que seria uma tarifa aqui, duas lá. Mas quando começa uma sequência (de anúncios tarifários) se começa a descartar a hipótese inicial de que isso era algo estratégico, pequeno e, agora, parece ser algo muito maior.

Isso se traduz em volatilidade no mercado, com o estilo dele (de negociação) de avançar, recuar; ver como o parceiro responde, reage. E isso deixa o mercado atordoado.

Tivemos duas semanas de queda muito profunda (da Bolsa), ainda não é um drawdown, que caracteriza um bear market, mas foram correções importantes no S&P e no Nasdaq.

InfoMoney: Como ficam as empresas e qual é o impacto disso tudo para o PIB?

Leme: Do lado empresarial, o que se vê é que o ruído leva a ações e a consequências de decisões de investimento. Por exemplo, se você acha que vai levar uma ‘tarifada na cabeça’ nos seus insumos importados, se busca estocar insumos importados.

E o que está se vendo? O PIB americano negativo, porque as empresas estão importando e isso aumenta o déficit em conta corrente; e a estocagem é contracionista para o PIB. Então, você está vendo o PIB caindo menos 1,8%, mesmo com a economia indo muito bem, porque o setor privado se antecipa.

“Esse jogo estratégico de xadrez entre o Trump e a sua equipe e os empresários e o mercado, ele pode ter efeitos reais imprevisíveis.”

Então, algo que não estava no nosso radar nem do mercado, que era o ‘R’, de recessão, começou agora. A única dúvida é a probabilidade a se atribuir a essa hipótese: de 20%, 30%, 50%… Então ela (a recessão) passou a ser a pauta em discussão.

InfoMoney: Como isso se reflete para as estratégias dos gestores?

Leme: Nossa leitura, como gestor, é ter que incorporar essas novas informações e há muita imprevisibilidade. Nossa recomendação (começo do ano) era muito direcional, ou seja, otimista com bolsa americana, otimista com dólar. Então, isso quer dizer que o gestor está com uma gestão muito ativa.

E agora eu e o GAAC (Comitê Global de Alocação da XP) estamos recomendando uma postura mais neutra, ou seja, você ‘colar’ nos benchmarks e, basicamente, sem gerar alfa. É uma estratégia passiva, porque se o mercado cai, você cai, se o mercado sobe, você sobe; mas você não vai estar numa posição desconfortável, que você subestimou as políticas e possivelmente um impacto na economia, em uma posição contrária que deixou o cliente atropelado.

Então, por isso que eu acho que a gente já respondeu muito rapidamente (à mudança de cenário), inclusive em termos de posicionamento em carteira.

InfoMoney: E como o senhor avalia essa estratégia de anuncia tarifa, volta atrás… Isso gera problemas tanto internos nos EUA quanto pode trazer consequências para a economia global. Quem podem ser os ganhadores e os perdedores desse movimento? 

Leme: Pergunta excelente e, estendendo essa pergunta, vamos adicionar também um eixo na linha do tempo: Quem que ganha e perde no começo, no meio e no fim?

Então, voltando à pergunta, eu não sei; é imprevisível.

Se ele (Trump) vai fundo, até o final, de realmente romper com as instituições, voltaremos a um cenário parecido ao dos anos 30, quando se teve o Smoot-Hawley Act, onde o presidente do Congresso, a Câmara e o Senado colocaram uma barreira de tarifas de importação altíssima.

Isso era muito uma pauta agrícola e levou a uma guerra comercial que não parava. Uma guerra de estabilidade cambial, que é considerada, inclusive, um agravante pior do que as crises bancárias, o abandono da indexação do dólar ao valor do ouro e toda a corrida bancária que você teve (na época).

Então, o que eu quero dizer é que eu não sei se isso aqui são 2, 10, 20, 50 tarifas, se só vai ser por 15 minutos, ou se realmente é a agenda 47. Se nós formos na direção da agenda 47, com mudanças profundas, esse jogo, sob a ótica da teoria dos jogos, é de perde-perde.

“Ou seja, ninguém ganha, todos perdem e você gera uma incerteza muito grande, leva a recessões e a uma desestabilização do sistema financeiro também.”

Então não interessa a ninguém. Se é uma tarifa, duas tarifas, depende. Se você tem poder de monopólio, de monopsônio (oposta ao monopólio) no mercado, depende se você é grande, depende se você é pequeno.

Mas eu diria que em um cenário de médio e longo prazo, ao se desestabilizar uma ordem centrada, que tem como eixo central os Estados Unidos, quem ganha é a China. Ou seja, ao esculhambar tudo, derrubar tudo, se tem uma reaglutinação de forças.

E, até do ponto de vista diplomático, vai ser importante saber como o Brasil vai se posicionar, nesse mundo que está se reconstruindo. E quem serão os parceiros do Brasil? Vamos manter uma neutralidade? Vamos nos aliar com um (país), ou com ninguém; teremos uma neutralidade à lá Suíça.

Portanto, no médio e no longo prazo, quem mais tende a perder, são os Estados Unidos.

InfoMoney: Por quê?

Leme: Isso acontece por que é um privilégio ter padrão monetário internacional. Ao emitir a moeda global (o dólar), você pode cobrar o imposto inflacionário sobre o mundo inteiro, podendo emitir muito mais dívida pública. Portanto, financiar um déficit muito maior nominal, porque você é a referência.

Ou seja, quando se fala da dívida brasileira, isso se compara ao spread da dívida brasileira em relação a quê? Ao treasury (dívida pública americana) de 10 anos. Então, a demanda por recursos do treasury é infinita. Dessa forma, se pode emitir, emitir (dívida), ter déficits… Assim, um déficit de 7,5% e uma dívida pública de 120% (como acontece nos EUA), seria um número que inviabilizaria o Brasil. E esse não é o caso dos EUA.

“Ao desestabilizar o sistema de comércio internacional, as instituições e a arquitetura global, pós Breton Woods, ele pode perder esse privilégio de ser o emissor da moeda (global), sobretudo em um momento de internacionalização de novas moedas digitais.”

Daí, não se precisa mais do real, nem do euro ou do franco suíço. Você pode converter, sem ter uma conta, em um país de moeda não conversível e não precisa do dólar para fazer essas conversões.

E pra quem isso não interessa? Para os Estados Unidos.

InfoMoney: Ainda no contexto das tarifas, uma das possíveis consequência é o impacto para a inflação nos EUA. Como o senhor enxerga o potencial dessas elevações sobre os preços e, eventualmente, sobre as próprias decisões de política monetária do FED?

Leme: A resposta é depende. Indo para a parte mais fácil, não há dúvida de que um aumento simples, uniforme, digamos de 10%, sobre todas as importações americanas – considerando que a percentagem dos importados no PIB é de 13% – levaria a um aumento, de uma vez só, de 1,3 pontos percentuais da inflação.

E se isso vai colar ou não, vai depender se a economia está crescendo ou se ela está indo para uma recessão.

Então, indo ao nosso caso, que era o cenário inicial (do começo do ano) – que haveria também um estímulo fiscal, a economia cresceria até mais com investimentos do setor privado, com a demanda agregada acelerando e o hiato do produto fechando – esse aumento de tarifas, em cima de uma economia que já está em pleno emprego e aquecendo e com pressões salariais vindo do fechamento da imigração, seria inflacionário.

E aí você teria uma ‘pivotada’ (mudança de direção) do FED, que fala em cortes de juros, mas, agora, a conversa é: ‘ok, quando vai ser o primeiro aumento de taxa de juros?’

Agora você pode olhar outro cenário… Isso porque o pacote fiscal não veio, há problemas no Congresso para coordenar esse pacote fiscal e, ao mesmo tempo, o que você está planejando, em matéria tarifária, é muito mais agressivo e já se começa a ver um arrefecimento (da economia), com expectativas (de crescimento) caindo.

InfoMoney: Por isso já se fala em recessão?

Leme: Acho que já se pode começar a falar sobre uma desaceleração ou até mesmo uma estagnação ou recessão. E aí você tem o pior dos dois mundos: um aumento do índice de preços e, ao mesmo tempo, uma forte desaceleração da economia americana.

E aí, o que o FED faz? Se for um aumento de tarifa pequeno, você vai ficar preocupado com atividade e desemprego. Então, o FED vai ter que cortar juros, com inflação alta, e aí se vai ao pior dos dois mundos, que é a estagflação.

“Ou seja, uma economia estagnada ou em recessão e, ao mesmo tempo, como nos anos 70, com a inflação subindo e o FED tendo que cortar juros.”

Há uma solução diferente também, onde você tem um pouco de aumento de tarifa, mas desorganiza a economia americana, e a economia global. Aí, o FED corta juros, mas como está deprimindo a demanda agregada, começa a gerar ociosidade e aí você não tem um surto inflacionário e tem só recessão.

Então, há três cenários e vai tudo depender de como o governo Trump vai avançar nestes diferentes fronts.

InfoMoney: Em resumo, há diferentes possibilidades de cenário…

Leme: Eu vou me apegar ao que o presidente do FED, Jerome Powell, disse na coletiva da semana passada, de que há um cenário extremamente difícil.

“Tanto é assim que houve algo que me deixou perplexo: mudaram as projeções de crescimento e de inflação, mas a trajetória dos juros segue a mesma…”

Como assim? E a resposta dele (Powell) foi: ‘a gente não sabe o que vem pela frente em matéria de tarifas e estamos com um elevado grau de incerteza. A única coisa que sei é que estamos em um bom lugar, as taxas de juros já caíram… estamos bem posicionados. Se puder, a gente corta um pouco mais (os juros), mas, por enquanto, vamos aguardar, como todos os analistas, empresários, até que haja uma definição da equipe econômica (de Trump) para onde eles vão – seja, na parte tarifária, de estímulos fiscais e cortes de impostos.’

Então, dependendo do que saia (de medidas do governo Trump), vamos ter diferentes respostas do FED, e diferentes condições de mercado.

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