Entrevista: A nova fase do The Mönic

Dani Buarque fala sobre a nova fase da banda com Danielly, o processo de composição do novo single, o projeto Não Tem Banda Com Mina, a importância de se posicionar politicamente e mais

Abr 28, 2025 - 22:20
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Entrevista: A nova fase do The Mönic

entrevista de Bruno Lisboa

Quatro anos atrás, em 2021, em meio a pandemia, a banda The Mönic sofreu um enorme baque: a baterista Daniely Simões havia decidido deixar a banda. Dani Buarque (vocal, guitarra), Ale Labelle (vocal, guitarra) e Joan Bedin (vocal e baixo) já havia passado pela experiência difícil de ficar sem baterista quando Mairena deixou o posto da BBGG, espécie de embrião do The Mönic. Elas conheceram Daniely nas audições para a vaga do BBGG, e a química foi tão grande que ela não só entrou na banda como o quarteto decidiu iniciar uma nova fase com um novo nome The Mönic.

Em março de 2025, exatos quatro anos após Thiago Coiote assumir as baquetas, a The Mönic volta a ser um quarteto feminino com o retorno de Daniely Simões, que assumiu o lugar de Thiago não apenas no novo single da banda, “Lobotomia” (2025), como também nos shows que elas fizeram abrindo para o Garbage e o L7 em São Paulo. “Foi como acender uma fogueira que nunca tinha se apagado, só tava ali, quietinha, esperando o momento certo pra reacender”, conta Dani Buarque sobre o retorno da parceria à banda. “A Daniely foi parte essencial da nossa formação original e da criação do som da The Mönic”, justifica.

Se a produção do disco de estreia, “Deus Picio” (2019), foi dividida entre a própria banda ao lado de Carlos Eduardo Freitas e Aécio Oliveira, e “Cuidado Você” contou com Rafael Ramos nos botões, o single “Lobotomia” retoma uma parceria com Alexandre Capilé (Sugar Kane) na produção: foi ele quem produziu “High” e “Buda”, os dois primeiros singles do The Mönic em 2018. Em “Lobotomia”, a banda faz critica a forma como a sociedade lida com o meio ambiente e denuncia os efeitos do consumismo desenfreado e da negligência ecológica.

Na conversa abaixo, feita por e-mail, Dani Buarque fala sobre a nova fase da banda com Danielly, o processo de composição do novo single, o projeto Não Tem Banda Com Mina, a importância de se posicionar politicamente, redes sociais como instrumento de engajamento artístico, revela um novo lançamento ao lado do Eskröta (“em breve sai um EP ao vivo da apresentação da The Mönic convida Eskröta no palco Supernova do Rock in Rio”) e fala dos shows ao lado de Garbage e L7. Leia abaixo!

A banda na atualidade vive uma nova fase com o retorno da Daniely Simões à banda. Como foi reviver essa conexão musical depois de tanto tempo?
Foi como acender uma fogueira que nunca tinha se apagado, só estava ali, quietinha, esperando o momento certo para reacender. A Daniely foi parte essencial da nossa formação original e da criação do som da The Mönic. Quando fizemos o primeiro ensaio, era como se nunca tivéssemos parado de tocar. Tem uma química ali, bate diferente. Tem sido bonito demais viver isso de novo. E o mais doido? A volta de vários fãs de quando tudo era mato (haha). Uma galera que a gente via há 4 anos atrás de volta.

O que mudou na dinâmica da banda com essa volta? Vocês já percebem alguma diferença na forma como vocês criam e ensaiam?
A volta da Dani trouxe uma energia nova, mas também uma memória afetiva e musical que fortaleceu tudo. “Lobotomia” é a prova disso. A Daniely mandou pra mim a música na guitarra sem saber da saída do Coiote, ela sempre foi compositora, e tinha esse som guardado porque estava sem banda. E isso bem no dia que pedi pro universo um sinal do que fazer. Enquanto eu ouvia a música já gravei um improviso. Depois de 6 minutos que ela havia me enviado a música, ela já tinha a minha versão com voz. Ali foi onde tudo ficou claro.

“Lobotomia”, inclusive, marca um momento importante na trajetória de vocês. Como foi o processo de composição e gravação desse single? E como foi trabalhar com o Capilé novamente?
Foi quase um passe de mágica. Em uma conversa casual no WhatsApp, eu mencionei que estava super afim de fazer algo mais pesado, tipo a música “Casualty” do Linkin Park. Aí, (entra) a história que contei acima. Mágica é a palavra. E voltar a trabalhar com o Capilé foi doido. O Capilé foi quem gravou os nossos dois primeiros singles e, então, poder voltar ao estúdio onde tudo começou, com ele e a formação original da banda, foi muito especial. Ele co-produziu a faixa com a gente e trouxe toda a energia que esse som precisava. Além da gente e o Capilé também contamos com o Rafael Ramos que acompanhou todo o processo da pré produção à finalização. Baita time.

O novo single tem uma pegada mais pesada, com elementos de grunge e hardcore. Esse é um caminho que vocês pretendem seguir daqui pra frente?
A gente nunca gostou de se limitar a rótulos, mas o som mais pesado sempre fez parte do nosso DNA — e agora a gente está abraçando isso com mais força. Não é uma decisão estratégica, é algo que brota de como a gente está se sentindo agora. A urgência, a raiva, a vontade de rasgar o verbo estão mais presentes, então naturalmente isso se reflete na sonoridade. Pode esperar mais peso, sim, mas sem perder a melodia que sempre guiou nossas composições. E também não se assustem se em breve vir uma baladinha. É nosso jeitinho (risos).

A The Mönic sempre transitou entre o inglês e o português e, nos últimos anos, tem apostado totalmente em canções na nossa língua pátria. Como se deu a transição da linguagem e como tem sido a receptividade por parte do público desde a mudança?
No começo, cantar em inglês era mais confortável pra falar de certos sentimentos, talvez por ser mais indireto, e por ser mais fácil mesmo encaixar melodia no inglês. Mas com o tempo, a necessidade de conexão real com o público falou mais alto. Quando a gente começou a escrever em português, abriu-se um novo portal — tanto pra gente quanto pra quem escuta. A resposta tem sido linda. As pessoas cantam junto, se reconhecem nas letras, se conectam com a gente. Essa é nossa parte favorita de tudo.

Como vocês enxergam a evolução da banda desde “Deus Picio” até agora? Quais aprendizados foram mais marcantes nesse percurso nesses 7 anos de estrada?
A gente nasceu com urgência, querendo dizer tudo ao mesmo tempo em “Deus Picio”. Hoje, a gente aprendeu a respirar entre os gritos. Aprendemos a cuidar da nossa estrutura, da nossa saúde mental, e a entender o nosso som como algo em constante transformação. Descobrimos a importância de criar comunidade, de fomentar a cena e de fazer tudo do nosso jeito sem guru, sem fórmula. Cada show, cada tropeço e cada conquista ensinaram muito. Acho que os maiores aprendizados é que a gente pode — e deve — confiar na nossa verdade, e também confiar no processo. Se está vivo, ainda dá tempo (risos).

Gostaria de saber mais sobre o projeto ‘Não Tem Mina com Banda’. Como ele surgiu e quais têm sido os resultados e aprendizados até aqui?
A Não Tem Banda Com Mina veio da necessidade de criar espaço pra gente tocar. No começo da banda, a gente não era chamada pra tocar nos lugares. Então, criamos uma festa chamada Festa Surdina, e essa festa marcou a volta da música ao vivo na Funhouse, que era uma casa underground, uma das pioneiras da cena ali do início dos anos 2000 em SP. Nós éramos curadoras, eu e a Ale Labelle (vocal/guitarra), então muitas bandas de todo o Brasil procuravam a gente pra tocar na nossa festa. E assim, começamos a fazer o intercâmbio. As bandas vinham pra cá pra tocar na nossa festa, e a gente conseguia descolar shows pra The Mönic fora de São Paulo. Então, foi assim que a gente começou a conseguir sair da cidade. Desde antes de ter banda sempre achei bizarro a cena de rock ser dominada apenas por um tipo de pessoa, então essa festa passou a ter uma regra, precisava ter pelo menos uma mina no line-up da noite.

Nunca deixei de apoiar as bandas de homens que gostava, mas nunca deixei de questionar esse espaço. Então com a caneta e o mic na mão entendemos que ali tínhamos um poder de ocupar esse espaço que havíamos criado, com as nossas regras. E em 2023, oficializamos a regra de ter edições somente com 80% de mulheres em cima do palco. Nossa estratégia pra fomentar a cena local é sempre tentar negociar com o contratante de pegar a festa, assim a gente consegue exigir que a gente toque com bandas de mulheres da cena local. A gente já foi desde o Sul até o Nordeste. Pra gente sempre bateu diferente quando a gente toca com mina no palco e também na plateia. Quando vem as garotas no show dizer que tocam e que se inspiram no rolê que a gente faz, dá um quentinho no coração. Independente se for 5, 50 ou 500, alcançando alguma mulher e encorajando ela a meter as caras e ir pra cima, a gente já fica feliz pra krleo. Esse movimento é sobre isso. Sobre se a gente não ir lá e ocupar, ninguém vai puxar a cadeira pra gente sentar.

Voltando a “Lobotomia”, a letra traz uma crítica ao consumo desenfreado e ao descaso com o meio ambiente. Como vocês veem o papel da música nesse debate?
“Lobotomia” é uma crítica direta ao modo como nos tornamos insensíveis diante das consequências do nosso próprio consumo. Não se trata de um desejo nostálgico de voltar à idade da pedra ou trocar a tecnologia pela charrete — a questão é encarar, com lucidez, o impacto que nossa existência causa no planeta e o quanto desse impacto já é irreversível. A música propõe esse desconforto: como chegamos até aqui? Como fomos anestesiados a ponto de normalizar a destruição? A ‘lobotomia’ é simbólica — é a perda da consciência crítica, é seguir vivendo no automático, sem se dar conta do rastro que deixamos. E ainda assim, seguimos como se nada estivesse acontecendo, colocando filhos no mundo sem sequer repensar o mundo que estamos deixando para eles.

Vocês sempre tiveram um discurso forte e autêntico e não se omitem de se posicionar. Acreditam que a cena do rock brasileiro está mais aberta para esse tipo de posicionamento atualmente?
Silêncio também é um posicionamento — e não é o nosso. A essência do rock sempre foi de contestação. O estranho é quem diz que gosta de rock e se incomoda com pauta social, política, ecológica. Não se preocupar com essas coisas é um privilégio. E querer que isso não seja discutido é outro privilégio. Pra mim, é incoerente agora que eu tenho a caneta e microfone na mão, fingir que não estou vendo coisas que sempre me incomodaram. Artista não é um ursinho de pelúcia pra fazer o que quem comprou quer que ele faça. A arte vem do incômodo, de por pra fora dor, revolta, alegria, amor, seja lá o que for. O problema é que as pessoas confundem entretenimento com arte. Quer ouvir a música mas sem o artista ter um posicionamento? Vai na porra do karaokê, mané.

Vocês são muito ativas nas redes sociais, o que é algo que muita gente tem discutido em diversas esferas. Como vocês veem a importância de produzir conteúdo de forma constante nas redes? Isso tem sido uma estratégia chave para vocês, ou é mais sobre manter um vínculo autêntico com o público?
Por enquanto, as redes são nosso canal direto com quem ouve a gente. A gente cuida de tudo, do marketing ao conteúdo, e isso faz parte da nossa autonomia como banda. Hoje a maioria dos artistas são meio reféns das redes sociais, mas e nos anos 90? Sem rede social? Era mais fácil? Aposto que não. Então também não demonizo essa realidade doida que a gente tem. Só acho que a gente precisa ter coerência e sabedoria ao usá-las, pra não virar uma funcionária CLT do Mark Zuckerberg. A gente tem que usar as ferramentas a nosso favor, fazer o algoritmo trabalhar pra gente, não o contrário. É muito sedutor quando vemos resultados e ficamos tentados a produzir cada vez mais. Mas o principal é não esquecer do nosso objetivo maior: fazer música e não deitar pras métricas de vaidades (likes, seguidores, etc). As redes sociais são de graça porque o produto são os usuários. Se seu conteúdo prende as pessoas na plataforma ele é mais espalhado. O que é um paradoxo. Não queremos elas na tela, queremos elas nos shows, colocando nossas músicas nas festas, no churrasco, em casa, tocando guitarra, baixo, o que for. Mas pra isso acontecer a gente tem que passar as vezes no feed delas, né? (risos) enfim. Pra mim, a estratégia está 100% ligada a isso. Ao meu limite como criadora de conteúdo, pra que eu nunca seja mais criadora de conteúdo do que, de fato, artista.

Vocês realizaram nos últimos meses apresentações históricas junto a Eskröta no Rock in Rio e no Knotfest. Como se deu a aproximação de vocês e o que mais marcou essas apresentações?
Foi histórico mesmo. A gente abriu os dois maiores festivais de rock do Brasil com a força de duas bandas independentes, com mulheres no comando. A aproximação com a Eskröta veio de admiração mútua e de respeito pela caminhada uma da outra. Dividir esses palcos foi uma celebração da potência feminina no rock. E o mais marcante foi ver o público chegando cedo, cantando, vibrando, enchendo os palcos com a gente. Lembro que a gente ia dividir 26 minutos no Knotfest, mas no dia seguinte do Rock in Rio o Knotfest entrou em contato com a gente e convidou cada banda pra fazer apresentação solo em dias distintos, ou seja, dobrou nosso tempo de palco. O que fizemos? Uma convidou a outra pra participar do seu show, assim ambas as bandas ocuparam os 2 dias de festival. Além da experiência foda, o que mais marcou foi a força da nossa cena de mulheres se apoiando. E spoiler: em breve sai um EP ao vivo da apresentação da The Mönic convida Eskröta no palco Supernova do Rock in Rio

Vocês recentemente abriram shows para Garbage e L7, duas bandas icônicas. Como foi essa experiência?
Foi surreal. São mulheres que, além de artistas incríveis, são gigantes no que acreditam, posicionamentos que transcendem a música e não tinha como a gente não ser totalmente inspiradas por elas por toda a nossa vida. O apoio delas foi absolutamente incrível. A Jennifer, do L7, fez duas lives com a gente: uma para nos apresentar aos seguidores dela e outra do nosso show. E o carinho dela foi constante, tanto nas redes quanto pessoalmente. Já a Shirley Manson, do Garbage, nos convidou para abrir a turnê inteira do Brasil. No último show, ela fez um discurso emocionante, de quase dois minutos, falando sobre a nossa trajetória com a BBGG, quando abrimos o show do Garbage em 2017 e entrevistei ela. Ela comentou sobre o quanto a banda cresceu desde então e o quanto a cena de mulheres precisa de mais mulheres como ela, como a gente, mulheres destemidas. Foi um discurso lindo e sincero. Ainda estamos meio sem acreditar.

Com disco novo na praça, o que podemos esperar da The Mönic nos próximos meses? Há planos para um novo álbum ou turnê?
Tem muita coisa vindo! A gente está compondo bastante, sentindo o terreno pro próximo álbum, mas sem pressa. Ao mesmo tempo, queremos muito estar na estrada — turnê é o que alimenta as monstrinhas aqui hahah. Pra esse semestre tem dois featzão vindo aí e quem sabe música inédita                         </div>
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