Entenda o que são a política identitária e a cultura woke
Discussões sobre linguagem neutra e defesa de minorias se intensificaram depois da posse de Donald Trump nos EUA; direita e até parte da esquerda têm críticas à ênfase dada a essas pautas

As discussões sobre política identitária e cultura woke no Brasil e no mundo se intensificaram depois da posse de Donald Trump (Partido Republicano) para seu 2º mandato como presidente dos Estados Unidos. O republicano reassumiu o poder no país em 20 de janeiro de 2025. Editou uma série de decretos revogando o que considerava excesso de identitarismo dentro da administração federal norte-americana.
As pautas identitárias são defendidas por parcelas da sociedade que sentem seus direitos ameaçados ou sub-representados. Os termos política identitária ou identitarismo são usados quando há a defesa de seus conceitos, cultura, hábitos e costumes de grupos específicos.
Uma política identitária pode ser usada para descrever a atuação de seguidores de todo o espectro político. Por exemplo, quando grupos mais à direita se manifestam a favor do que consideram ser o purismo da cultura das pessoas arianas na Europa. No caso da esquerda ou de quem é mais liberal nos costumes, quando há a defesa de igualdade de gênero, diversidade em empresas e órgãos públicos, combate ao racismo, preservação ambiental e temas correlatos. Em anos recentes, a referência ao identitarismo tem sido mais constante para descrever movimentos autodenominados “progressistas” e simpáticos a ideias de esquerda.
Nos anos 1960, 1970 e 1980 avançou o que se chamava de “politicamente correto” –uma atitude que visava a evitar o discurso e as atitudes que pudessem ser consideradas ofensivas a uma determinada pessoa ou parcela da sociedade. Na história contemporânea, o movimento hippie e o movimento negro (anos 1960/1970), o movimento feminista (anos 1980) e os grupos LGBTQIA+ foram precursores do politicamente correto e do conceito atual de identitarismo. As ideias foram abraçadas por setores majoritários de alguns partidos políticos, como o Democrata, nos EUA, e o Partido dos Trabalhadores e outras agremiações de esquerda no Brasil.
No caso de sindicatos de trabalhadores, majoritariamente representados por líderes de esquerda, a chamada linguagem neutra está cada vez mais presente. Há casos em que palavras são adotadas sem que tenham sido incorporadas ao Volp (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa), da Academia Brasileira de Letras. Por exemplo, o Sindojaf (Sindicato Nacional dos Oficiais de Justiça Federais) usa a expressão “oficiala” para se referir a mulheres que exercem essa função.
O Sindojaf enviou ofícios para veículos de comunicação em 24 de abril de 2025 pedindo que fosse apagado de reportagens o nome da oficial de Justiça que havia notificado o ex-presidente Jair Bolsonaro dentro de uma UTI, em Brasília. “[…] Venho em nome da diretoria da entidade, solicitar a retirada do nome da Oficiala [sic] de Justiça que foi mencionado”.
Associações partidárias de esquerda, parte majoritária do movimento estudantil e de sindicatos de trabalhadores passaram a adotar em suas agendas esse repertório de políticas identitárias –por exemplo, o uso de linguagem neutra, o combate ao racismo, à LGBTfobia e o repúdio à misoginia.
O significado de woke na tradução livre é “acordei” –a conjugação no passado do verbo “wake”, que é “acordar”, em inglês. O termo acabou adquirindo outras conotações na última década. O uso de woke pela comunidade negra norte-americana remete a quando alguém está ou deve ficar alerta para se opor ao racismo ou injustiças que envolvam preconceito por causa da cor da pele.
O dicionário Oxford traz a seguinte explicação:
- woke – “consciência das questões sociais e políticas e preocupação com o fato de alguns grupos da sociedade serem tratados de forma menos justa do que outros”.
Essa definição é replicada pelo “Cambridge Dictionary” (“consciência, especialmente, dos problemas sociais como o racismo e a desigualdade”) e pelo “Merriam-Webster” (“consciência e atenção a fatos e questões sociais importantes”).
Com o avanço dessa discussão na última década, muitas pessoas passaram a se identificar como woke ao se descreverem como socialmente engajadas. Críticos também passaram a usar o termo de forma depreciativa.
Internautas, por exemplo, dizem que alguém é woke quando exagera na defesa de algum desses temas. A conotação negativa também está registrada em dicionários. No “Merriam-Webster”, por exemplo, a definição de desaprovação para o termo é quando as questões sociais são abordadas de forma “irracional ou extrema” por certos grupos.
Também por isso, muitos pesquisadores mapeiam as discussões sobre políticas identitárias e os sinais de esgotamento desse debate.
“As questões sobre identidade ganharam visibilidade e expressão com as mudanças políticas e culturais observadas nas últimas 5 décadas. Essas mudanças foram produzidas pelas transformações do chamado mundo moderno, que inclui a crise das metareferências, a emergência de novos sujeitos que passaram a formular e lutar por uma nova agenda política e o desenvolvimento de teorias sociais explicativas sobre a constituição dos grupos sociais e das diferenças entre eles”, escrevem os pesquisadores Marcelo Alario Ennes e Frank Marcon em artigo publicado na revista Sociologias, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Segundo o professor Marco Antônio Sousa Alves, da Faculdade de Direito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a discussão sobre política identitária é antiga: “A gente tem várias referências do movimento negro do início do século 19. A mesma coisa do movimento feminista […] Isso veio da Europa no século 18, 19. São lutas razoavelmente antigas, no Brasil e no mundo. Talvez agora tenham adquirido uma visibilidade maior, mas os movimentos não são novos”.
Apesar de recentemente estar mais ligada à esquerda, grupos de direita também têm discursos identitários, segundo o pesquisador.
“Os próprios conservadores têm um discurso identitário, o que a gente chama de identitarismo conservador. Por exemplo, o movimento supremacista é um movimento identitário […] Eles têm também uma afirmação identitária própria e, por outro lado, uma crítica contra esses novos movimentos identitários, que, por eles, é vista como uma ameaça às famílias e às pessoas que eles defendem”, declara.