Eliana Pittman abre as asas e voa alto ao cantar Jorge Aragão com arrojo em álbum produzido por Rodrigo Campos
Eliana Pittman lança o álbum ‘Nem lágrima nem dor’ com nove músicas do repertório de Jorge Aragão Samuca Kim / Divulgação Capa do álbum ‘Nem lágrima nem dor’, de Eliana Pittman Samuca Kim com projeto gráfico de Leandro Arraes e direção de arte de Paulo Henrique Moura ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: Nem lágrima nem dor Artista: Eliana Pittman Cotação: ★ ★ ★ ★ ★ ♬ O álbum em que Eliana Pittman canta o repertório do compositor Jorge Aragão, Nem lágrima nem dor, eleva a cantora carioca e a repõe em alto patamar na música brasileira. A rigor, o disco já nasceu histórico por representar a convergência de três grandes afluentes do caudaloso rio do samba. Revelada nos anos 1960, a cantora nasceu no universo do jazz, berço da formação musical do saxofonista norte-americano Booker Pittman (1909 – 1969), pai de Eliana. O compositor – revelado em 1976 no canto gingado de Elza Soares (1930 – 2022) – se tornou um dos maiores bambas da geração projetada em 1980 pelo grupo Fundo de Quintal com a criação de cancioneiro de alto teor melódico, embebido em lirismo, a ponto de o carioca Jorge Aragão ganhar o epíteto de O poeta do samba. Já o produtor musical, Rodrigo Campos, abriu outras alas no samba, em São Paulo (SP), ao renovar o gênero em álbuns aclamados como São Mateus não é um lugar tão longe assim (2009) e 9 sambas (2018). Reunidos no disco bancado heroicamente pelo produtor executivo Thiago Marques Luiz, Eliana Pittman, Jorge Aragão – autor de seis músicas do repertório e intérprete associado às outras três composições do álbum – e Rodrigo Campos fazem de Nem lágrima nem dor um lançamento instantaneamente antológico não somente pelo encontro em si, mas pela ousadia do disco. Como se fosse a borboleta evocada pelas fotos promocionais de Samuca Kim, Eliana Pittman abre as asas e alça alto voo neste disco valorizado pelo canto em forma da artista – e basta ouvir a intepretação de Novo endereço (Jorge Aragão e Sombrinha, 1987) para perceber a precisão da emissão vocal da cantora – e pelos arrojados arranjos do produtor musical Rodrigo Campos. Lançado por Alcione, Novo endereço é (belo) samba que traz na letra o verso utilizado como título do álbum Nem lágrima nem dor – disco, aliás, em que as letras são ouvidas com clareza. Feita no acertado passo torto seguido pela geração paulistana do samba do século XXI, a fricção das cordas e do arsenal percussivo e parcialmente eletrônico de Rodrigo Campos (violão, guitarras, teclados, synth bass, percussões, programações, cavaquinho e coro) com os sopros tocados e orquestrados por Thiago França (flautas e saxofones alto, tenor, barítono e soprano) renova o repertório de Jorge Aragão neste álbum que também traz o toque elétrico do baixo de Marcelo Cabral. Eliana Pittman canta músicas como ‘Novo endereço’ e ‘Do fundo do nosso quintal’ no álbum comemorativo dos 80 anos da artista Samuca Kim / Divulgação A presença de Thiago França se mostra fundamental para o êxito do disco desde a primeira faixa, Lucidez (Jorge Aragão e Cleber Augusto, 1991), samba lançado pelo grupo Fundo de Quintal. Há um frescor nos arranjos que se estende ao canto de Eliana Pittman e afasta o álbum Nem lágrima nem dor da trivialidade de grande parte dos songbooks dedicados a um compositor. Harmonizada com os sopros de Thiago França, a levada do violão de Rodrigo Campos conduz Eu e você sempre (Jorge Aragão e Flávio Cardoso, 2000) – sucesso do grupo Exaltasamba – para além das rodas de samba. O caminho é certeiro porque o samba composto e/ou cantado por Jorge Aragão carrega uma tristeza que balança. Uma melancolia romântica, onírica como o sonho poetizado nos versos de Loucuras de uma paixão (Alcino Correia – o Ratinho – e Mauro Diniz, 1996), samba que, embora lançado pelo Grupo Sereno, ficou associado ao canto grave de Aragão desde que o artista o gravou no álbum Sambista a bordo (1997). Essa melancolia banha Tendência (Ivone Lara e Jorge Aragão, 1981) com a delicadeza refinada que pauta o disco de Eliana Pittman. A leveza suaviza a dor de Minta meu sonho (Jorge Aragão, 1989), samba gravado com dose precisa de eletrônica, sem cair em terreno modernoso. A modernidade contemporânea do disco salta aos ouvidos sobretudo no tons de Além da razão (Sombra, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila, 1988), samba cuja letra poética é evidenciada no canto de Eliana Pittman em gravação sublime, de arranjo econômico, calcado na interação de guitarra com synth bass. Samba-título de álbum lançado pelo grupo Fundo de Quintal em 1987, Do fundo do nosso quintal (Jorge Aragão e Alberto Souza, 1987) dissipa qualquer traço de melancolia e celebra a comunhão popular das rodas de samba com calor e com o canto de Rodrigo Campos no coro. No fecho do álbum, lançado em edição digital pela gravadora Nova Estação e em CD pela Companhia de Discos do Brasil, Papel de pão (Cristiano Fagundes, 1990) embrulha com invólucro eletrônico a letra dolente cantada por Eliana Pittman com densidade que confirma a elevação do canto da artista em N


Eliana Pittman lança o álbum ‘Nem lágrima nem dor’ com nove músicas do repertório de Jorge Aragão Samuca Kim / Divulgação Capa do álbum ‘Nem lágrima nem dor’, de Eliana Pittman Samuca Kim com projeto gráfico de Leandro Arraes e direção de arte de Paulo Henrique Moura ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: Nem lágrima nem dor Artista: Eliana Pittman Cotação: ★ ★ ★ ★ ★ ♬ O álbum em que Eliana Pittman canta o repertório do compositor Jorge Aragão, Nem lágrima nem dor, eleva a cantora carioca e a repõe em alto patamar na música brasileira. A rigor, o disco já nasceu histórico por representar a convergência de três grandes afluentes do caudaloso rio do samba. Revelada nos anos 1960, a cantora nasceu no universo do jazz, berço da formação musical do saxofonista norte-americano Booker Pittman (1909 – 1969), pai de Eliana. O compositor – revelado em 1976 no canto gingado de Elza Soares (1930 – 2022) – se tornou um dos maiores bambas da geração projetada em 1980 pelo grupo Fundo de Quintal com a criação de cancioneiro de alto teor melódico, embebido em lirismo, a ponto de o carioca Jorge Aragão ganhar o epíteto de O poeta do samba. Já o produtor musical, Rodrigo Campos, abriu outras alas no samba, em São Paulo (SP), ao renovar o gênero em álbuns aclamados como São Mateus não é um lugar tão longe assim (2009) e 9 sambas (2018). Reunidos no disco bancado heroicamente pelo produtor executivo Thiago Marques Luiz, Eliana Pittman, Jorge Aragão – autor de seis músicas do repertório e intérprete associado às outras três composições do álbum – e Rodrigo Campos fazem de Nem lágrima nem dor um lançamento instantaneamente antológico não somente pelo encontro em si, mas pela ousadia do disco. Como se fosse a borboleta evocada pelas fotos promocionais de Samuca Kim, Eliana Pittman abre as asas e alça alto voo neste disco valorizado pelo canto em forma da artista – e basta ouvir a intepretação de Novo endereço (Jorge Aragão e Sombrinha, 1987) para perceber a precisão da emissão vocal da cantora – e pelos arrojados arranjos do produtor musical Rodrigo Campos. Lançado por Alcione, Novo endereço é (belo) samba que traz na letra o verso utilizado como título do álbum Nem lágrima nem dor – disco, aliás, em que as letras são ouvidas com clareza. Feita no acertado passo torto seguido pela geração paulistana do samba do século XXI, a fricção das cordas e do arsenal percussivo e parcialmente eletrônico de Rodrigo Campos (violão, guitarras, teclados, synth bass, percussões, programações, cavaquinho e coro) com os sopros tocados e orquestrados por Thiago França (flautas e saxofones alto, tenor, barítono e soprano) renova o repertório de Jorge Aragão neste álbum que também traz o toque elétrico do baixo de Marcelo Cabral. Eliana Pittman canta músicas como ‘Novo endereço’ e ‘Do fundo do nosso quintal’ no álbum comemorativo dos 80 anos da artista Samuca Kim / Divulgação A presença de Thiago França se mostra fundamental para o êxito do disco desde a primeira faixa, Lucidez (Jorge Aragão e Cleber Augusto, 1991), samba lançado pelo grupo Fundo de Quintal. Há um frescor nos arranjos que se estende ao canto de Eliana Pittman e afasta o álbum Nem lágrima nem dor da trivialidade de grande parte dos songbooks dedicados a um compositor. Harmonizada com os sopros de Thiago França, a levada do violão de Rodrigo Campos conduz Eu e você sempre (Jorge Aragão e Flávio Cardoso, 2000) – sucesso do grupo Exaltasamba – para além das rodas de samba. O caminho é certeiro porque o samba composto e/ou cantado por Jorge Aragão carrega uma tristeza que balança. Uma melancolia romântica, onírica como o sonho poetizado nos versos de Loucuras de uma paixão (Alcino Correia – o Ratinho – e Mauro Diniz, 1996), samba que, embora lançado pelo Grupo Sereno, ficou associado ao canto grave de Aragão desde que o artista o gravou no álbum Sambista a bordo (1997). Essa melancolia banha Tendência (Ivone Lara e Jorge Aragão, 1981) com a delicadeza refinada que pauta o disco de Eliana Pittman. A leveza suaviza a dor de Minta meu sonho (Jorge Aragão, 1989), samba gravado com dose precisa de eletrônica, sem cair em terreno modernoso. A modernidade contemporânea do disco salta aos ouvidos sobretudo no tons de Além da razão (Sombra, Sombrinha e Luiz Carlos da Vila, 1988), samba cuja letra poética é evidenciada no canto de Eliana Pittman em gravação sublime, de arranjo econômico, calcado na interação de guitarra com synth bass. Samba-título de álbum lançado pelo grupo Fundo de Quintal em 1987, Do fundo do nosso quintal (Jorge Aragão e Alberto Souza, 1987) dissipa qualquer traço de melancolia e celebra a comunhão popular das rodas de samba com calor e com o canto de Rodrigo Campos no coro. No fecho do álbum, lançado em edição digital pela gravadora Nova Estação e em CD pela Companhia de Discos do Brasil, Papel de pão (Cristiano Fagundes, 1990) embrulha com invólucro eletrônico a letra dolente cantada por Eliana Pittman com densidade que confirma a elevação do canto da artista em Nem lágrima nem dor, grande álbum que festeja os 80 anos da cantora com excelência que credencia o disco a figurar em futuras antologias da música brasileira pela habilidade de reapresentar o samba de Jorge Aragão com mix de respeito à obra do compositor com o frescor do som do século XXI. Seis anos após o último disco solo, Ontem, hoje e sempre (2019), Eliana Pittman abre as asas, solta a voz na medida certa e apresenta álbum que atravessará as barreiras do tempo como atestado perene das grandezas da cantora, da obra de Jorge Aragão e da produção musical de Rodrigo Campos. Eliana Pittman apresenta um disco que se revela instantaneamente antológico Samuca Kim / Divulgação