Diretora cede às críticas e filme “Geni e o Zepelim” terá protagonista trans: “Foi um erro”

Anna Muylaert admite erro ao escalar atriz cis e anuncia mudanças no elenco e no roteiro após pressão da comunidade trans

Abr 20, 2025 - 02:38
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Diretora cede às críticas e filme “Geni e o Zepelim” terá protagonista trans: “Foi um erro”

Cineasta assume falha e pede desculpas públicas

A diretora Anna Muylaert anunciou na noite deste sábado (19/4) que o papel principal do filme “Geni e o Zepelim”, inspirado na canção de Chico Buarque, será interpretado por uma atriz trans. A decisão ocorre após críticas contundentes à escalação inicial da atriz cisgênero Thainá Duarte. Em vídeo publicado nas redes sociais, Muylaert reconheceu que errou ao não escalar uma mulher trans para viver Geni. “Fazer esse filme com uma mulher cis foi um erro, foi um equívoco, quero pedir desculpas a todas as pessoas da comunidade trans que se sentiram apagadas em sua corporeidade por causa dessa ideia”, afirmou.

Ela também se desculpou publicamente com Thainá Duarte. “Eu também queria pedir desculpas para a atriz Thainá Duarte, que, por causa de uma ideia minha, foi tão exposta a haters na internet, que eu entendo que eram agressões a qualquer atriz cis que estivesse nesse papel, mas ela sofreu as agressões pessoalmente.”

A diretora comunicou que o roteiro será adaptado para que Geni seja, de fato, uma personagem trans. “Tive uma visão errada. Vamos trocar a personagem e adaptar o roteiro para uma personagem trans, a Geni”, declarou.

Atriz deixa filme em meio a ataques

Em publicação nas redes sociais, Thainá Duarte confirmou sua saída do projeto e lamentou os efeitos do episódio. “Geni será interpretada por uma mulher trans, lamento que todo esse processo tenha causado tanta dor. Reafirmo meu compromisso com a escuta, aprendizado e com a luta pela equidade! Boa sorte e todo meu carinho”, escreveu.

A atriz relatou que aceitou o papel após conversar com Muylaert, que teria explicado a intenção de fazer uma releitura da obra original, ligando o feminino à Amazônia. Segundo Thainá, a diretora garantiu que estava em diálogo com representantes da comunidade trans. Ainda assim, ela reconheceu o impacto negativo da decisão: “Sinto muito que essa escolha tenha machucado tanto a comunidade trans. Agora eu entendo melhor o tamanho dessa reivindicação.”

Thainá também revelou ter recebido ataques virtuais após o anúncio do elenco. “Estou colocando do lado de quem está ferido. Reconheço o lugar de fala, a urgência e a dor de estar pedindo pelo mínimo, que é respeito […] Mas isso não justifica alguns dos ataques que recebi, como ‘transfóbica oportunista, você é nojenta, você merece morrer’.”

Por quê personagem e gerou debate?

Antes de anunciar as mudanças, Muylaert chegou a defender a escolha original com base em uma interpretação alternativa da música de Chico Buarque. Segundo a cineasta, a personagem Geni, que aparece originalmente como travesti na peça “Ópera do Malandro”, poderia assumir diferentes simbolismos. Vale lembrar que, na montagem original d3 1986, Geni foi interpretada por Emiliano Queiroz.

“Durante o processo de criação deste filme, entendemos que a letra do Chico — e o conto do [autor francês] Guy de Maupassant, Bola de Seda, no qual o Chico diz ter se inspirado — poderiam ter várias leituras. Poderia ser uma mulher trans; poderia ser uma mãe solteira; poderia ser uma presidente tirada do poder sem crime de responsabilidade; poderia ser uma floresta atacada diariamente por oportunistas.”

A diretora afirmou que a escolha por uma prostituta cis na Amazônia se deu por “questão de lugar de fala” e convidou o público a participar de um debate sobre o tema. “Diante da reação da comunidade trans, quero vir aqui abrir o debate e jogar a pergunta: essa letra do Chico, essa poesia, o mito Geni, hoje em 2025 só pode ser interpretada como uma mulher trans?”

Segundo ela, a decisão final refletiu a escuta dessas vozes. “Se computarmos que hoje só se pode interpretar a Geni como trans, repensaremos o nosso filme”, disse. “Na verdade, a história não vai mudar, porque os corpos femininos ou trans estão sempre sob perigo.”

A reação da comunidade

Nos comentários da justificativa de Muylaert, artistas trans e aliados deixaram claro seu protesto.

A cantora Liniker escreveu: “Todo respeito ao trabalho de Thainá Duarte, mas quando trazemos a reflexão em nossos textos desde que saiu essa matéria e nos posicionamos pelo apagamento, é por espaço e oportunidade que nos colocamos, por termos atrizes trans que poderiam sim dar vida a essa personagem tão icônica.”

A atriz Camila Pitanga ponderou: “Você pode fazer o filme que quiser, com certeza… mas pondero que esta interpretação serve, sim, ao apagamento doloroso de mulheres trans. São poucos personagens com esse protagonismo. É uma escolha que fere.”

Gabriela Medeiros, que viveu a personagem Buba no remake de “Renascer”, também se pronunciou: “Essa personagem é forte para nós. Sendo que ela é sim uma pessoa trans. Somos apagadas da cultura. E esse papel ser interpretado por uma de nós é uma retratação importante.”