Crítica | Pequenas Coisas Como Estas (2024): limitado pela própria sutileza
A escolha por um tom introspectivo fortalece a jornada do protagonista interpretado por Cillian Murphy, mas o longa evita mergulhar na gravidade do tema que aborda. O post Crítica | Pequenas Coisas Como Estas (2024): limitado pela própria sutileza apareceu primeiro em Cinema com Rapadura.

As Lavanderias de Madalena foram instituições que funcionavam sob o pretexto de reabilitar mulheres que, por diversos e, por vezes, abomináveis motivos, eram consideradas inadequadas aos padrões morais da sociedade irlandesa. Porém, esses lugares acabaram se revelando parte de um sistema de exploração e abuso que permaneceu oculto por muitos anos no país. “Pequenas Coisas Como Estas”, dirigido por Tim Mielants e baseado no livro homônimo de Claire Keegan, escolhe contar essa história não pelo ponto de vista das vítimas, tampouco dos agressores, mas sim a partir do olhar de alguém até então alheio a tudo isso e que, sem querer, se depara com essa realidade e precisa decidir entre ignorá-la ou agir.
Bill Furlong (Cillian Murphy) é um homem comum de postura retraída que possui um comércio de carvão e vive uma vida simples entre o trabalho e a família. A trajetória do protagonista é apresentada de forma detalhada com um ritmo moroso que não somente reflete o cotidiano cinzento e monótono da cidade, mas também dá tempo de sobra para mostrar Bill como alguém emocionalmente fechado e incapaz de se levantar contra quem quer que seja — as constantes cenas dele lavando as mãos ao chegar do trabalho contribuem para isso, como se ele tentasse, simbolicamente, se eximir de qualquer culpa e da sujeira do mundo exterior. Cada pequeno gesto ou silêncio carrega um peso significativo na narrativa.
Essa longa rotina é quebrada quando, em uma entrega para o convento local, Bill presencia uma situação que o obriga a encarar seu próprio passado: uma jovem presa e maltratada dentro da instituição. O impacto dessa descoberta ressoa profundamente no protagonista, uma vez que descobrimos posteriormente que sua própria mãe foi uma das tantas mulheres que sofreram destinos parecidos. A ele é imposto o dilema moral de não apenas salvar uma pessoa, mas de decidir se vale a pena desafiar um sistema que há anos se mantém inquestionável.
O convento, retratado como um espaço frio e impessoal, onde a opressão é sentida, mas raramente mostrada em sua totalidade, passa a fazer parte do dia a dia de Bill. A fotografia, dominada por tons acinzentados, e o design de produção, que constrói uma cidade perpetuamente coberta por uma névoa úmida e sombria, reforçam a sensação de isolamento que permeia a história. Toda a ambientação contribui para a imersão do espectador na atmosfera de um lugar onde o passado se impõe sobre o presente e a mudança parece ser um conceito distante.
Emily Watson, em uma participação breve, mas marcante, interpreta a madre superiora do convento. Sua personagem representa o sistema que sobrevive por meio de manipulação e da conivência das pessoas, e sua interação com Bill é um dos momentos mais fortes do filme. Sem elevar a voz ou recorrer a exageros, ela estabelece uma relação de poder que deixa claro como essa estrutura se manteve intacta por tanto tempo, da mesma forma em que revive os traumas do protagonista. Cillian Murphy retrata esses sentimentos tão bem na sequência, encolhido e dobrado às vontades daquela figura de autoridade, que poderíamos compreender o passado do protagonista sem recorrer a qualquer cena mostrada anteriormente.
Apesar de tecnicamente exemplar, a maior limitação de “Pequenas Coisas Como Estas” é a forma como trata uma questão histórica grave. O diretor opta por não transformar essa narrativa em um filme-denúncia tradicional, explorando diretamente os abusos cometidos nas Lavanderias de Madalena, mas se concentrando exclusivamente no ponto de vista de Bill e no impacto emocional que essa descoberta tem sobre o protagonista. Essa decisão acaba limitando a profundidade com que o tema é explorado, uma vez que acompanhamos o despertar da consciência moral do personagem, mas pouco vemos do que acontece dentro dessas instituições. Não é por acaso que a trama se apoia na presença dos flashbacks da infância de Bill. Embora bem amarrados com os acontecimentos do presente, eles se mostram necessários para preencher a narrativa de um filme que já possui a relativamente curta duração de 1h38. Isso não seria tão crucial caso as vítimas diretas daquele ambiente ganhassem algum destaque.
Ao final, o longa entrega atuações marcantes e uma direção sensível, mas que, por sua abordagem contida, deixa a sensação de que falou menos do que poderia. Quando os créditos sobem e um letreiro traz números assombrosos sobre as Lavanderias de Madalena, há um contraste evidente entre o impacto real da história e o que foi efetivamente mostrado. Ao escolher apenas a delicadeza e a introspecção para lidar com um tema difícil, “Pequenas Coisas Como Estas” perde a oportunidade de ser tão contundente quanto sua história pede.
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