Conflitos no campo sobem, mas as mortes diminuem
Dados reunidos por entidade ligada à Comissão Pastoral da Terra mostram que, no ano passado, foram 2.185 casos de confrontos, sendo que 1.768 tiveram origem em disputas de áreas em litígio. Água também foi motivo de desavenças

Levantamento realizado pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Comissão Pastoral da Terra, registrou 2.185 casos de conflitos no campo, no ano passado. Desses confrontos, 1.768 se deram por disputa por terras — é o segundo maior número da série histórica, iniciada em 1985, atrás somente de 2023 — e 266 por conta de nascentes de água e cursos de rios. Além disso, 13 pessoas foram assassinadas em 455 atentados.
Em contrapartida, os assassinatos no campo diminuíram — emboras os fazendeiros ainda estejam por trás de 46% dos casos. Ao longo do ano passado, as ações de violência contra a pessoa foram cometidas contra 1.165 pessoas, entre elas 222 mulheres e 182 menores de idade.
A violência causada pela posse da terra soma 78% dos casos, que envolveu cerca de 904 mil pessoas. O levantamento destaca, porém, ter havido uma queda no número de despejos, ameaças de despejo, grilagens, pistolagens, destruições de pertences, expulsões, omissões ou conivências de autoridades e violações das condições de existência.
Ainda segundo o levantamento, em 2024 houve um aumento de 113% (91 casos em 2023 contra 194 no ano passado) nas ocorrências de incêndios criminosos. A região da Amazônia Legal — que abrange Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e partes do Maranhão e do Mato Grosso — tendo sido a mais afetada.
Segundo o levantamento, pelo menos 47% (91) dos incêndios criminosos e 82% (172) das ocorrências de desmatamento ilegal foram causadas por fazendeiros, grileiros, empresários e madeireiros. No total, somente os fazendeiros são responsáveis por cerca de 38% (79) dos casos.
Ayala Ferreira, dirigente nacional do setor de direitos humanos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), afirma que a ampliação de casos de conflitos por terra tem a ver com "o modelo hegemonizado no campo brasileiro", que, segundo ela, legitima o agronegócio e a existência do grande latifúndio. "Se a gente for analisar esses 1.768 casos de conflitos de luta pela terra, aconteceram na região que a gente chama de fronteira de expansão agrícola. A região do Matopiba, que envolve Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, e a região chamada Amacro, que envolve Acre, Amazonas e Rondônia", destacou.
Liliane Amorim, mediadora de conflitos no campo e na cidade da Fundação Cultural Palmares — que faz parte da estrutura do Ministério da Cultura —, diz que a regularização fundiária é o principal desafio para a efetivação dos direitos das comunidades quilombolas. Ela salienta que a regularização promove segurança jurídica e representa "um passo fundamental" na proteção dos quilombos.
Lei mais moderna
Walquíria Moraes, integrante das comissões de Direito Tributário e Agrário da OAB/MS, acredita que uma nova legislação que acelere o processo de ocupação acompanhada por órgão ou agente governamental "é fundamental". Ela critica, também, o fato de a legislação ser muito antiga e espelha "um contexto rural, social, humano e econômico completamente diferente do atual".
"O ideal seria que essa nova regulamentação se norteasse pela introdução de formas e institutos legais capazes de oferecer ferramentas equânimes, métodos, processos, procedimentos e remédios jurídicos que promovam a celeridade formal e a desburocratização no processo de desapropriação", explicou.
Questionado pelo Correio sobre a alta nos conflitos no campo, o Ministério do Desenvolvimento Agrário afirmou que, somente este ano, destinou mais de R$ 1 bilhão para as diversas formas de obtenção de terras para a reforma agrária. Já o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por meio da Câmara de Conciliação Agrária, disse acompanhar os conflitos agrários e realizar mediações em áreas onde potenciais ameaças são identificadas.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, por sua vez, informou ao Correio que atua no fortalecimento de políticas, estudos e projetos que visam o aperfeiçoamento da resposta do Estado a casos de violência.
*Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi