Carvão já mal entra no mix energético. É poluidor, mais caro e não ajuda nos apagões

Caso Portugal dispusesse de centrais geradoras de eletricidade a partir do carvão, estas não teriam sido úteis para uma recuperação mais rápida da situação de apagão, concordam os especialistas. A ministra do Ambiente e Energia afasta a hipótese de regressar a esta tecnologia poluente, embora reconheça que é preciso reforçar o sistema de forma a […]

Mai 5, 2025 - 09:02
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Carvão já mal entra no mix energético. É poluidor, mais caro e não ajuda nos apagões

Caso Portugal dispusesse de centrais geradoras de eletricidade a partir do carvão, estas não teriam sido úteis para uma recuperação mais rápida da situação de apagão, concordam os especialistas. A ministra do Ambiente e Energia afasta a hipótese de regressar a esta tecnologia poluente, embora reconheça que é preciso reforçar o sistema de forma a manter as renováveis como fonte dominante.

EPA/CLEMENS BILANEPA/CLEMENS BILAN

No momento do apagão, o carvão estava a contribuir com menos de 1% – 0,7% – para a eletricidade que alimenta os dois países, de acordo com o site da Red Eléctrica (a operadora da rede de transporte espanhola). As centrais a carvão que Espanha tem ativas estavam quase todas desligadas. A geração a carvão, instantes antes do colapso, registava 229 MW. Além disso, após o apagão, as centrais a carvão nunca foram chamadas a contribuir para a geração, permanecendo desligadas o resto do dia.

Neste sentido, se Portugal ainda tivesse em funcionamento as centrais a carvão do Pego e de Sines, “o mais certo é que estas estivessem desligadas na hora do apagão“, afirma António Vidigal, consultor da área de Energia e ex-CEO da EDP Inovação. Para serem reativadas, seriam necessárias horas, pelo que “não teriam ajudado nada” no que diz respeito ao colapso, indica o mesmo.

Não se percebe em que medida é que a existência e operação das centrais a carvão à hora que ocorreu o apagão pudesse evitar o apagão, na medida em que elas não estariam a funcionar“, corrobora o consultor de Energia e ex-secretário de Estado João Galamba.

"Não se percebe em que medida é que a existência e operação das centrais a carvão à hora que ocorreu o apagão pudesse evitar o apagão, na medida em que elas não estariam a funcionar.”

João Galamba

Consultor de Energia e ex-secretário de Estado da Energia

A Selectra concede que as centrais a carvão “poderiam ter contribuído para estabilizar o sistema” num primeiro momento, mas ressalva que como a sua reativação não é imediata, “não são ideais para recuperação rápida“.

Os pouco mais de 200 megawatts que as centrais a carvão estavam a injetar na rede no momento do colapso, comparam com 17.657 MW de energia solar fotovoltaica e 982 MW das centrais de ciclo combinado.

O “jogo de forças” mudou bastante após o apagão: nada de carvão, apenas cerca de 7.800 MW de solar (que foi decrescendo até ficar abaixo de 1000 MW, já depois da meia noite). Por outro lado, as centrais a gás de ciclo combinado foram reforçando a sua presença no mix desde os 326 MW, nas primeiras horas do apagão, até mais de 8000 MW ao final do dia. A energia nuclear, que até ao sistema ir abaixo contribuía com cerca de 3000 MW, também não voltou a injetar nesse dia.

Os pouco mais de 200 megawatts que as centrais a carvão estavam a injetar na rede no momento do colapso, comparam com 17.657 MW de energia solar fotovoltaica e 982 MW das centrais a gás de ciclo combinado.

Eletricidade a carvão perde pelo preço

A razão para as centrais a carvão serem pouco solicitadas é o preço desta eletricidade, muito acima do de fonte renovável. De acordo com a Aleasoft Energy Forecasting, uma empresa espanhola que analisa os mercados de energia, “o custo de gerar eletricidade com carvão é significativamente superior ao de gerá-la com energias renováveis, especialmente em mercados com grande penetração de vento e solar“.

No dia do apagão, continua a Aleasoft, o preço grossista da eletricidade (ou seja, o preço a que os produtores a vendem em mercado) estava nos 18,50 euros por megawatt-hora, “dada a abundante geração eólica e solar”. Contudo, gerar eletricidade a partir do carvão no mesmo diapoderia custar mais de 100 euros por megawatt-hora“, dado o preço da matéria-prima, que se situa entre os 90 e os 100 euros por tonelada, e ao qual se soma o custo das licenças de emissão de dióxido de carbono (CO2), que também é pago por estas centrais, e que ronda os 60 a 70 euros por tonelada de CO2.

"O custo de gerar eletricidade com carvão é significativamente superior ao de gerá-la com energias renováveis, especialmente em mercados com grande penetração de vento e solar.”

Aleasoft Energy Forecasting

Conforme partilhado por fonte do setor, o preço definido esta sexta-feira para a eletricidade gerada através do carvão em Espanha, para o dia seguinte, ronda os 95 euros por MWh. O valor difere, contudo, consoante o rendimento da unidade de produção — uma central mais antiga pede provavelmente um preço mais elevado que uma mais moderna, mais eficiente. Os 95 euros por MWh correspondem a uma central padrão, com 30% de eficiência. Este preço significa que caso existam ofertas acima de 95 euros a central a carvão lucra, enquanto abaixo deste valor teria prejuízo.

De acordo com a mesma fonte do setor, há cerca de duas semanas, o carvão chegou mesmo a marcar os 200 euros por MWh. Preços estes que contrastam com o cenário antes da guerra na Ucrânia, quando os preços rondavam os 60 euros por MWh.

Aposta mantém-se na energia renovável. Há formas de colmatar falhas

A ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, confrontada sobre se as centrais a carvão que fecharam em Portugal em 2021 – Sines e Pego – teriam sido úteis no contexto do apagão, reconheceu que poderiam ter sido desligadas de “forma mais progressiva”.

A mesma defende que “temos de olhar para o futuro e o que vamos fazer é manter as renováveis, os ciclos combinados [a gás] e as [centrais] hídricas”, ao mesmo tempo que se aumenta a armazenagem e se torna a rede “mais moderna e digitalizada”. As seis centrais a gás natural de que o país dispõe “são muito importantes para o sistema” e “são para continuar”, assegura.

Temos de olhar para o futuro e o que vamos fazer é manter as renováveis, os ciclos combinados [a gás] e as [centrais] hídricas.

Maria da Graça Carvalho

Ministra do Ambiente e Energia

No que diz respeito às centrais a carvão, é perentória: “São altamente poluidoras e estão desmanteladas. Não é possível [voltar atrás], não faz sentido, já não existem”, rematou.

Sobre se o mix energético atual e a elevada penetração de renováveis deixa o sistema mais suscetível a este tipo de eventos, António Vidigal responde que “tem de ser gerido e há formas de o gerir”, através de novas tecnologias. Por exemplo os inversores, dispositivos que controlam a potência que é injetada na rede, podem atuar no sentido de contrariarem grandes oscilações, como aquela que ditou o apagão.

Imagem espelhada das chaminés da Central a carvão do Pêgo, onde população e funcionários do Pego vivem divididos, entre sentimentos de perda e o otimismo, um ano após da desativação da central, em Abrantes, a 23 de novembro de 2022. A central produziu energia elétrica a partir de queima de carvão pela última vez em 19 de novembro de 2021 e encerrou no dia 30 do mesmo mês. PAULO CUNHA/LUSAPAULO CUNHA/LUSA

Na ótica da Selectra, “mais do que regressar ao carvão, a discussão deve centrar-se em como garantir estabilidade com tecnologias limpas e sustentáveis”.

João Galamba reitera que o problema não é a aposta em renováveis e o encerramento de centrais a carvão, ou a não aposta adicional no nuclear. São antes “exigências decorrentes de sistemas elétricos crescentemente complexos, que implicam adaptação e modernização dos procedimentos, das tecnologias utilizadas para garantir a operação estável e segura do sistema”.

Em termos de energias não intermitentes que pudessem ajudar a evitar um apagão, António Vidigal aponta ainda outra hipótese: centrais a gás, mas não as de ciclo combinado, que existem de momento tanto em Portugal como em Espanha. E sugere as chamadas de ciclo aberto ou simples, “que arrancam em cinco minutos”. O rendimento destas centrais é inferior ao das de ciclo combinado, o que justifica que não existam de momento na Península. Contudo, para situações de alarme como esta, podem ser uma “alternativa a estudar”, afirma.