“Apenas 4 segundos”
Às 23h30 do dia 4 de março de 2023, uma bartender trans do Rabo di Galo, sofisticado bar localizado dentro do Hotel Rosewood, em São Paulo, estava com as duas mãos ocupadas preparando coquetéis quando viu chegar o colombiano Alexander Marsh Thomson Payán, sócio do empresário francês Alex Allard no complexo Cidade Matarazzo. O homem alto e moreno entrou no bar e, então, ocorreu o seguinte: “Ele me abraçou por trás, fazendo movimentos repetitivos de me encoxar e beijou meu pescoço. Congelei na hora”, relatou a bartender em entrevista à piauí no fim de março deste ano, realizada em um café na região da Avenida Faria Lima, em São Paulo. Thomson tinha acesso à área interna do bar, que frequentava sem pagar. Suas despesas iam para a conta de Allard, cujas peripécias foram narradas na edição deste mês da piauí. Dois dias depois do assédio, houve uma reunião com o RH do Rosewood, que havia checado as imagens da câmera de segurança. Mas o RH lavou as mãos. Disse que poderia colocar a bartender em contato com Thomson, para que ele lhe pedisse desculpas, mas não poderia fazer nada além disso. A bartender se recusou a fazer contato com Thomson e registrou um boletim de ocorrência. Dias depois, acabou transferida do Rabo di Galo para o bar da piscina no térreo, o Emerald Garden Pool & Bar, muito frequentado, exatamente, por Thomson. The post “Apenas 4 segundos” first appeared on revista piauí.

Às 23h30 do dia 4 de março de 2023, uma bartender trans do Rabo di Galo, sofisticado bar localizado dentro do Hotel Rosewood, em São Paulo, estava com as duas mãos ocupadas preparando coquetéis quando viu chegar o colombiano Alexander Marsh Thomson Payán, sócio do empresário francês Alex Allard no complexo Cidade Matarazzo. O homem alto e moreno entrou no bar e, então, ocorreu o seguinte: “Ele me abraçou por trás, fazendo movimentos repetitivos de me encoxar e beijou meu pescoço. Congelei na hora”, relatou a bartender em entrevista à piauí no fim de março deste ano, realizada em um café na região da Avenida Faria Lima, em São Paulo. Thomson tinha acesso à área interna do bar, que frequentava sem pagar. Suas despesas iam para a conta de Allard, cujas peripécias foram narradas na edição deste mês da piauí.
Dois dias depois do assédio, houve uma reunião com o RH do Rosewood, que havia checado as imagens da câmera de segurança. Mas o RH lavou as mãos. Disse que poderia colocar a bartender em contato com Thomson, para que ele lhe pedisse desculpas, mas não poderia fazer nada além disso. A bartender se recusou a fazer contato com Thomson e registrou um boletim de ocorrência. Dias depois, acabou transferida do Rabo di Galo para o bar da piscina no térreo, o Emerald Garden Pool & Bar, muito frequentado, exatamente, por Thomson.
Ela conta que, um dia, ele se aproximou em tom ambíguo, a meio caminho entre um pedido de desculpas e uma ameaça, e informou que sabia dos seus dois parentes que também trabalhavam no Cidade Matarazzo. Ela desconfia que ele usava óculos que gravam imagens e áudio. A sequência de agruras fez com que ela adquirisse sintomas de síndrome de burnout, depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Ela afastou-se do trabalho cerca de dois meses após o assédio e contratou a advogada Kimberly dos Santos, especializada em direitos da população trans.
A bartender moveu e ganhou, em primeira e segunda instâncias, a ação por transfobia, assédio sexual e danos psiquiátricos. A desembargadora Catarina von Zuben, do Tribunal Regional do Trabalho, aumentou a multa de 17 mil para 80 mil reais e escreveu: “A reclamante não silenciou. Reportou as investidas […] ao setor de RH, mas apenas foi realocada para trabalhar em outro local do hotel, em que continuaram as investidas do referido senhor. Inequívoca a conduta ilegal e irregular da empregadora, que ao invés de proteger a funcionária optou por ser conivente com o agressor.” Cabe recurso.
Na esfera penal, onde era processado pelo crime de importunação sexual em decorrência do B.O. lavrado pela bartender, Thomson venceu. O juiz Augusto Antonini, da 28ª Vara Criminal, reconheceu o ato até porque existem imagens da câmera de segurança – abraço por trás e beijo no pescoço –, mas entendeu que configurava um mero cumprimento, de acordo com o relato das testemunhas (algumas delas, funcionárias do estabelecimento).
De acordo com o despacho do juiz: “Os fatos narrados na denúncia duraram apenas 4 segundos, quando o denunciado apenas teria abraçado a vítima por trás e lhe dado um beijo no rosto ou pescoço, saindo rapidamente do local.” Também cabe recurso. A bartender vai recorrer e não se conforma com a decisão. “Então em ‘apenas’ 4 segundos uma mulher não pode ser assediada ou até mesmo estuprada? Precisa de quanto tempo para configurar um crime?” O juiz entendeu que o cumprimento não configurou a importunação sexual (abraçar por trás, encoxar e beijar o pescoço), mas causou ainda mais repulsa na vítima o uso da frase “apenas 4 segundos” na decisão.
Thomson também foi acusado por dois homens funcionários do Cidade Matarazzo de ter cometido assédio sexual. Allard garante que afastou Thomson assim que soube dos três casos de assédio. “Imediatamente ele foi demitido da função do Conselho de Administração”, disse. “Ficou só com a consultoria. E depois dessa coisa com a bartender, não renovamos o contrato dele.” Thomson negou qualquer comportamento impróprio. Por WhatsApp, disse que as “três acusações falsas ocorreram coincidentemente dentro de um intervalo de 24 horas”, sugerindo alguma combinação.
Disse que os dois homens retiraram as acusações – sem especificar de onde teriam sido retiradas – e, no caso da mulher trans, disse que “os advogados da acusadora insistentemente me ofereceram acordos financeiros”. Completou: “Eu recusei por saber da minha inocência.” (A bartender nega que tenha tentado qualquer acordo financeiro.) Thomson, que é cônsul honorário da Colômbia em Angola, conta que conheceu Allard em Davos, na Suíça, há três anos. “Desde então, viramos grandes amigos”, diz. “Larguei tudo. Em janeiro de 2023, me mudei em definitivo para São Paulo e mergulhei 100% no projeto. Na época, sem nenhum contrato formalizado. Fiz por amor e convicção, não por dinheiro. Quero que você entenda como enxergo esse projeto e por que acredito tanto nele. Todo mundo quer ser ‘verde’, mas poucos realmente são. Usamos energia renovável, todos os materiais são nacionais, mas não falamos disso como marketing. É quem somos.” Os casos de assédio, no entanto, abalaram a amizade entre os grandes amigos.
O Rosewood diz repudiar qualquer conduta inapropriada e diz não tratar publicamente de nenhum caso que esteja sendo discutido na justiça.
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