Ao vivo: Marina Mole e gueersh no Mamãe Bar, em São Paulo

Marina Mole fez um show que sinaliza caminhos para seu segundo disco. Já a gueersh segue sendo ser imprevisível, esquisito e profundamente catártico.

Abr 22, 2025 - 19:33
 0
Ao vivo: Marina Mole e gueersh no Mamãe Bar, em São Paulo

texto de Alexandre Lopes
fotos de Isabella Pontes

Na mesma sexta-feira (11), no Allianz Parque, Gilberto Gil faria, para mais de 50 mil pessoas, o primeiro de quatro shows praticamente sold out em São Paulo despedindo-se das turnês. No mesmo horário, no bairro do Bixiga, a Bazuros lançava seu disco “Mucha Lucha, Poca Plata” no Sol y Sombra, o Urian Heep fazia show no Tokio Marine Hall e mais de uma dezenas de artistas se apresentava pela cidade. No Mamãe Bar, casa na Barra Funda que surgiu em 2023 e vem abrindo espaço para shows, Marina Mole e gueersh eram as atrações.

Marina Mole

No inferninho do Anexo do Mamãe Bar, Marina Mole, a persona musicista da artista Marina Milhomem, abriu a noite em mais um capítulo que começou com o disco “Perdi As Track Só Tem Demo” (2022), lançado pela Seloki Records. Mas o que se viu ali foi bem diferente da sonoridade da estreia caseira e introspectiva: guitarras na linha de frente, suor escorrendo e um espírito bem mais urgente. “Chega pra cá, por favor, tem como chegar pra cá?”, ela chamou a plateia, logo no início do show. Este era mais que um pedido de proximidade: era um convite para entrar numa dança envolta por suas letras vulneráveis e um som que flertava com punk, surf music e post-punk.

No setlist, cerca de dez composições inéditas tocadas com força por uma banda afiada formada por Cleo (bateria), Lucas Monch (baixo) e Vitor Wutzki (guitarra e backing vocals). Com uma pintura no rosto que lembrava um elo perdido entre o Coringa e o Teatro Mágico, Marina cantava letras que transitavam entre a ironia e a dor de amores desperdiçados. “Deve Ser Amor”, “Slow Dancing” e “Terrível” alternavam sarcasmo, ansiedade e alguma poesia brega, explodindo com distorções e batidas nervosas que pareciam feitas para exorcizar seus próprios fantasmas.

Marina Mole

Porém, a performance não escapou de um tropeço técnico: os vocais de Marina ficaram baixos em boa parte da apresentação — especialmente para quem estava mais ao fundo da casa. Num som onde as palavras importam tanto quanto os riffs, ficou faltando esse devido cuidado com o volume da voz. Mas mesmo assim, a equalização não apagou a entrega da vocalista, que se esgoelava enquanto dedilhava sua guitarra.

O gran finale veio com “Coração Remendado”, faixa que parecia costurar em linhas tortas o indie, punk e páginas de um diário rasgado. Ainda antes do final, Marina largou as seis cordas e o microfone para se lançar à plateia e participar de uma animada roda de pogo. Se o primeiro disco tinha um clima de demos gravadas em um computador num quarto escuro, o show no Mamãe Bar mostrou que seu próximo lançamento promete rocks acelerados e vocais exaltados.

Já passava da 1h da manhã quando a gueersh subiu ao palco do Mamãe Bar, assumindo a difícil missão de acender a chama da plateia que ficou para vê-los. Mas o público que permanecia ali, embora ligeiramente menor – consequência direta do atraso na programação – foi agraciado com grandes doses de barulho, improvisos e microfonias.

gueersh

O quinteto formado por Lívia Gomes (voz, synths), David Dinucci (guitarra), Guilherme Paz (guitarra, voz, percussão), Thomaz Alves (baixo) e Igor Arruda (bateria) entregou um belo exemplo de “caos controlado”. Logo na introdução, aconteceu um gesto que resume bem o espírito da gueersh: a distribuição de flautas de plástico para o público, acompanhada do convite para que todos somassem seus sopros à massa sonora que se formava no palco. O que começou de maneira tímida, logo se tornou uma cacofonia ensurdecedora, até que o baterista Igor anunciasse o início de “Brasileirinhe” com uma virada de bateria. “Marra” – a canção que ganhou um videoclipe caprichado – foi bem recebida, seguida por uma série de composições inéditas que devem integrar o sucessor de “Interferências na Fazendinha” (2024).

O novo material manteve o equilíbrio instável (e instigante) entre improvisação e indie rock, com arranjos que oscilavam entre a precisão de guitarras conversando entre si e a imprevisibilidade de um free jazz. E falando em jazz, a participação especial do saxofonista Rômulo França costurou o set com ainda mais textura ao som do grupo, reforçando a estética que a banda vem construindo entre o art rock, um “noise tropicalista” e a liberdade de não poder ser limitado a apenas um rótulo musical.

gueersh

Mas assim como Marina Mole, a gueersh também sofreu com a má-equalização do som da casa: novamente, os vocais foram engolidos pelas camadas instrumentais em diversos momentos – o que, no caso da banda, até contribuiu para acentuar a atmosfera viajante da performance, mas que ainda assim deixou de dar corpo aos tons mais altos dos vocais de Lívia. O ápice da performance veio no final, com uma versão ainda mais livre e incendiária de “Vaninha Perereca”, faixa que figurou entre as Melhores Músicas Nacionais de 2024 do Scream & Yell.

Entre microfonias prolongadas, delays intermitentes e danças desconjuntadas, o encerramento parecia mais uma convocação para o transe geral de todos os presentes – tanto no palco quanto na plateia. Na madrugada adentro, a gueersh mostrou que seu experimentalismo pode ser dançante, hipnótico e comunitário. Quem ficou até o fim da noite saiu com a certeza de que o underground ainda sabe ser imprevisível, esquisito e profundamente catártico.

– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br