Anos 2000 de volta? Os sinais do culto à magreza extrema estão por toda parte

A pressão para ser ultramagra voltou, mas quais as consequências disso para quem trabalha com a imagem, é plus size e prega a importância dos corpos diversos?

Abr 15, 2025 - 16:34
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Anos 2000 de volta? Os sinais do culto à magreza extrema estão por toda parte

A magreza extrema está de volta. Se você olhar ao redor, já deve ter notado os sinais. Passarelas, vitrines e campanhas que, a lentos passos, haviam começado a incluir corpos de tamanhos variados, rapidamente voltaram a exibir exclusivamente modelos esqueléticas. 

Primeiro, a mudança apareceu nos desfiles. Ainda em 2021, Fendi, Versace e Balmain incluíram peças de cós extremamente baixo em suas criações. Na mesma época, as modelos Kendall Jenner, Bella Hadid e Hailey Bieber passaram a exibir o umbigo e até os ossinhos do quadril nos looks — tal qual nos primórdios dos anos 2000, lembra?

Depois, foi a vez das minissaias ultracurtas voltarem às vitrines em 2022. Pernas finíssimas começaram a despontar nas ruas por toda parte.

Como não poderia deixar de ser, no ano seguinte, o número de modelos curve e plus size que atravessaram as passarelas das semanas de moda de Nova York, Londres, Milão e Paris despencou.

Apenas 68 marcas incluíram corpos gordos nos seus desfiles de 2023, uma diminuição de 23%, segundo a plataforma de dados de moda Tagwalk. Por isso, não foi surpresa quando famosas que já eram magras apareceram com tamanhos ainda menores.

Hoje, é comum entrar em redes sociais como o TikTok e se deparar com áudios do tipo “magras, magras, magras!”, receitas milagrosas para emagrecer e até mesmo xingamentos para pessoas gordas. “Diversas trends agora valorizam tudo que envolve perder peso a qualquer custo”, comenta a influenciadora Laura Pace.

Também ganharam força as discussões do X, antigo Twitter, que enaltecem transtornos alimentares. São grupos formados principalmente por meninas e mulheres que xingam quem tem mais centímetros na cintura do que é considerado bonito e ainda ensinam como praticar bulimia e anorexia.

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Influenciadoras plus size são menos procuradas e recebem menos

Influenciadoras com corpo plus size reclamam por receber menos que influenciadores com corpo magro
Elle Valias diz não receber o mesmo que influenciadoras com corpo magroFoto/ Vanessa Marchini/ Colagem/ Catarina Moura/Divulgação

Essa nova onda da magreza tem afogado pessoas que trabalham com a imagem e não são mignon. “Sou um dos maiores nomes da moda plus size no Brasil, sempre fiz revistas, tenho seis capas, participei de editoriais, filmes, desfiles e campanhas, mas não trabalhei como modelo no ano passado”, diz Letticia Munniz , modelo, criadora de conteúdo e apresentadora. Isso não aconteceu só com ela.

“Muitas amigas me contaram que as agências não exigiram que elas emagrecessem, mas deixaram claro que os tamanhos estão diminuindo. Se quisessem continuar trabalhando, precisariam perder peso”, diz ela. Laura Pace também sentiu as mudanças: “Não sei se é por causa do meu conteúdo, mas ultimamente eu não tenho tido muita procura também”. 

Mesmo quem não trabalha com moda experimenta o impacto do culto à magreza. A influenciadora esportiva Ellen Valias depende de seu conteúdo — e de sua imagem — para conseguir publis, mas nem todo o esforço garante os trabalhos ou a remuneração que as pessoas magras recebem.

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“As marcas não me procuram da mesma forma que procuram influenciadores relacionados ao esporte com corpos magros, como também não me pagam da mesma forma quando fecham algo comigo”, comenta.

Embora diversas empresas não hesitem em se associar a fisiculturistas ou influenciadores que usam esteroides, algo prejudicial à saúde, boa parte deles não quer corpos gordos atrelados a seu marketing, porque representariam um estilo de vida não saudável, diz ela.

Culto à magreza é fenômeno antigo

O culto a magreza tem afetado influenciadoras, artistas e pessoas não famosas
Culto à magreza deixa marcas emocionais em quem não tem corpo magroFotos/ Anderson Marques/ Colagem/ Catarina Moura/Divulgação

O culto à magreza não é exatamente novo. Nos anos 1990, a estética heroin chic exaltava o corpo magro — e todos os meios para mantê-lo, inclusive usar drogas como a heroína. A cultura das top models, de Kate Moss a Gisele Bündchen, pautava o padrão de beleza. Não por acaso, mulheres comuns embalaram no desejo pela magreza e muitas entraram para o universo dos transtornos alimentares.

“Comecei a ter bulimia aos 10 anos, depois de aprender na internet. O mundo empurra a gente para isso, e no meu caso havia um agravante: eu queria ser artista. Ligava a TV, abria revistas e via que, com meu corpo, não conseguiria”, conta Letticia.

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Ela teve vício em laxantes, desenvolveu compulsão alimentar e viveu quase duas décadas com vergonha da própria imagem. “Queria ter muitos corpos e nenhum deles era o meu. Passei 18 anos sem sentar à mesa e sentir prazer em comer. Sempre tinha culpa, raiva de mim mesma por ter comido e pensava que aquilo ia me engordar e o que eu faria depois para emagrecer”, revela.

Quase tudo mudou nos anos 2010, no entanto. A socialite Kim Kardashian tinha o novo corpo do momento: cintura fina, bumbum avantajado e peitos grandes. Nessa mesma época, o discurso do body positive, movimento que estimula a aceitação de todos os corpos, ganhou fôlego e, com a pressão por mais diversidade, as marcas passaram a incluir roupas para pessoas maiores. 

“Me lembro de ver a [modelo] Ashley Graham e, pela primeira vez, achar um corpo parecido com o meu bonito”, lembra Letticia, que não luta contra a própria imagem desde então e passou a criar conteúdos sobre o tema nas redes sociais. Era o boom das modelos plus size. Elas estampavam capas de revistas, compunham o time de agências e participavam de campanhas publicitárias de Nike até Dolce & Gabbana, Michael Kors e Versace.

A resposta foi positiva. Não só as roupas esgotavam, como mulheres que passaram a vida se punindo por ter corpos gordos entenderam suas dores. “Minha meta todo ano era emagrecer, e isso me causou muito sofrimento. Uma parte da minha família dizia: ‘Seu rosto é tão lindo, você deveria perder peso’. Com o tempo, fui entendendo que a raiz do problema é a pressão estética, que a gente é ensinado a não se gostar. Sempre me alimentei bem e pratiquei exercícios físicos, eu apenas não sou magra”, pontua Laura.

Moda plus size de fachada

Quando a modelo plus size Paloma Elsesser, estampou a capa da revista iD usando a minissaia da Miu Miu, em 2022, a imagem causou furor. Se antes o modelito era exclusivo para pessoas magras, agora faria parte também do guarda-roupa de corpos gordos. Pelo menos, foi o que os consumidores pensaram ao ver a publicação. Bastou que fossem às lojas da etiqueta, porém, para descobrir que a minissaia só estava disponível até o tamanho 46.

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Essa lógica é compartilhada, com mais ou menos sinceridade, por diversas empresas. O mercado de luxo (mas não só ele) muitas vezes se apoia na desculpa de que não tem consumidores de tamanhos maiores e não seria lucrativo criar coleções para esse público. Mas os dados confrontam essa ideia. Segundo a Associação Brasileira do Vestuário, a moda plus size registrou um movimento de 7 bilhões de reais no Brasil entre 2018 e 2019.

Então por que etiquetas, que antes aderiram ao movimento, agora o deixaram de lado? Enquanto o marketing era elogiado, exibir corpos curve e plus size era vantajoso, mas, com a perda de fôlego do movimento, tudo mudou. “Muitas marcas só surfaram na onda da diversidade porque estava ‘em alta’ e, agora que o assunto esfriou, estão voltando ao padrão de sempre. A diferença é que já vimos o que é possível, então não dá mais para aceitar menos”, comenta a influenciadora Bell Rocha.

Com o retorno da magreza, influenciadoras estão sendo menos procuradas pelas marcas
Bell Rocha acredita que a moda plus size foi estimulada pelas marcas enquanto o marketing lucrava com o temaFotos/ @ladeira/ Colagem/ Catarina Moura/Divulgação

Há, entretanto, um grande empecilho: “Existe uma indústria da magreza que lucra com as pessoas gordas se sentindo mal com seus corpos”, reflete Ellen. Com o desejo da magreza instalado, é mais fácil gastar com tratamentos, coaches e até retiros para emagrecer. Nada disso acontece sem deixar rastros. Transtornos alimentares, abuso de substâncias para emagrecimento e, consequentemente, risco de morte entram na conta da magreza extrema.

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“Quem não tem esse biotipo vai se maltratar, fazer loucuras, viver à base de remédios, passar fome. Vai passar 24 horas do dia obcecada com isso, como eu já passei. Ninguém merece viver assim. Enquanto a gente conversa, há uma menina de 10 anos, como eu fui, descobrindo transtornos alimentares porque se odeia. Mais do que o impacto profissional e financeiro [causado pela menor procura por pessoas com corpos não magros], porque, claro, tenho contas para pagar, o que mais me dói é ver tudo o que construímos com tanta dificuldade durar tão pouco”, termina Letticia.

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