Amerzone – The Explorer’s Legacy – Review

Estávamos na segunda metade dos anos 1990 quando os adventure games começaram a ganhar novos contornos depois de um período meio turbulento. A era de ouro do gênero, simbolizado pelo auge e pela decadência da antiga LucasArts tinha passado, e o mercado, sobretudo nos PCs, já estava de olho em outras formas de se experimentar …

Abr 22, 2025 - 19:38
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Amerzone – The Explorer’s Legacy – Review

Estávamos na segunda metade dos anos 1990 quando os adventure games começaram a ganhar novos contornos depois de um período meio turbulento. A era de ouro do gênero, simbolizado pelo auge e pela decadência da antiga LucasArts tinha passado, e o mercado, sobretudo nos PCs, já estava de olho em outras formas de se experimentar uma boa narrativa interativa. Foi aí que a perspectiva de navegação tridimensional surgiu como um respiro de renovação.

Se Myst (1993) foi um dos maiores marcos históricos desta nova forma de exploração, logo surgiriam propostas cada vez mais interessantes, tal como o sempre celebrado Grin Fandango (1998), e dentre outros tantos com sua relevância, Syberia (2002) costuma ser uma das marcas mais cultuadas pelos entusiastas do formato. Criado pelo quadrinista belga Benoît Sokal, a série se destacou pela ambientação mais madura e pela estruturação que buscava por um equilíbrio entre a resolução de puzzles e exploração.

O autor despontou como game designer um pouco antes, porém, em sua primeira parceria com a Microids que resultou em Amerzone: The Explorer’s Legacy (ou simplesmente L’Amerzone), baseado em uma história original dele mesmo publicada em formato HQ em 1986 chamado Inspector Canardo. O game foi relativamente bem recebido na época por público e crítica e estabeleceu alguns dos principais paradigmas que mais tarde seriam amadurecidos em Syberia, embora esteja longe de ter alcançado o mesmo reconhecimento ou popularidade.

Mais de 25 anos depois de seu lançamento original, eis que a mesma Microids lança uma nova versão do jogo, um remake bastante fiel aos princípios originais que felizmente consegue ir para muito além de uma simples atualização gráfica. Se uma repaginada no estilo visual obviamente se mostrava necessária para apresentar a narrativa para uma nova geração, é no formato da jogabilidade onde está sua verdadeira modernização.

Em primeira pessoa, no game propositalmente nos leva a uma ilha misteriosa sem muito contexto de como ou do porquê, e atuando como um jornalista sem voz, somos guiados a adentrar o farol do local e encontrar um sujeito já em seus últimos suspiros chamado Alexandre Valembois, um explorador veterano que nos conta sobre suas aventuras na tal ilha Amerzone, de onde ele surrupiou um artefato valiosíssimo, um ovo dos sagrados pássaros brancos típicos do local.

Ao nosso personagem, resta aceitar a missão de retomar e finalizar a jornada interrompida de Valembois, devolvendo o tal ovo ao seu lugar de origem para desfazer assim os males causados pelo roubo. O que vamos descobrir pelo caminho são que os mistérios muito mais profundos envolvidos nesta jornada vão exigir uma boa capacidade para solução de enigmas, bem como um compromisso emocional muito além das expectativas.

A tarefa nos exigirá, assim, um trabalho investigativo bastante acentuado, nos fazendo procurar por pistas, fragmentos de algo muito mais complexo do que aparenta, por todos os cantos por onde passamos. Tal como o gênero bem estabeleceu, qualquer fotografia pode conter o maior dos segredos, qualquer buraco na parede pode ser a linha tênue entre o sucesso absoluto ou a incompletude da tarefa.

E se esta exigência na exploração das minúcias é características fundadora de um bom adventure game, o sistema de movimentação também não deixa a desejar quando considerados seus princípios fundantes. Nossa movimentação pelos cenários, por mais amplos que sejam, não é livre, e nos locomovemos por meio de setas e direções pré-estabelecidas e selecionadas via cursor.

Ou seja, é o bom e velho modelo de apontar para uma direção, clicar e assistir o personagem indo automaticamente até lá. O mesmo vale para os pontos de interesse e objetos interativos, que devem ser encontrados primeiro, com a mudança de forma do cursor indicando a ação possível. Por vezes, só um clique é o suficiente. Em outros casos, há um movimento de alavanca ou algo assim a se fazer com os direcionais, como puxar algo ou girar um dispositivo de rosca.

Vários objetos são coletáveis, normalmente para serem utilizados em dispositivos ou painéis, e são acionados por um inventário que só se abre quando o espaço selecionado é propício, o que significa, em outras palavras, que você não pode tentar usar um disquete no telefone ou um slide em uma alavanca, por exemplo. Tudo é muito bem sinalizado por meio de uma iconografia eficiente graças a uma interface que funciona muito bem mesmo considerando o controle pelo DualSense.

Nem por isso, entretanto, a solução de puzzles é automatizado, porque há que se ter uma atenção redobrada em cada informação revelada. Um número destacado no documento aleatório que encontramos sob o pé da mesa pode ser a resposta que vai travar a progressão. Fazer as conexões lógicas é o maior e mais atrativo desafio de Amerzone – The Explorer’s Legacy. Se não é exatamente pelo confronto, uma vez que não há mecânicas de embate contra inimigos, é pela provocação intelectual e pela promessa do que está por vir que o jogo nos leva até o fim.

Vistos pelo prisma dos dias atuais, estes quebra-cabeças podem parecer simplórios e, em alguns casos, até meio óbvios demais, limitando-se a algumas receitinhas de bolo. Aperte aqui, use uma chave inglesa ali para abrir um parafuso, encontre uma data importante acolá para a senha de um cofre… são todas coisas que já compreendemos bem, exceto por uma ou outra raras exceções que exigem um pouco mais de criatividade resolutiva.

Considerando o tipo de suporte mais convencional dos dias atuais e com um certo receio de empacar jogadores menos pacientes, há algumas facilitações que podem deixar tudo ainda mais confortável. O caderno de anotações do nosso herói conta com alguns níveis de sugestões que podem ajudar a encontrar respostas que podem ter passado despercebidas, por vezes com uma primeira dica indireta e uma segunda totalmente explícita.

O maior desafio, portanto, está em evitar os atalhos, seja partindo diretamente para o modo Explorador, o mais difícil entre os possíveis, ou simplesmente ignorando a ajuda que só se abre se assim desejarmos. Por mais sedutor que seja buscar uma resposta rápida, as soluções são na sua grande maioria dedutíveis, lógicas e bem construídas o suficiente para que tenhamos a confiança da descoberta pelo mérito próprio.

O incentivo ao colecionismo, felizmente, está para além das orientações, e muitos artefatos podem ser somente contextuais, explicando um pouco mais da história do local, de seus habitantes e de seus mitos. A interface é muito competente em organizar todo o que encontramos em um visual pesado, cheio de informações, mas agradável e bem estruturado, usando de uma caligrafia muito adequada para o universo estabelecido.

A soma entre o incentivo à exploração e a pulverização de informações (as objetivas e as complementares), cerne deste tipo de aventura, funciona bem no jogo graças a um bom design de níveis que constrói os ambientes de modo que o encadeamento de eventos pareça o mais fluido possível, e mesmo quando utiliza do velho artifício do backtracking, o faz sem parecer uma forma forçada de estender aquela solução para além do necessário.

Isso acontece também porque nosso trabalho é dedicado a desvendar uma história já estabelecida, atuando muito mais como um repórter investigativo do que como propriamente um agente de transformação na grande maioria do tempo, o que significa que estamos revivendo a história de outras pessoas, não vivendo a nossa própria.

Esta verdadeira arqueologia narrativa é o estilo de reconstrução de histórias perdidas que funciona como um grande mosaico fragmentado que nos desvela o painel completo somente no final, quando as peças se encaixam em um ótimo movimento de retroalimentação em camadas. Saber sobre a vida pessoal de Valembois para depois nos depararmos com seus vestígios é, por exemplo, uma evidência da escrita de roteiro certeira em sua proposta.

Redação esta abrilhantada por uma reconstrução estética de encher os olhos, sobretudo no que se refere às paisagens dignas de verdadeiros cartões postais, belas construções e texturas incríveis que justificam o trabalho de recriação deste universo que esbanja natureza, construções antigas e outros ambientes cheios de detalhes que se engrandecem por um sistema de iluminação global excelente.

A representação de personagens e criaturas vivas, porém, fica aquém na comparação com os outros aspectos. Todos os NPCs, incluindo pessoas com quem dialogamos em poucas, mas importantes cenas, são um tanto quanto robóticos e pouco expressivos, enquanto a fauna de Amerzone parece composta por alguns bichos que se movimentam bem quando vistas ao longe, mas de perto mais parecem autômatos artificiais, e todo o efeito de deslumbramento e surpresa são comprometidos pela aparência robótica.

A trilha sonora, se não é especialmente marcante, trabalha para valorizar a sensação constante de descoberta e deslumbre, enquanto os diálogos ficam longe de transpor emoções ou intensidade, o que traduz produções de época centradas no período histórico aqui retratado. Não espere, portanto, grandes interpretações ou sutilezas na caracterização dos personagens, mas sim posicionamentos arquetípicos e meramente funcionais.

A falta de uma localização para o nosso português brasileiro ao menos em legendas é uma verdadeira lástima considerando que um jogo com foco na trama perde praticamente todo seu apelo se não for bem compreendido. Curiosamente, grande parte dos documentos, encontrados naquele país, como bilhetes, placas e cartazes, está em português, mesmo que o local tenha uma identidade estereotipada de outros países latinos, sobretudo os da América Central.

Dito tudo isso, seja pelo caráter audiovisual, seja pela função estratégica em fomentar o trânsito de nosso improvável herói, o interesse maior do game não está na natureza ou nos personagens, mas sim no veículo que utilizamos para chegar de um mapa ao outro, conhecido como Hydroflot, uma espécie de nave retro futurista steampunk que a cada novo avanço pode se transformar para melhor nos servir, o que vai de helicóptero a submarino, passando por outras formas de locomoção pela água e pelo ar, variações que demandam uma certa flexibilidade na suspensão da descrença do jogador, devo confessar.

Grande parte da jornada está, aliás, em conseguir fragmentos do software de metamorfose dessa geringonça, bem como o combustível para cada trecho da viagem. Por mais que nem sempre faça sentido precisar de um galão de gasolina para voar pelo oceano e outro para um trajeto de alguns metros, é uma mecânica simples que serve ao seu propósito.

Estas conveniências são, evidentemente, uma forma de valorizar o ritmo e o bom andamento da trama. Não há, por exemplo, caminhos que levam a lugares vazios, e se algo está acessível é porque há ao menos um item de interesse contextual a ser encontrado. Se não há um ícone de inventário sobre um dispositivo, nada pode ser utilizado ali e, do contrário, sabemos exatamente o que procurar porque nada se pretende interpretativo.

Assim, se tem um buraco pra chave, é necessário usar uma chave. Se no item não será mais útil no futuro, ele some do inventário automaticamente. Se uma corda está segurando um ventilador gigante, ache algo para cortar a corda. Se uma máquina enorme não tem energia, ache o interruptor. Ainda que certos mecanismos sejam um pouco mais sofisticados, no final tudo se resume a encontrar a peça que falta para aquilo funcionar ou vice-versa, achar algo onde encaixar um objeto aleatório coletado. Tudo se resume a encaixar coisas em seus devidos lugares.

Em resumo, o jogo está longe de oferecer os puzzles mais complexos do gênero, e claramente esta nunca foi sua maior preocupação nem em sua forma original em 1999, nem agora. Isso significa que provavelmente aquele que espera fritar a mente não encontrará aqui um desafio à altura desta expectativa. Por outro lado, visto como uma aventura narrativa com uma certa liberdade de movimentação e exploração, é uma verdadeira pérola enterrada pelo tempo que felizmente tem uma nova oportunidade de se fazer notar.



Amerzone: The Explorer’s Legacy está disponível para PlayStation 5, Xbox Series e PC. Esta análise é da versão PS5 e foi realizada com um código fornecido pela Microids.