A foto perdeu o valor. Mas ninguém tem coragem de apagar

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Abr 20, 2025 - 15:48
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A foto perdeu o valor. Mas ninguém tem coragem de apagar

Vivemos em uma época em que tiramos mais fotos do que conseguimos olhar. Segundo a consultoria Rise Above Research, foram registradas 1,81 trilhão de fotos no mundo em 2023 — uma média de 5 bilhões por dia. Em 2020, o número era de 1,12 trilhão. Em 2010, mal passava de 300 bilhões. Em uma década, multiplicamos por seis a quantidade de imagens feitas globalmente. O registro virou reflexo. E a memória, acúmulo.

Estima-se que, até 2024, existam aproximadamente 14,3 trilhões de fotos armazenadas globalmente. Só que, curiosamente, essas imagens que tiramos sem pensar também são as que temos mais dificuldade de excluir. Uma pesquisa da Avast mostrou que 28% das pessoas preferem apagar aplicativos do celular a deletar fotos. Outra, da Apple, revelou que a maior causa de compra de espaço no iCloud é o excesso de imagens não organizadas nem revisadas. A foto perdeu valor simbólico — mas manteve (ou até aumentou) seu valor emocional.

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É uma contradição fascinante. A fotografia, que antes exigia intenção, agora é abundante. Não é mais um gesto de guardar. É só um clique. Um registro de prato, de espelho, de céu. Mas, ao mesmo tempo, cada imagem guarda uma carga invisível: a lembrança de um lugar, um rosto, uma época. Mesmo quando não olhamos mais para ela.

A empresa Backblaze estimou que mais de 90% dos dados pessoais armazenados na nuvem são fotos. E o Google Photos, sozinho, abriga mais de 4 trilhões de imagens, com mais de 28 bilhões sendo adicionadas toda semana. Quase todas tiradas por smartphones — 94% das fotos digitais hoje vêm de celulares. ​Isso não é só sobre tecnologia. É sobre um comportamento que mistura ansiedade, nostalgia e apego. Apagar é perder. Mesmo que nunca mais se abra aquele arquivo.

O sociólogo Nathan Jurgenson já escreveu sobre a “presença ausente” da fotografia digital — ela existe para provar que estivemos ali, mas quase nunca para ser revisitada. Tiramos para compartilhar. E depois esquecemos. Mas não deletamos. Porque deletar é encarar a possibilidade de que aquilo não importa mais. E ninguém quer admitir que o momento não era tão especial quanto parecia no feed.

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Uma pesquisa revelou que 71% das pessoas utilizam serviços de armazenamento em nuvem principalmente para guardar fotos, superando o backup de arquivos (53%) e o armazenamento de músicas e vídeos (41%). Além disso, o usuário médio de smartphone mantém cerca de 2.795 fotos em seu aparelho.

Essa hipertrofia da imagem cria um paradoxo: nunca fomos tão visuais, e nunca vimos tão pouco. Passamos os olhos por centenas de fotos por dia, mas poucas permanecem. E as nossas próprias imagens ficam ali, inchando nuvens e memórias, como caixas de fotos físicas que nunca são reabertas — mas que ninguém ousa jogar fora.

Talvez a fotografia não tenha perdido o valor. Talvez ela só tenha mudado de lugar. O valor não está mais na imagem em si, mas no que ela representa para quem a tirou. Não no conteúdo, mas no gesto. Não na composição, mas na lembrança. O problema é que, entre tantas, quase nenhuma se torna memória. São só registros. Provas de existência. Pegadas digitais num tempo em que viver virou também produzir conteúdo.

Tiramos mais de mil fotos por ano, em média. E abrimos álbuns antigos cada vez menos. Mas seguimos acumulando. Seguimos acreditando que não apagar é o mesmo que não esquecer.

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