Urgências económicas

No atual contexto económico e geopolítico, o preço da energia para a indústria assumiu uma importância crítica para o futuro da competitividade europeia. E o mais recente plano de ação para a redução do preço da energia (Affordable Energy Action Plan), pilar central do Pacto para a Indústria Limpa, é prova disso mesmo. Como a […]

Mar 21, 2025 - 10:28
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Urgências económicas

No atual contexto económico e geopolítico, o preço da energia para a indústria assumiu uma importância crítica para o futuro da competitividade europeia. E o mais recente plano de ação para a redução do preço da energia (Affordable Energy Action Plan), pilar central do Pacto para a Indústria Limpa, é prova disso mesmo.

Como a redução dos custos energéticos só é possível com a eletrificação dos consumos e com recurso a renováveis (e, para alguns, nuclear), Portugal tem, à partida, fortes vantagens competitivas face a maioria dos seus parceiros europeus. Juntamente com os países nórdicos, tradicionalmente competitivos devido à abundância do recurso hídrico, e França, com um sistema dependente da tecnologia nuclear (fortemente subsidiada), Portugal e Espanha têm os preços grossistas de eletricidade mais baixos da EU, tendência que tenderá a consolidar-se à medida que cresce a penetração de renováveis.

Esta vantagem comparativa nos custos é ainda maior quando incluímos os ganhos do autoconsumo e da prestação de serviços de flexibilidade ao sistema elétrico, possibilidades que já estão disponíveis e consolidadas no sistema jurídico nacional e que permitem à indústria aumentar a sua competitividade através do investimento, individual ou em comunidade, em produção e armazenamento de eletricidade renovável.

Mas não basta ter renováveis abundantes e competitivas, nem é suficiente criar as condições para que a instalação de nova capacidade renovável acelere em Portugal. Essas são, sem dúvida alguma, condições absolutamente necessárias para assegurar a competitividade do país, e que merecem todo o empenho do Governo e das autoridades públicas, mas não são condições suficientes. Isto é particularmente relevante no caso da indústria eletrointensiva. Como existem mecanismos previstos na legislação europeia para apoiar a indústria eletrointensiva – que já foram adotados noutros países, mas não em Portugal -, a vantagem que temos por causa das renováveis acaba por ser não só anulada, mas mesmo invertida.

Isto acontece, em parte, por causa da inação do Governo, que é, a todos os níveis, incompreensível, porque uma das prioridades do Governo foi o chamado “pacotão” para apoiar as empresas e, também, porque, recentemente, tivemos a ministra do Ambiente e da Energia a dizer que as renováveis ainda não tiveram impacto na fatura de eletricidade.

Independentemente do que se possa pensar sobre a redução da taxa de IRC, o Governo podia e devia ter assegurado que a indústria eletrointensiva nacional beneficia de mecanismos de apoio que já estão em vigor noutros Estados-membros, sobretudo porque o estatuto dos consumidores eletrointensivos está previsto na lei portuguesa desde janeiro de 2022 e porque a negociação com a Comissão Europeia (CE), que tem de aprovar as medidas propostas, tinha sido iniciada, há muito, pelo anterior Governo. Passado quase um ano de entrada em funções do atual governo, não se sabe em que estado estão as negociações com a CE, muito menos se sabe o que pensam os atuais responsáveis governativos sobre estas matérias. Sabemos apenas que a situação presente é fortemente penalizadora para a indústria nacional. E sabemos, também, que não tinha de ser assim.

Como o estatuto dos consumidores eletrointensivos não está em vigor, a indústria nacional não só não beneficia da isenção de Custos de Interesse Económico Geral (CIEGS), como ainda paga parte da tarifa social de eletricidade, o que aumenta duplamente os seus custos de rede e deteriora fortemente a sua competitividade.

Por outro lado, e também associado ao estatuto dos consumidores eletrointensivos, os valores previstos na portaria por compensação dos custos indiretos de CO2 estão totalmente desajustados face à realidade europeia e têm de ser, com urgência, revistos em alta, para assegurar alguma igualdade de circunstâncias. Através deste mecanismo, Portugal reduz o preço da eletricidade em cerca de 8 euros por MWh, Espanha 24 euro por MWh, França 26 euros por MWH e, por fim, a recordista Alemanha, com cerca de 50 euros por MWh. Só para nivelar a situação com Espanha, Portugal teria de passar dos atuais 25 milhões de euros para 75 milhões. Idealmente, não devia ser permitido que através destes mecanismos se pudesse distorcer e até inverter a situação competitiva entre Estados-membros, tornando-a dependente apenas da capacidade orçamental existente. Enquanto isso não acontece, com perdas de eficiência no funcionamento do mercado interno e no apoio à indústria, é urgente corrigir esta desvantagem nacional e assegurar que a indústria, quer a que já existe, quer a que cá se queira fixar, enfrenta condições análogas às existentes noutros Estados-membros.

Mesmo entrando o Governo em gestão, esta matéria, pelo seu impacto negativo na competitividade da indústria eletrointensiva nacional, podia e devia merecer acordo entre o Governo de gestão e a oposição. A lei existe e está em vigor, as negociações com a CE já decorreram por tempo mais do que suficiente, e a indústria aguarda por sinais de vida dos responsáveis políticos portugueses. O que é simples e necessário não deve esperar por amanhã, nem por eleições.