“Um espetáculo sensacionalista”

O deputado estadual Rafael Saraiva (União-SP) foi condenado a pagar uma indenização de 15 mil reais a uma mulher que agrediu em dezembro de 2023. O episódio, revelado em reportagem da piauí, ocorreu em uma favela de Itaquaquecetuba (SP). Na época, Saraiva disse ter recebido uma denúncia de que, na casa da mulher, havia três pitbulls acorrentados e submetidos a todo tipo de privação. Ele foi até lá, acompanhado de uma veterinária e uma equipe de policiais civis, no intuito de libertá-los e enquadrar sua dona, já que maltratar animais é crime. Diante da resistência dela, que não queria deixar o grupo entrar em sua casa, o deputado a agrediu com um pedaço de madeira. “Deixa eu passar, caralho”, esbravejou Saraiva. Vídeos do episódio foram divulgados nas redes sociais do deputado, que, no entanto, omitiu o trecho que mostra sua agressão. A piauí obteve a íntegra da filmagem, feita por uma das assessoras do parlamentar.  The post “Um espetáculo sensacionalista” first appeared on revista piauí.

Abr 22, 2025 - 13:45
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“Um espetáculo sensacionalista”

O deputado estadual Rafael Saraiva (União-SP) foi condenado a pagar uma indenização de 15 mil reais a uma mulher que agrediu em dezembro de 2023. O episódio, revelado em reportagem da piauí, ocorreu em uma favela de Itaquaquecetuba (SP). Na época, Saraiva disse ter recebido uma denúncia de que, na casa da mulher, havia três pitbulls acorrentados e submetidos a todo tipo de privação. Ele foi até lá, acompanhado de uma veterinária e uma equipe de policiais civis, no intuito de libertá-los e enquadrar sua dona, já que maltratar animais é crime. Diante da resistência dela, que não queria deixar o grupo entrar em sua casa, o deputado a agrediu com um pedaço de madeira.

“Deixa eu passar, caralho”, esbravejou Saraiva. Vídeos do episódio foram divulgados nas redes sociais do deputado, que, no entanto, omitiu o trecho que mostra sua agressão. A piauí obteve a íntegra da filmagem, feita por uma das assessoras do parlamentar. 

Apesar do aparato policial (um dos agentes portava até um fuzil), o companheiro da mulher agarrou um pitbull que estava dentro da casa e conseguiu fugir com ele. Não foi possível averiguar se o animal havia sido maltratado. Depois da confusão e da agressão, a equipe de Saraiva encontrou outros dois cães num matagal próximo à casa, mas a mulher negou que fossem seus. Conduzida até uma delegacia, ela foi liberada por falta de provas. Pouco tempo depois, processou o deputado por danos morais.

 

A mulher pleiteou uma indenização de 500 mil reais, afirmando ter sido “coagida, agredida e humilhada” por Saraiva. Na sentença publicada no dia 14 de abril, a juíza Tamara Hochgreb Matos, da 24ª Vara Cível de São Paulo, concordou com o pedido de indenização, mas em um valor bem menor, de 15 mil reais. Ela também ordenou que o deputado excluísse de suas redes, num prazo de até dez dias, os vídeos gravados em Itaquaquecetuba. Ficou estabelecida uma multa de 500 reais por dia em caso de descumprimento. Até a manhã desta terça-feira (22), ao menos dois vídeos continuavam nas redes do parlamentar. Neles, a mulher e seu companheiro aparecem com os rostos borrados.

Saraiva, um dos deputados mais jovens da assembleia estadual, com 31 anos, tem como principal bandeira a defesa dos animais. Suas redes sociais são repletas de vídeos em que ele, ao lado de policiais e veterinários, flagra supostos maus-tratos a animais domésticos, em geral cães e gatos. As publicações costumam alertar para “cenas fortes”, e não raro o parlamentar se engalfinha com os donos dos animais. Meses depois da agressão em Itaquaquecetuba, ele foi filmado dando um mata-leão em uma moça que, segundo ele, estava vendendo cães com menos de 50 dias de vida, o que é crime em São Paulo.

A causa do bem-estar animal, vasta em temas importantes, tem grande valor eleitoral no Brasil. Além de Saraiva, outros tantos parlamentares, de diferentes matizes ideológicos, foram eleitos em anos recentes prometendo combater os maus-tratos a bichos. É o caso do delegado Bruno Lima (PP-SP), sexto deputado federal mais votado do país em 2022, com 461 mil votos. Também de Célio Studart (PSD-CE), terceiro mais votado para a Câmara dos Deputados no Ceará. As bandeiras desse grupo vão da proibição de fogos de artifício (que perturbam muitos animais com o barulho das explosões) ao fim das provas de hipismo.

 

Alguns desses políticos, no entanto, têm enveredado por ações espalhafatosas, por vezes violentas, que causam choque e viralizam nas redes sociais. Saraiva não é o único. Aprendeu o ofício com seu padrinho político, o deputado federal Felipe Becari (União-SP), que também faz escândalo em defesa dos animais. Os dois têm o hábito de postar fotos de ferimentos, tumores e bichos magérrimos, geralmente encontrados em bairros pobres.

No tribunal, Saraiva alegou que a filmagem feita em Itaquaquecetuba tinha o objetivo de conscientizar a população sobre os cuidados com os animais. A juíza discordou. Na sentença, escreveu que o vídeo “não tem conteúdo meramente informativo e de caráter conscientizador, mas se trata de um espetáculo sensacionalista com cortes que a autora e seu companheiro falam palavras de baixo calão e desafiam a autoridade, ao passo que o réu aparece como um herói”. As agressões do deputado, afirmou Matos, exigem uma reparação. “Ainda que a autora tenha se colocado na frente do réu para tentar impedir sua passagem quando seu companheiro fugiu com o cão, não se justifica a agressão com um pedaço de pau, nem sua [do deputado] postura irônica durante toda a situação, sorrindo e gracejando, e assim agredindo moralmente a autora e seu companheiro, na frente de seus filhos, sendo estas agressões atos ilícitos que justificam a indenização por danos morais.” (No vídeo obtido pela piauí, não aparecem os filhos. A mulher diz que eles estavam em casa quando tudo aconteceu.)

Na reportagem publicada pela piauí em setembro de 2024, Saraiva disse não se arrepender da agressão. Alegou ter ouvido, no calor do momento, que a mulher estava com uma faca – “uma possível peixeira”, segundo ele. “Não vi a faca, mas isso foi falado por pessoas que estavam ali”, continuou o parlamentar. “Penso primeiro na minha vida.” O boletim de ocorrência daquele dia não menciona nenhuma faca. O processo judicial também não.

 

A juíza concluiu que não há elementos comprovando que a mulher e seu companheiro maltrataram pitbulls. “Cumpre destacar, por fim, que o animal apreendido pelo réu e sua equipe e que foi objeto do laudo juntado pelo réu não é o mesmo animal que estava no quintal da autora, como por ele mesmo reconhecido.” O deputado, no entanto, mantém sua versão dos acontecimentos. Na última quarta-feira (17), respondendo a uma seguidora que o criticou no Instagram, ele escreveu: “Os dois animais que foram resgatados e FILMADOS dentro da casa dela ainda estão disponíveis para a adoção (…) A juíza dispensou a audiência onde ela poderia ver todas as provas e resolveu julgar, igual você está fazendo.”

Saraiva ainda pode recorrer da condenação. A piauí tentou contato com o deputado e sua equipe, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

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