Todos contra Montenegro num debate que quase esqueceu a economia

Poucos dias depois de o INE ter confirmado que a economia portuguesa contraiu no primeiro trimestre deste ano, face aos últimos três meses de 2024, e com as contas públicas e a vida das empresas prestes a serem pressionadas pela guerra comercial e pela necessidade de aumentar o investimento em defesa, os temas económicos passaram […]

Mai 5, 2025 - 09:02
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Todos contra Montenegro num debate que quase esqueceu a economia

Poucos dias depois de o INE ter confirmado que a economia portuguesa contraiu no primeiro trimestre deste ano, face aos últimos três meses de 2024, e com as contas públicas e a vida das empresas prestes a serem pressionadas pela guerra comercial e pela necessidade de aumentar o investimento em defesa, os temas económicos passaram quase ao lado do debate de domingo à noite em que participaram os oito líderes dos partidos com representação parlamentar. Ao fim de quase duas horas e meia de discussão, em que a Spinumviva e a imigração ‘transpiraram’ do arranque da campanha, no palco televisivo foram quase todos contra Luís Montenegro, que lidera as sondagens e confirmou que só poderá contar com os liberais como governar com maior estabilidade.

O caso da Spinumviva, que conduziu à queda do Governo depois do chumbo parlamentar de uma moção de confiança, dominou a primeira parte do debate, em que Pedro Nuno Santos insistiu que Luís Montenegro “não tem credibilidade e idoneidade para o cargo que ocupa”, em que o Chega garantiu que não deixará cair uma comissão de inquérito na próxima legislatura e em que o candidato da AD repetiu que fez “tudo de boa-fé”.

Ao fim de várias rondas, Montenegro quis encerrar o caso ao concluir que “nenhuma destas sete personalidades se vai sentir algum dia esclarecida” porque “o objetivo é a luta política pura e dura”. Tal como viria a demonstrar noutras matérias, em que mostrou ser o mais próximo da coligação de direita, só a Iniciativa Liberal lamentou que nenhum partido tenha “interpretado o interesse do país” de não ir a eleições, com Rui Rocha a atirar mesmo que “a IL está disponível para assegurar ao país que tem condições para quebrar um ciclo político” de instabilidade.

No tema da imigração, que marcou o fim de semana depois de o Governo anunciar que nas próximas semanas milhates de imigrantes terão de sair do país por estarem em situação irregular, ficaram bem vincadas as diferenças entre a esquerda e a direita, embora o secretário-geral socialista tenha assinalado que o Executivo apenas está a “aproveitar o trabalho normal da AIMA para proveito próprio” e que “nunca nenhum primeiro-ministro fez gáudio ou revelou ter prazer em expulsar imigrantes”. Pedro Nuno Santos acusou Montenegro de “eleitoralismo na sua disputa com o Chega”, mas André Ventura puxou dos galões do Chega ao lembrar que o PSD votou contra as suas propostas para introduzir quotas e realizar um referendo e que há um ano foi “o único partido a dizer que este era um problema sério”.

Na resposta, Montenegro acusou o rival socialista de ter uma posição em ziguezague sobre a imigração e defendeu que “a lei é para cumprir” e que “aqueles que não cumprem as regras têm de ter uma consequência para o incumprimento”. “O PS deixou-nos uma situação de balbúrdia efetiva. O PS não sabia quem estava efetivamente no país”, acrescentou, considerando que “o que está a acontecer hoje é o desenvolvimento de um processo de normalização”. “Há 177 mil que foram notificados, mas não apareceram. Não se sabe onde estão, alguns deles até terão abandonado, e há algum tempo, o país. Como não havia organização e o PS decidiu escancarar a porta e não controlar, não há hoje essa possibilidade”, completou.

“Falhanço” do Governo na saúde e habitação. Pedro Nuno não escapou a críticas

A crise na saúde e habitação também foi usada como arma de arremesso por todos os partidos da oposição contra Luís Montenegro. No entanto, o primeiro-ministro quis destacar a obra feita com o aumento da capacidade de resposta no SNS e a entrega de casas. Montenegro começou por afastar “um falhanço” do Executivo na implementação do plano de emergência do SNS, que disse ter sido executado em 80%, ainda que tenha reconhecido que se trata de “uma política em execução com muitas dificuldades porque o ponto de partida era calamitoso”.

Perante os argumentos invocados, o líder do PS concluiu que Montenegro “está em negação” sobre o SNS e acusou até o Governo de desviar recursos do público para o privado, notando que se fosse dada maior autonomia aos gestores públicos seria possível evitar as parcerias público-privadas (PPP). O líder do Chega fez mira à AD, mas também ao PS, gracejando que Montenegro e Pedro Nuno “parecem aliens que chegaram agora a Portugal e não têm nada a ver com o que se passa”.

Já a Iniciativa Liberal avisou o PSD que “não é aceitável” que privados e setor social só sejam alternativas depois de os utentes passarem por “meses de sofrimento” pela falta de resposta do SNS e avisou para uma “divergência fundamental” para um eventual acordo pós-eleições: “a AD diz que é o SNS que está no centro do sistema de saúde; para nós são os portugueses que estão no centro”, resumiu.

À esquerda, Bloco e PCP defenderam o reforço do SNS, a contratação de mais profissionais e a valorização dos seus salários. E o Livre quer criar “programa Regressar Saúde” para atrair médicos e enfermeiros portugueses que emigraram, para “as unidades locais de saúde ULS de modelo B, públicas”, indicou Rui Tavares.

No setor da habitação, Montenegro foi igualmente alvo de duras críticas, embora o líder do PS tenha até reconheceu que, no ponto de ser “preciso construir mais”, se aproxima da AD. Ainda assim, Pedro Nuno argumentou que a reversão de restrições ao Alojamento Local fez “aumentar a pressão do lado da procura”, com Montenegro a ripostar que “ninguém deu uma machadada maior no mercado de arrendamento do que o PS” e a enumerar as conquistas do Governo: “Mais do que duplicámos o objetivo de construção e reabilitação na esfera pública, passámos de 26 mil para 59 mil casas. Estamos a trabalhar com Banco Europeu de Investimento para obter uma linha de financiamento para autarquias”, salientou.

Muitos projetos de habitação dirigidos à classe média não avançam por questões fiscais. Os portugueses são sujeitos a um martírio até conseguirem o licenciamento de uma casa.

Rui Rocha

Presidente da Iniciativa Liberal

Do lado do PS, Pedro Nuno Santos acenou com uma solução que consta do programa eleitoral socialista: “Defendemos uma conta-corrente do Estado não apenas com os lucros da CGD, mas também com verbas do Orçamento do Estado para que as autarquias construam casas que as pessoas possam pagar ou arrendar”. O socialista destacou que “a regulação do mercado é importante”, mas afastou-se das soluções à sua esquerda: o controlo das rendas proposto pelo BE, ou o alargamento dos contratos de arrendamento para 10 anos, como sugere o PCP, podem ter um “efeito perverso” no médio e longo prazo.

Lamentando que o Estado não esteja a conseguir executar as verbas disponíveis para aumentar a construção pública, o líder da Iniciativa Liberal insistiu na proposta para baixar para 6% o IVA da construção, alegando que “muitos projetos dirigidos à classe média não avançam por questões fiscais”. Outra solução dos liberais passa pela simplificação, com Rocha a dizer que “os portugueses são sujeitos a um martírio até conseguirem o licenciamento de uma casa”.

Economia quase desaparecida do debate (e Montenegro agradeceu)

Foi já na reta final do debate, com escassos dez minutos para discussão, que a economia entrou em cena. Numa breve troca de argumentos, Luís Montenegro defendeu o desempenho da economia portuguesa, enquanto Pedro Nuno Santos considerou que as previsões do Governo terão de ser revistas em baixa.

O crescimento da economia portuguesa desacelerou para 1,6% no primeiro trimestre em termos homólogos, contra uma expansão do PIB de 2,8% nos três meses precedentes. O cenário traçado pelo INE fica mais cinzento quando a comparação é feita em cadeia. Aí, o PIB contraiu-se 0,5% no arranque do ano, após um crescimento de 1,4% no último trimestre de 2024, resultado do contributo nulo da procura interna (após ter sido positiva nos últimos três meses de 2024) e do contributo negativo da procura externa líquida.

A desaceleração já era esperada pela generalidade dos economistas, uma vez que o quarto trimestre registou um forte crescimento, apoiado em larga medida no consumo. Contudo, os dados do INE surpreenderam, com as taxas a fixarem-se abaixo das expectativas. No debate televisivo, porém, o primeiro-ministro recusou a “expressão” de contração da economia. “Não é aplicável à economia portuguesa, estamos num bom momento da economia”, afirmou, com o moderador Carlos Daniel a sublinhar que a contração do PIB é uma expressão técnica.

Legislativas 2025, debate com todos os partidos na RTP. Luís Montenegro (PSD), Pedro Nuno Santos (PS) e André Ventura (Chega)Pedro Pina - RTP 4 Maio, 2025

Montenegro desvalorizou a questão e atribuiu os resultados “ao último trimestre de 2024”, sublinhando que este “teve uma taxa de crescimento muitíssimo elevado” e que “não tem paralelo” desde a entrada no Euro, “com exceção da pandemia”. “Temos todas as condições para chegar ao final com todas as nossas estimativas cumpridas. Evidentemente que temos de ser prudentes, mas também temos de ser ambiciosos”, garantiu, considerando que a redução do IRS e o do IRC permite criar condições para mais investimento. “Mantenho o otimismo independentemente de estar consciente das incertezas que a situação internacional acarreta”, afirmou o líder da AD.

Um otimismo que não é partilhado pelo líder do maior partido da oposição. Para Pedro Nuno Santos, o crescimento é “outra das áreas em que Luís Montenegro falhou”, apontando os dados do INE como sintomáticos disso mesmo. “Não dá para celebrar. O crescimento económico para 2025 já vai ter de ser revisto em baixa, o que torna o programa da AD uma impossibilidade completa. É uma mentira”, atirou o líder do PS. Pedro Nuno Santos defendeu, por isso, que o programa socialista “é mais realista porque custa metade e está mais adaptado a um cenário de incerteza económica”.