Só 13% das entidades cobram aos consumidores consoante os resíduos que produzem

Apenas 31 entidades gestoras, num universo de 237, tinham alguma modalidade de sistema Pay as You Throw (PAYT), que foi implementado em 2024, indica a Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR), num relatório sobre o tema publicado esta quinta-feira. O PAYT pressupõe que a componente variável dos tarifários para a gestão de […]

Abr 17, 2025 - 11:50
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Só 13% das entidades cobram aos consumidores consoante os resíduos que produzem

Apenas 31 entidades gestoras, num universo de 237, tinham alguma modalidade de sistema Pay as You Throw (PAYT), que foi implementado em 2024, indica a Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR), num relatório sobre o tema publicado esta quinta-feira.

O PAYT pressupõe que a componente variável dos tarifários para a gestão de resíduos passa a ser calculada em função da quantidade de resíduos produzidos pelos consumidores. Algo que, a partir de 1 de janeiro de 2030, será obrigatório por lei para todos os consumidores domésticos.

Entre as 31 entidades gestoras que estão a implementar este sistema, cerca de metade (17) estão a fazê-lo junto dos utilizadores domésticos. Contudo, apenas quatro entidades o fazem em toda a sua área de intervenção, com as restantes 13 a aplicarem o PAYT apenas em determinados bairros ou freguesias. A estas somam-se 48 que têm planos para o fazer até 2030, o que elevaria o âmbito de aplicação para 11% dos alojamentos existentes em Portugal, ao invés dos atuais 2%.

No que diz respeito aos utilizadores não domésticos, são 26 as entidades que aplicavam, em 2024, os sistemas PAYT. Neste universo contam-se contratos com o setor de hotelaria, restauração, cafés, comércio, serviços, indústrias, instituições particulares de solidariedade social e escolas. São 12 as entidades que aplicam os sistemas PAYT em simultâneo junto de domésticos e não domésticos.

A efetiva implementação deste tipo de mecanismos continua a ser residual em Portugal“, nota a ERSAR no texto do relatório, apesar de reconhecer “uma ligeira melhoria” em 2024. É notória a larga distância destes registos à meta que está inscrita no PERSU 2030, de 50% de municípios aderentes até 2025 — no ano passado, a fasquia dos municípios que tinham avançado para a implementação estava ainda nos 20%.

Entre as dificuldades e constrangimentos apontados pelas entidades gestoras, resume o relatório, encontram-se a falta de apoio financeiro e de recursos humanos, a existência de outras prioridades, a falta de conhecimento prático e a indefinição das soluções técnicas e do modelo tarifário. Do lado do utilizador, regista-se a deposição ilícita dos resíduos na via pública e em contentores de terceiros, os resíduos associados ao turismo, a contestação por parte da população e a fraca adesão à separação dos resíduos.

Mas como funciona um sistema assim?

Guimarães já tem implementado um sistema PAYT desde 2016, afirmando-se como a primeira cidade a implementá-lo. “O nosso sistema é de sacos pré-comprados“, introduz Dalila Sepúlveda, diretora do departamento de Ambiente e Sustentabilidade da Câmara Municipal de Guimarães.

Os sacos usados para os cidadãos colocarem o lixo nas suas casas têm de ser adquiridos ou num espaço municipal ou solicitados através de um e-mail e pagos online, sendo que neste caso serão entregues na hora da recolha, ou em casa dos munícipes ou na respetiva caixa de correio. Os que contêm biorresíduos são biodegradáveis, enquanto os que se destinam a recicláveis são translúcidos, para ser desde logo visível se existe contaminação de resíduos.

São vendidos sacos de 15, 30 e 100 litros. O cidadão paga na fatura um valor fixo, correspondente a externalidades do serviço, e o resto da conta é pago através do valor de cada saco. Por exemplo, um saco de 100 litros custa 1,95 euros. Estes sacos são colocados em contentores próprios de cada utilizador, que este tem a responsabilidade de colocar à sua porta para que se faça a recolha. Caso o saco não seja adquirido junto da câmara, não há lugar à recolha.

Questionada sobre se se verificaram despejos de resíduos onde não é suposto, de forma a “fugir” ao sistema, Sepúlveda assume que no início sim, que se registavam mais dessas situações. Contudo, à medida que a população foi interiorizando o sistema e percebendo que compensava face ao anterior, estas situações foram-se tornando residuais.

Recolha seletiva aumenta. E fatura pode baixar

A implementação de sistemas de faturação e cobrança em função da produção e separação de resíduos “é um dos principais fatores de sucesso e de complementaridade para aumentar a recolha seletiva das várias frações de resíduos“, já que permite quantificar, separadamente, os resíduos resultantes da recolha seletiva e os resíduos indiferenciados e, assim, imputar-lhes uma tarifa que penalize a recolha indiferenciada em detrimento da seletiva, explica o regulador, em resposta ao ECO/Capital Verde.

No relatório, lê-se que, tanto na implementação junto de utilizadores domésticos como não domésticos, nota-se um aumento da recolha seletiva entre 5% a 150% e uma redução da produção de resíduos indiferenciados entre 3% a 30%.

No caso prático de Guimarães, em 2016 registava-se uma recolha seletiva de apenas 13% dos resíduos, sendo os restantes 87% recolhidos como indiferenciados. “Logo no primeiro ano, os resíduos indiferenciados passaram a 71% e os recicláveis atingiram os 29%“, recorda Dalila Sepúlveda.

Atualmente, a situação já se inverteu: 19% dos resíduos recolhidos são indiferenciados e os 81% dizem respeito aos recicláveis. E a quantidade de resíduos recolhidos também se reduziu, indica a responsável. Guimarães recolhe 288 quilos de lixo por habitante, a cada ano, que compara com uma média de 400 quilos em Portugal.

A maioria destes sistemas começou como projetos-piloto incentivados por fundos públicos. “A sua implementação implica um acréscimo de gastos de investimento e operacionais para as entidades gestoras“, continua o regulador. Isto porque é necessário que estas adaptem os seus sistemas de deposição e de faturação, e que adequem os mecanismos para apurar a produção de resíduos por cada consumidor.

Em Guimarães, por exemplo, é aplicado apenas na zona centro da cidade, a 12.000 utilizadores, entre domésticos e não domésticos, deixando para já de parte as restantes 47 freguesias que constituem o município.

É fundamental que as entidades gestoras iniciem este processo o mais cedo possível“, alerta ainda a ERSAR, olhando não só ao cumprimento dos prazos legais definidos para a implementação deste tipo de recolha, como também ao cumprimento das metas nacionais para o setor dos resíduos urbanos.

Já no que diz respeito ao consumidor, os incentivos decorrem da implementação do sistema: “Numa fase em que se antecipa um aumento dos custos da recolha e tratamento de resíduos em virtude das novas exigências ambientais, isso é, por si, um incentivo que a ERSAR considera relevante para que o consumidor tenha maior controlo sobre o valor final da sua fatura”.

Sobre o impacto na fatura dos consumidores, a ERSAR indica que dependerá do comportamento dos mesmos, isto é, se estes minimizam a produção e fazem a separação adequada dos resíduos, tirando partido, ou não. Em paralelo, para uma comparação justa com a situação atual, na qual os tarifários tomam como referência o consumo de água de cada um para a cobrança no que diz respeito aos resíduos, é necessário que os tarifários vigentes reflitam antes os custos efetivos do serviço.

Contudo, no caso prático de Guimarães, já é visível uma diferença neste caso positiva. Se, em média, uma família de quatro pessoas com a tarifa indexada à água, nesta cidade, pagaria cerca de seis euros pelos serviços de resíduos a cada mês, fazendo a separação de resíduos deverá descer os custos para cinco euros ou menos, aponta Dalila Sepúlveda.

Além disso, “se a taxa seletiva aumentar, podemos baixar ainda mais a tarifa“, indica a mesma responsável. Isto porque os municípios pagam pelo tratamento de resíduos. Enquanto os resíduos indiferenciados têm um custo de tratamento “alto”, o dos orgânicos é “baixo” e dos recicláveis “não têm custo, têm receita”.