Site de notícias investigativas da Hungria faz sucesso no YouTube

O veículo “Direkt36” foi fundado pelo jornalista András Pethő depois que se demitiu do “Origo” por pressão política

Abr 12, 2025 - 12:01
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Site de notícias investigativas da Hungria faz sucesso no YouTube

*Por Sarah Scire

Uma década atrás, o jornalista András Pethő foi co-fundador do site investigativo sem fins lucrativos Direkt36, da Hungria. Ele tinha acabado de se demitir do Origo, um dos principais sites de notícias do país, por causa da pressão política na Redação.

O Origo se tornou “um porta-voz do governo autoritário da Hungria” e “o site que mostra como uma imprensa livre pode morrer”.

Enquanto isso, o Direkt36 consolidou sua reputação como uma Redação sem medo de investigar “abusos de poder, corrupção, negligência e desperdício” nos últimos 10 anos. É uma das poucas redações independentes que responsabilizam o poder na Hungria, mesmo quando o governo do primeiro-ministro Viktor Orbán busca controlar a mídia.

Não é pouca coisa para um site investigativo apoiado por integrantes sobreviver por uma década —especialmente em um país onde cerca de 10% das pessoas pagam por notícias on-line.

“Encontramos uma posição especial no cenário da mídia húngara”, disse Pethő. “Não fazemos parte do ciclo de notícias. Concentramos todos os nossos recursos em projetos investigativos, relatando histórias que importam para o público”, declarou

Um dos seus maiores sucessos surgiu em março de 2025. Misturando registros e informações de investigações anteriores e novas filmagens de câmeras escondidas, o documentário “The Dynasty” (“A Dinastia”, em tradução livre) narra como a família e os amigos de Orbán enriqueceram muito enquanto sua estrela política ascendia.

Em seu 1º mês, o documentário de uma hora de duração obteve mais de 3,5 milhões de visualizações no YouTube. (A Hungria tem uma população total de cerca de 9,6 milhões). São 66% dos húngaros que usam o YouTube, incluindo 25% que dizem receber notícias na plataforma.

Embora o documentário seja “antiquado”, no sentido de que é narrado e um tanto contido no tom, o elemento “infiltrado” parece ter ressoado especialmente bem com os espectadores do YouTube, disse Pethő. Algumas das filmagens de câmeras escondidas levam os espectadores a um clube chamativo e obcecado por privacidade que faz parte do império empresarial construído com apoio do governo.

Este não é o 1º documentário do Direkt36 –há outro que investiga um flagelo de infecções hospitalares na Hungria foi lançado em 2023 mas é o mais visto da Redação até agora. Quando perguntei a Pethő sobre o que funcionou bem, ele 1º deu os créditos aos co-diretores Mate Fuchs e Balint Biro.

Ele disse que o fato de a atmosfera política na Hungria ter mudado nos últimos meses também ajudou.

“Há muito mais interesse em política do que havia alguns anos atrás. A alta inflação e outros problemas econômicos levaram as pessoas a se tornarem mais abertas a histórias sobre como integrantes da elite política lucram com o governo enquanto o resto da sociedade tem dificuldades”, disse Pethő. “De uma forma bizarra, a propaganda do governo também ajudou a criar algum burburinho em torno do filme. Esses ataques foram tão ridículos que ficou claro para a maioria das pessoas que isso foi uma ofensiva preventiva do governo”, afirmou.

O documentário aumentou as assinaturas pagas –a principal fonte de receita do Direkt36– de 3.000 para aproximadamente 4.000, disse Pethő. O site oferece vários níveis de assinatura, até o status “insider” por € 180/ano (cerca de US$ 195), mas não há doação mínima.

Fazer jornalismo onde há muito pouca confiança nas notícias

O Reuters Institute for the Study of Journalism mede a confiança nas notícias em apenas 23% na Hungria –empatado em último lugar entre os 47 países pesquisados. Esse número reflete o estado da captura da mídia no país: veículos pró-governo espalham propaganda enquanto a mídia independente é rotineiramente difamada como servindo a interesses estrangeiros.

O Direkt36 não foi poupado. O jornal pró-governo Magyar Nemzet acusou o documentário do Direkt36 de ser parte de uma operação do serviço secreto ucraniano para desacreditar Orbán. Em seu site, o Direkt36 chamou a acusação de mentira e destacou que o projeto, “que começou há quase um ano, não foi influenciado por ninguém, nem em internamente nem no exterior, e… não foi financiado pela Ucrânia”.

O Direkt36 lista publicamente seus financiadores e tem uma política de ética que não permite que integrantes ou doadores influenciem a cobertura. “Tentamos construir confiança sendo transparentes sobre como operamos, mas também cobrindo vários atores políticos, não só o governo”, disse Pethő.

Outras redações independentes na Hungria também estão fazendo isso funcionar. Assim como o Direkt36, o site de notícias digitais Telex foi fundado pela antiga equipe de um site de notícias (Index) que havia sido assumido por forças pró-governo. Em 2023, o Telex se tornou propriedade dos funcionários  –“um modelo único” no jornalismo húngaro, como observa o Reuters Institute. O Telex atualmente é o parceiro de publicação do Direkt36.

Em outra parte do cenário de mídia independente da Hungria, a Redação Partizán, baseada principalmente no YouTube, produz investigações, notícias políticas e talk shows com uma equipe de 70 pessoas. Os cidadãos húngaros podem solicitar que 1% do valor que pagam em impostos de renda pessoal seja doado a uma organização sem fins lucrativos; no ano passado, mais pessoas escolheram a Partizán para receber essas doações do que qualquer outra organização.

Conselhos para norte-americanos da Hungria

Nos primeiros meses do segundo governo Trump, a indústria de notícias dos EUA recorreu a jornalistas de outros países em busca de conselhos sobre como enfrentar o crescente autoritarismo e as restrições à liberdade de imprensa.

Pethő alertou repetidamente os jornalistas norte-americanos para “se prepararem para o pior”. Isso inclui não presumir que os donos da mídia enfrentarão a administração.

O antigo empregador de Pethő, Origo, era de propriedade da subsidiária húngara da gigante alemã de telecomunicações Deutsche Telekom. Por muitos anos, Pethő acreditou que a poderosa empresa era uma escolha relativamente estável e segura para possuir uma Redação. Mas a empresa de telecomunicações –sujeita a licenças governamentais, contratos, regulamentações, etc.– sofreu pressão política do governo Orbán, o que começou a afetar a cobertura de notícias.

“Em 2009, fui convidado para o escritório do CEO da empresa de telecomunicações porque ganhei alguns prêmios e [eles] queriam reconhecer isso”, Pethő relembrou em uma entrevista recente. “Estávamos bebendo champanhe, e [o CEO] estava me dizendo o quão importante é o jornalismo e o jornalismo investigativo. Mas foi a mesma empresa, e mais ou menos a mesma gerência, que nos jogou debaixo do ônibus 4 ou 5 anos depois.”

“Quando vejo o que está acontecendo agora com a “ABC”, com a “CBS” e com outras empresas que estão se curvando, isso me lembra daquela situação na Hungria”, acrescentou.

Em um ensaio para nosso site irmão Nieman Reports, Pethő enfatizou a importância de depender de fontes de receita externas a anunciantes e investidores para financiar um jornalismo de impacto.

“Se houve uma lição durante esta jornada, é que nada realmente importa além do público”, escreveu Pethő. “O modelo de jornalistas com ensino superior escrevendo notícias para um público com ensino superior claramente não funciona como um modelo de negócios (pelo menos não para todos). Nem cumpre o papel que o jornalismo deve desempenhar em uma democracia”, declarou.

“Nossa única fonte de poder é nossa audiência”, ele acrescentou. “Quanto maior e mais diversa ela for, maior será nossa defesa contra qualquer autocrata que queira nos esmagar”, disse


*Sarah Scire é editora adjunta do Nieman Lab.


Texto traduzido por Bruna Rossi. Leia o original em inglês.


O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos do Nieman Journalism Lab e do Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.