O problema continua a ser de estupidez
(créditos: daqui) Teria sido bom e desejável que o caso Spinumviva não tivesse acontecido. Melhor ainda que o Governo se preocupasse apenas em governar e o País não estivesse suspenso e em situação de semi-paralisação, há semanas, por causa da falta de habilidade política, esperteza saloia e total falta de vergonha do primeiro-ministro Luís Montenegro. Todo o espectáculo a que temos assistido, e que só se prolonga por culpa exclusiva do primeiro-ministro, devia ter morrido à nascença se aquele não estivesse preocupado em ter sol na eira e chuva no nabal. Se como advogado e jurista o modo como conduziu a “cessão” de quotas a favor da sua mulher e dos filhos já deixava muito a desejar, o que se tem seguido está ao mesmo nível. O que aconteceu na Assembleia da República e em S. Bento não tem justificação e Luís Montenegro deveria ter abordado a situação de outra forma. Como muitos notaram em múltiplos artigos de jornal e comentários nas rádios e televisões, a estratégia de vitimização pode funcionar para alguma população. Não serve à generalidade das pessoas. E qualquer cidadão medianamente inteligente, que se dê ao trabalho de pensar e de acompanhar a actualidade política e empresarial, rejeita-a. Em causa não está uma acusação de corrupção, nem ninguém acusou o primeiro-ministro de coisa idêntica ou similar. Há, isso sim, um conjunto de situações atinentes à sua vida profissional, familiar e empresarial, no mínimo problemáticas de um ponto de vista ético e político, que suscitam muitas dúvidas, e que ele em vez de esclarecer desde o início sem rodeios, nem subterfúgios, entendeu ir contornando, deixando sair a informação que lhe interessava à medida que lhe convinha, ou que os seus spin doctors lhe diziam. Afirmou o primeiro-ministro Luís Montenegro que lamentava a desconfiança que se instalou sobre quem exerce cargos políticos e governativos. Lamenta ele, é verdade, mas sem razão, porque também para isso contribuiu. E lamentam ainda mais todos os portugueses, com razão, que ao longo dos anos têm tido fartos motivos para desconfiar dos seus líderes políticos, vendo essa desconfiança aumentar em cada dia que passa com a displicência com que muitos, a começar por ele, não obstante os maus exemplos que vinham do passado, assumem funções políticas e governativas e exercem os mandatos em que são investidos. Os maus exemplos não têm faltado e os políticos, os maus políticos, só têm de se queixar de si próprios. Quando o primeiro-ministro, querendo fazer de Calimero, pergunta se “seria justo e até adequado fechar tudo, abandonar tudo, só porque circunstancialmente fui eleito presidente do PSD e agora exerço as funções de primeiro-ministro”, importa dizer-lhe que ele não foi “circunstancialmente eleito”. Ele foi eleito líder do PSD porque escolheu candidatar-se à liderança do partido, porque é político profissional há dezenas de anos e nunca fez nada fora da política. Porque fez uma opção que só a ele, e quando muito à sua família, dizia respeito. Na vida há que fazer opções e não foi por desconhecer o que se passa em Portugal há décadas, e o risco a que os políticos estão expostos, tantos têm sido os exemplos, que o primeiro-ministro foi tão imprevidente. Também nada obrigava Luís Montenegro a encerrar empresas ou a deixar a sua actividade profissional pelo facto de se ter tornado presidente do PSD, embora devesse pelo menos ter pensado nisso e preparado o futuro quando se apresentou a eleições perante os portugueses como candidato a primeiro-ministro, encontrando nessa altura soluções adequadas à sua situação profissional e empresarial, que não o colocassem em risco, ou à governação e aos compromisso políticos assumidos, de modo a que no futuro não pudessem vir a revelar-se comprometedores. Mais a mais sabendo quais as implicações decorrentes da sua eventual eleição para presidente do PSD, qual o programa que teria de cumprir e as decisões que se lhe imporiam. Estou certo de que se o negócio da empresa de Luís Montenegro fosse a exploração de uma geladaria, um negócio de reparação de automóveis ou uma banca de jornais ninguém estaria preocupado com as avenças do grupo Solverde e não se teria assistido ao charivari que aí veio. E não pense o primeiro-ministro, mais um erro, que o problema ficará sanado pelo facto de só agora, tarde e a más-horas se predispôr a fazer o que poderia ter feito antes de assumir funções governativas. O mal está feito e com excepção da dissolução da empresa não há nenhuma outra que lhe salve a face. Depois, quando sair da actividade política, logo constituirá outra sociedade com quem quiser e dedicar-se-á à reconstituição da sua carteira de clientes. Ninguém com dois dedos de testa e um mínimo de boa-fé acredita que a empresa sobreviverá entregue a um estudante e a um recém-licenciado, por muito dotados que sejam, em matérias que implicam conhecimentos altamente especializados, aconselhamento em negócios que valem milhões e uma boa rede de contactos. A não ser que alguém lhes coloque
(créditos: daqui)
Teria sido bom e desejável que o caso Spinumviva não tivesse acontecido.
Melhor ainda que o Governo se preocupasse apenas em governar e o País não estivesse suspenso e em situação de semi-paralisação, há semanas, por causa da falta de habilidade política, esperteza saloia e total falta de vergonha do primeiro-ministro Luís Montenegro.
Todo o espectáculo a que temos assistido, e que só se prolonga por culpa exclusiva do primeiro-ministro, devia ter morrido à nascença se aquele não estivesse preocupado em ter sol na eira e chuva no nabal.
Se como advogado e jurista o modo como conduziu a “cessão” de quotas a favor da sua mulher e dos filhos já deixava muito a desejar, o que se tem seguido está ao mesmo nível. O que aconteceu na Assembleia da República e em S. Bento não tem justificação e Luís Montenegro deveria ter abordado a situação de outra forma.
Como muitos notaram em múltiplos artigos de jornal e comentários nas rádios e televisões, a estratégia de vitimização pode funcionar para alguma população. Não serve à generalidade das pessoas. E qualquer cidadão medianamente inteligente, que se dê ao trabalho de pensar e de acompanhar a actualidade política e empresarial, rejeita-a.
Em causa não está uma acusação de corrupção, nem ninguém acusou o primeiro-ministro de coisa idêntica ou similar.
Há, isso sim, um conjunto de situações atinentes à sua vida profissional, familiar e empresarial, no mínimo problemáticas de um ponto de vista ético e político, que suscitam muitas dúvidas, e que ele em vez de esclarecer desde o início sem rodeios, nem subterfúgios, entendeu ir contornando, deixando sair a informação que lhe interessava à medida que lhe convinha, ou que os seus spin doctors lhe diziam.
Afirmou o primeiro-ministro Luís Montenegro que lamentava a desconfiança que se instalou sobre quem exerce cargos políticos e governativos.
Lamenta ele, é verdade, mas sem razão, porque também para isso contribuiu. E lamentam ainda mais todos os portugueses, com razão, que ao longo dos anos têm tido fartos motivos para desconfiar dos seus líderes políticos, vendo essa desconfiança aumentar em cada dia que passa com a displicência com que muitos, a começar por ele, não obstante os maus exemplos que vinham do passado, assumem funções políticas e governativas e exercem os mandatos em que são investidos. Os maus exemplos não têm faltado e os políticos, os maus políticos, só têm de se queixar de si próprios.
Quando o primeiro-ministro, querendo fazer de Calimero, pergunta se “seria justo e até adequado fechar tudo, abandonar tudo, só porque circunstancialmente fui eleito presidente do PSD e agora exerço as funções de primeiro-ministro”, importa dizer-lhe que ele não foi “circunstancialmente eleito”. Ele foi eleito líder do PSD porque escolheu candidatar-se à liderança do partido, porque é político profissional há dezenas de anos e nunca fez nada fora da política. Porque fez uma opção que só a ele, e quando muito à sua família, dizia respeito.
Na vida há que fazer opções e não foi por desconhecer o que se passa em Portugal há décadas, e o risco a que os políticos estão expostos, tantos têm sido os exemplos, que o primeiro-ministro foi tão imprevidente.
Também nada obrigava Luís Montenegro a encerrar empresas ou a deixar a sua actividade profissional pelo facto de se ter tornado presidente do PSD, embora devesse pelo menos ter pensado nisso e preparado o futuro quando se apresentou a eleições perante os portugueses como candidato a primeiro-ministro, encontrando nessa altura soluções adequadas à sua situação profissional e empresarial, que não o colocassem em risco, ou à governação e aos compromisso políticos assumidos, de modo a que no futuro não pudessem vir a revelar-se comprometedores.
Mais a mais sabendo quais as implicações decorrentes da sua eventual eleição para presidente do PSD, qual o programa que teria de cumprir e as decisões que se lhe imporiam. Estou certo de que se o negócio da empresa de Luís Montenegro fosse a exploração de uma geladaria, um negócio de reparação de automóveis ou uma banca de jornais ninguém estaria preocupado com as avenças do grupo Solverde e não se teria assistido ao charivari que aí veio.
E não pense o primeiro-ministro, mais um erro, que o problema ficará sanado pelo facto de só agora, tarde e a más-horas se predispôr a fazer o que poderia ter feito antes de assumir funções governativas. O mal está feito e com excepção da dissolução da empresa não há nenhuma outra que lhe salve a face. Depois, quando sair da actividade política, logo constituirá outra sociedade com quem quiser e dedicar-se-á à reconstituição da sua carteira de clientes.
Ninguém com dois dedos de testa e um mínimo de boa-fé acredita que a empresa sobreviverá entregue a um estudante e a um recém-licenciado, por muito dotados que sejam, em matérias que implicam conhecimentos altamente especializados, aconselhamento em negócios que valem milhões e uma boa rede de contactos. A não ser que alguém lhes coloque uma mão por trás e continue a aconselhá-los e orientá-los até que ganhem asas e se emancipem.
Se a Solverde fosse minha, provavelmente, não tendo acabado com a avença antes, já a teria cortado cerce, tal o grau de exposição e os danos causados aos seus accionistas. Se a concessão for renovada dirão que houve favorecimento, se a perderem imputarão responsabilidades ao "granel" gerado.
De qualquer modo, pergunta-se se será que aquela empresa, com aquele mesmo objecto social, alguma vez teria conseguido a carteira de clientes e as avenças, e o sucesso que obteve, se tivesse sido constituída sem um sócio que antes fosse líder parlamentar do maior partido português, deputado em várias legislaturas, com uma agenda recheada de contactos dentro e fora da política?
Ou será que Luís Montenegro está convencido de que se ele não tivesse o seu currículo político e a sua formação académica, mérito dele e do nosso sistema de partidos, conseguiria que fossem encomendados trabalhos por ajuste directo com algumas autarquias do seu partido, enquanto advogado, ou que enquanto empresário alguma vez conseguiria aquelas avenças? Não há nisto nenhum mal, porque isso também é trabalho e “investimento” dele, mas não se queira atirar mais areia para os olhos das pessoas.
Ainda me recordo do problema suscitado com Pedro Siza Vieira e uma sociedade imobiliária que este detinha com a mulher quando assumiu funções como ministro.
Nessa altura, o Rui Rocha, hoje líder do Iniciativa Liberal, escreveu aqui no Delito de Opinião umas linhas sobre o assunto. E o PSD, através de mais um dos seus craques em São Bento, afirmou que "quem não cumpre regras legais das incompatibilidades, quem não cumpre a lei não pode ser ministro, é a própria lei que culmina essa violação com a demissão. Se não fosse a lei, devia ser pelo menos a consciência do senhor ministro Adjunto, do senhor ministro Siza Vieira, ou a consciência do primeiro-ministro a dizer-lhe que ele devia imediatamente cessar funções".
Quanto à posição do CDS-PP, o núncio Paulo já esclareceu o país. Mas será que aquilo que o PSD disse em 2018 em relação a Siza Vieira se deverá aplicar hoje a Luís Montenegro?
O primeiro-ministro esteve mal na forma como conduziu este processo desde a primeira hora. Esteve mal nas respostas que foi dando e nas que optou, num primeiro momento, por omitir, permitindo que a bola continuasse a rolar e a aumentar de volume, dando gás ao discurso populista, demagógico e oportunista de quem só se sente bem na política se esta for uma choldra e andarem todos enlameados.
E esteve ainda pior na tentativa de vitimização, nas perguntas que atirou para o ar, como se não soubesse já as respostas e aquelas possuíssem algum sentido. Enfim, promovendo um espectáculo indigno de uma democracia consolidada e de políticos com dimensão, evitando perguntas da comunicação social e levantando a voz sem motivo, como se o facto de querer falar alto lhe desse razão.
Não dá. Não lhe dá a ele, também não dá a Pedro Nuno Santos, nem a ninguém. Têm altura, é verdade, não têm é estatura política.
A infeliz encenação na discussão da moção de censura do Chega, a dramatização da declaração prestada em S. Bento, rodeado pela sua equipa, numa imagem que quase parecia de velório, é bem o que ficará dos vários actos da opereta dos últimos dias.
Com ou sem voto de confiança, com mais uma ou menos uma inócua moção de censura, o destino político de Luís Montenegro está mais do que traçado. Será tudo uma questão de tempo, ainda que o Presidente da República se mantenha mudo.
Passos Coelho, com todos os defeitos que possa ter, só não tomará neste momento conta do partido se não quiser.
E não, não me comovo com nada do que aconteceu porque o problema não é de inveja. Nem sequer, desta vez, é de corrupção.
Como normalmente sempre acontece neste tipo de casos que se colocam na política nacional com cada vez mais frequência, este é apenas mais um problema de estupidez. Da grossa.
Mas contra isso, apesar do número elevadíssimo de casos que temos tido, e continuamos a ter, ainda não há vacina, pese embora ser altamente contagiosa e afectar todos os partidos políticos.
Há por isso que investir no combate à doença. Talvez com as verbas do PRR.
A resiliência à estupidez tem sido grande entre os nossos políticos e os nossos partidos. E recorrente. E a recuperação, a cura, por mais que se mudem as moscas, é que não há maneira de se ver.
Em tempo: à cautela, leia-se o art.º 372.º do Código Penal.