O ditador Putin e o amigo americano

  A administração Trump prepara-se para proporcionar hoje, em Riade, um enorme triunfo diplomático à Rússia de Vladimir Putin, que há três anos lançou sobre a Ucrânia um ataque sem precedentes, desencadeando o mais sangrento conflito no continente europeu desde a II Guerra Mundial - com o propósito declarado de riscar o país vizinho do mapa dos Estados soberanos. Convém lembrar que em Fevereiro de 2022 os blindados de Moscovo chegaram a 15 quilómetros de Kiev. Dissolver as instituições ucranianas, instalar no palácio presidencial um fantoche semelhante ao bielorrusso Lukachenko e eliminar o Presidente Volodimir Zelenski eram os objectivos do ditador russo. Sem ter feito a menor concessão, graças apenas à benevolência de Donald Trump, Putin vê o novo-velho inquilino da Casa Branca reconhecer-lhe estatuto de líder credível e digno de confiança, indiferente ao facto de haver contra ele, desde Março de 2023, um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional. Indiferente também aos numerosos crimes de guerra cometidos pelas forças russas em território ucraniano. Em cidades-mártires como Butcha, Irpin e Mariúpol.    Alguns, no conforto da Europa Ocidental, aplaudem. Alheios aos atentados aos direitos humanos cometidos na própria Rússia, onde Putin não hesita em assassinar opositores políticos. E nem hesitam em perverter a palavra paz, associando-a ao carrasco de Alexei Navalny. Argumentam que o fundamental é «haver um acordo». Como se fosse possível selar um acordo sobre o futuro da Ucrânia nas costas de Zelenski e com a total ausência de representantes da União Europeia, que nestes três anos enviou 145 mil milhões de dólares em assistência financeira, militar e humanitária a Kiev. Falando em acordos, vale a pena mencionar duas datas: 5 de Dezembro de 1994. O dia em que foi assinado o Memorando de Budapeste. Honrando este compromisso, a Ucrânia entregou à Rússia todo o arsenal nuclear existente no seu território desde os tempos da URSS, em troca do reconhecimento da sua soberania e da sua integridade territorial. O acordo foi também subscrito por representantes dos EUA e do Reino Unido. Sabemos o que aconteceu depois. Em Março de 2014, Moscovo anexou a Crimeia e instalou governos de fachada, totalmente manobrados pelo Kremlin, nas províncias ucranianas de Donetsk e Lugansk. 12 de Fevereiro de 2015. O dia em que russos e ucranianos assinaram o segundo Acordo de Minsk, com mediação alemã e francesa. Kiev reconheceu a autonomia de Donetsk e Lugansk, em troca da promessa russa de respeitar a integridade territorial do país vizinho e retirar apoio militar aos separatistas.  Sabemos o que aconteceu depois: Putin não respeitou nenhum dos compromissos. As últimas ilusões dissiparam-se em definitivo a 24 de Fevereiro de 2022.   Saia o que sair hoje de Riade, onde a União Europeia não comparece por óbvio veto de Moscovo, valerá coisa nenhuma. De caminho, desonra a administração norte-americana. Que em menos de um mês desde a entrada em funções já demonstrou viver num mundo às avessas: ameaça os históricos aliados de Washington e robustece os tradicionais inimigos dos EUA. Antigos presidentes norte-americanos como John Kennedy e Ronald Reagan (que defenderam ao limite a "ilha" de Berlim Ocidental cercada por soviéticos como fronteira do mundo livre) e George Bush (que há 35 anos liderou uma coligação internacional, respaldada pela ONU, para libertar o Koweit invadido pelo Iraque) devem dar muitas voltas nas respectivas tumbas. Dia após dia, Trump anda a trair o legado de todos eles.

Fev 18, 2025 - 04:09
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O ditador Putin e o amigo americano

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A administração Trump prepara-se para proporcionar hoje, em Riade, um enorme triunfo diplomático à Rússia de Vladimir Putin, que há três anos lançou sobre a Ucrânia um ataque sem precedentes, desencadeando o mais sangrento conflito no continente europeu desde a II Guerra Mundial - com o propósito declarado de riscar o país vizinho do mapa dos Estados soberanos.

Convém lembrar que em Fevereiro de 2022 os blindados de Moscovo chegaram a 15 quilómetros de Kiev. Dissolver as instituições ucranianas, instalar no palácio presidencial um fantoche semelhante ao bielorrusso Lukachenko e eliminar o Presidente Volodimir Zelenski eram os objectivos do ditador russo.

Sem ter feito a menor concessão, graças apenas à benevolência de Donald Trump, Putin vê o novo-velho inquilino da Casa Branca reconhecer-lhe estatuto de líder credível e digno de confiança, indiferente ao facto de haver contra ele, desde Março de 2023, um mandado de captura do Tribunal Penal Internacional. Indiferente também aos numerosos crimes de guerra cometidos pelas forças russas em território ucraniano. Em cidades-mártires como Butcha, Irpin e Mariúpol

 

Alguns, no conforto da Europa Ocidental, aplaudem. Alheios aos atentados aos direitos humanos cometidos na própria Rússia, onde Putin não hesita em assassinar opositores políticos. E nem hesitam em perverter a palavra paz, associando-a ao carrasco de Alexei Navalny.

Argumentam que o fundamental é «haver um acordo». Como se fosse possível selar um acordo sobre o futuro da Ucrânia nas costas de Zelenski e com a total ausência de representantes da União Europeia, que nestes três anos enviou 145 mil milhões de dólares em assistência financeira, militar e humanitária a Kiev.

Falando em acordos, vale a pena mencionar duas datas:

5 de Dezembro de 1994. O dia em que foi assinado o Memorando de Budapeste. Honrando este compromisso, a Ucrânia entregou à Rússia todo o arsenal nuclear existente no seu território desde os tempos da URSS, em troca do reconhecimento da sua soberania e da sua integridade territorial. O acordo foi também subscrito por representantes dos EUA e do Reino Unido. Sabemos o que aconteceu depois. Em Março de 2014, Moscovo anexou a Crimeia e instalou governos de fachada, totalmente manobrados pelo Kremlin, nas províncias ucranianas de Donetsk e Lugansk.

12 de Fevereiro de 2015. O dia em que russos e ucranianos assinaram o segundo Acordo de Minsk, com mediação alemã e francesa. Kiev reconheceu a autonomia de Donetsk e Lugansk, em troca da promessa russa de respeitar a integridade territorial do país vizinho e retirar apoio militar aos separatistas. 

Sabemos o que aconteceu depois: Putin não respeitou nenhum dos compromissos. As últimas ilusões dissiparam-se em definitivo a 24 de Fevereiro de 2022.

 

Saia o que sair hoje de Riade, onde a União Europeia não comparece por óbvio veto de Moscovo, valerá coisa nenhuma. De caminho, desonra a administração norte-americana. Que em menos de um mês desde a entrada em funções já demonstrou viver num mundo às avessas: ameaça os históricos aliados de Washington e robustece os tradicionais inimigos dos EUA.

Antigos presidentes norte-americanos como John Kennedy e Ronald Reagan (que defenderam ao limite a "ilha" de Berlim Ocidental cercada por soviéticos como fronteira do mundo livre) e George Bush (que há 35 anos liderou uma coligação internacional, respaldada pela ONU, para libertar o Koweit invadido pelo Iraque) devem dar muitas voltas nas respectivas tumbas.

Dia após dia, Trump anda a trair o legado de todos eles.