O Davos esportivo à beira-mar e a maré da racionalização

Em meio ao tarifaço de Trump e à queda das fusões e aquisições na indústria esportiva, líderes do setor se reúnem na paradisíaca Kiawah Island para celebrar estabilidade — mas o mercado sinaliza consolidações, escassez de liquidez e um novo ciclo de correção The post O Davos esportivo à beira-mar e a maré da racionalização appeared first on InfoMoney.

Abr 21, 2025 - 18:35
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O Davos esportivo à beira-mar e a maré da racionalização
Trump fala a jornalistas a bordo do Força Aérea Um

Para os sulistas endinheirados dos Estados Unidos, Kiawah Island é o que os Hamptons são para os nova-iorquinos. Na cidade localizada na Carolina do Sul, os condomínios e resorts do hotspot para super-ricos abrigam campos de golfes exclusivos, e ostentam alguns dos imóveis mais caros do estado.

Foi nesse Hamptons do Sul que o Sportico e a Bruin Capital promoveram seu próprio Davos dos esportes.

O encontro realizado discretamente na segunda semana de abril reuniu líderes globais do esporte e as principais mentes financeiras do mercado.

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Ryan Reynolds, coproprietário do clube de futebol galês Wrexham AFC; Mark Cuban, investidor; Adam Silver, comissário da NBA; Ken Griffin, líder de fundos de hedge; Marc Rowan, CEO da Apollo Global; Joe Lacob, proprietário do Golden State Warriors; e Shahid Khan, dono do Jacksonville Jaguars, estiveram na lista dos ilustres presentes.

Estes foram alguns dos nomes descobertos pela Variety, o único veículo até então a revelar detalhes – ainda escassos – sobre a conferência particular promovida pela plataforma de mídia esportiva em colaboração com a gestora de private equity.

Trump, tarifas e otimismo à prova

Os estuários serenos e os 16 quilômetros de areia branca não foram suficientes para isolar o evento do ruído causado pelo tarifaço de Donald Trump.

Nos dias que sucederam ao encontro, George Pyne foi até a CNBC para defender a resiliência estrutural dos esportes diante às novas tarifas comerciais impulsionadas pelo presidente dos Estados Unidos e da instabilidade macroeconômica.

Em texto publicado no Linkedin, o CEO e fundador da Bruin Capital disse que, apesar da pressão sobre o consumo, os modelos de receita baseados em serviços — como direitos de mídia, patrocínios e bilheteria — seguem amplamente protegidos.

Às vésperas de o país receber a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, a Copa do Mundo da FIFA e as Olimpíadas de Los Angeles, Pyne evoca a serenidade de um monge para decretar: os esportes continuam a oferecer um tipo único de estabilidade cultural e econômica.

Entre o realismo e a racionalização

As medidas anunciadas por Trump, no entanto, reativam uma turbulência que já rondava a indústria esportiva — e que tem raízes em choques como a crise financeira de 2008 e a pandemia da Covid-19.

Gerry Cardinale, sócio-gerente e diretor de investimentos da RedBird Capital Partners, concorda com a tese de que o esporte possui fundamentos sólidos, mas pede cautela. Em entrevista ao Financial Times na semana passada, alertou que uma escalada na guerra comercial pode sim impactar a confiança e os gastos do consumidor.

Embora Pyne tenha destacado que as receitas das quatro maiores ligas esportivas dos EUA cresceram a um CAGR de 6,8% desde 2001, o mercado de fusões e aquisições não acompanha o mesmo ritmo.

Dados da Dealogic compartilhados pelo Front Office Sports apontam para cerca de 7.551 negócios globais de M&A anunciados até o final de março, número significativamente menor do que os 10.176 durante o mesmo período do ano passado.

Nos primeiros semestres da última década, a média ultrapassava 10.000 transações.

O aviso prévio da correção 

Enquanto executivos projetam otimismo institucionalizado em resorts de luxo, uma parcela do mercado já começava a se mover com pragmatismo – e antecedência.

Há quase um ano, Roger Mitchell — consultor e investidor veterano — publicou um artigo mordaz intitulado Always Know Where the Fire Exit Is”. Nele, alertava para o que via como a ilusão central da indústria esportiva: a crença de que liquidez viria por gravidade. “Empresas boas crescem, mas empresas estratégicas são disputadas”, escreveu.

A crítica antecipava um ambiente em que IPOs se tornariam miragem, fundos de venture capital ficariam atolados em markups sem realização, e gestoras de private equity inflariam seus próprios ativos por meio de continuation funds — vendendo de uma mão para a outra dentro de casa.

Liquidez torna-se imperativo

Agora, a profecia de Mitchell parece ganhar contornos concretos. Cardinale reconhece que o setor entra em uma fase de “realismo econômico”, exigindo racionalização de portfólios, consolidações e crescente pressão por liquidez em holdings criadas durante o ciclo de aquisições agressivas.

Nesse cenário, o preço da entrada importa menos do que a existência de uma saída.

Ainda em 2024, Mitchell mapeava cinco possíveis rotas para gerar valor real: aplicações de inteligência artificial, soluções que melhorem a experiência do usuário, propriedade intelectual “limpa” (como UFC, WWE e MLS), consolidações com tese clara de build & buy, e convergência — o movimento estratégico de ocupar territórios onde tendências maiores irão colidir, como o reposicionamento de clubes médios para uma futura Superliga.

A tensão entre narrativa e realidade é latente. Enquanto Cardinale e Pyne defendem a estabilidade estrutural do esporte, os dados de mercado sinalizam transição e ajuste. Em um ciclo no qual vender passa a ser tão estratégico quanto comprar, a confiança excessiva pode se tornar um ativo tóxico.

O desafio, agora, não é mais levantar capital — e sim justificar os valuations acumulados, enquanto se busca uma saída que talvez não chegue no timing ideal.

Na linguagem do mercado, o esporte continua ocupando o topo da prateleira de valor. Mas até os investimentos mais cobiçados precisam de caminhos claros para realização. 

E liquidez, como Mitchell antecipou, é uma questão de timing — e de saídas estratégicas que, uma vez fechadas, podem não se reabrir tão cedo.

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