“Nunca vou deixar de ser indígena independente do contexto”, afirma Adanilo
Adanilo contracena com Rodrigo Santoro em O Último Azul, longa de Gabriel Mascaro que estreia nos cinemas brasileiros em 28 de agosto. Ele vive Ludemir, um homem amazônico à deriva em um futuro distópico, em meio a rituais, deslocamentos e tensões com o mundo de fora. “Nunca vou deixar de ser indígena independente do contexto”, […] O post “Nunca vou deixar de ser indígena independente do contexto”, afirma Adanilo apareceu primeiro em Harper's Bazaar » Moda, beleza e estilo de vida em um só site.


Foto: Philipp Lavra/Divulgação
Adanilo contracena com Rodrigo Santoro em O Último Azul, longa de Gabriel Mascaro que estreia nos cinemas brasileiros em 28 de agosto. Ele vive Ludemir, um homem amazônico à deriva em um futuro distópico, em meio a rituais, deslocamentos e tensões com o mundo de fora. “Nunca vou deixar de ser indígena independente do contexto”, diz o ator, dramaturgo e diretor manauara, que também esteve em Noites Alienígenas, de Sérgio de Carvalho — e tem se destacado por projetos que rompem com os clichês que ainda cercam corpos e histórias indígenas no audiovisual.
Nascido e criado na Compensa, bairro da zona oeste de Manaus, ele se move com naturalidade entre teatro, cinema, TV e literatura — sempre atento à autoria e à representação. “Não dá mais pra ser chaveirinho de artista branco que quer contar nossas narrativas”, afirma. Agora, escreve e dirige sua primeira série ambientada na cidade onde cresceu, com elenco e equipe locais. Nesta entrevista, fala sobre os limites éticos da atuação, a diferença entre presença e estereótipo, e o risco de ser reduzido a símbolo em vez de artista. Leia, abaixo, a entrevista com o ator:
Em O Último Azul, premiado em Berlim, você vive Ludemir numa distopia amazônica. Como foi se preparar para esse papel — e o que ele representa na sua trajetória?
Gabriel Mascaro esteve aberto às potências da Amazônia e das pessoas dali. Pudemos criar a partir da nossa realidade. O mais bonito foi ver elenco e equipe locais contando essa história — mais de 20 artistas e técnicos do nosso estado.
Em que momento você quebrou de vez esse “quadradinho” em que tentam te encaixar — seja no set, na escrita ou nos bastidores?
Sempre tento desestigmatizar meu corpo e a imagem clichê do que esperam de uma pessoa indígena no Brasil. Já ouvi de um diretor, antes de gravar, que eu estava “muito bonito” — como se ele esperasse alguém maltrapilho por ser de uma aldeia. Respondi: “sim, a gente é bonito!”. Trabalhar com arte é também inventar novos mundos, mostrar quem somos para além dos estereótipos. Desde 2015, redirecionei minha pesquisa artística para universos amazônicos e originários, especialmente quando escrevo e dirijo.
Você vem do Norte, do Baixo Solimões e Tapajós, regiões que a arte brasileira ainda trata como “exóticas”. Como você desmonta essa visão?
Não me incomoda ser lido como uma das vozes da Amazônia ou da Compensa, meu bairro. O problema é ser o único nesses espaços. Precisamos estar em todas as etapas de criação, não só na execução. Que nunca mais falem da gente sem a gente. Não dá mais pra ser chaveirinho de artista branco contando nossas histórias. A relação com o que vem de fora é sempre delicada — é preciso pensar que tipo de alianças realmente nos interessam.
Quando está atuando em textos que não são seus, que brechas encontra para colocar seu corpo, sua ancestralidade, sua visão de mundo em cena?
Sou indígena em qualquer papel. Isso já carrega minhas raízes. Mas não quero ser sempre o sábio, o detentor dos conhecimentos. Às vezes só quero atuar e viver outras experiências. Felizmente, o audiovisual brasileiro tem se aberto mais para nossas visões. Estamos nos descobrindo nessas novas narrativas, e é uma honra dividir isso com outros artistas indígenas.

Foto: Philipp Lavra/Divulgação
Já rolou de perceber que você estava sendo tokenizado num projeto? Como você costuma lidar quando isso acontece — cede, impõe, resignifica?
Sim, é quase inevitável. Vivemos um momento em que nossas pautas estão em alta — e o mercado tenta capitalizar isso. Às vezes é preciso ceder, outras, se impor. É um equilíbrio difícil, mas necessário.
Existe algum personagem que você não toparia fazer? Um limite ético, estético ou afetivo que você já estabeleceu como ator e autor?
Não me interessam personagens estereotipados ou que reproduzam violências gratuitamente.
A imagem do indígena na dramaturgia ainda está muito atrelada à natureza ou ao sofrimento. Como provocar uma virada sem perder suas raízes?
Vivemos quebrando o estigma do que é ser indígena. Sempre estivemos em todos os espaços sociais, mas o apagamento nos afastou dessa identidade. Hoje, nossa luta é por afirmação e retomada.
Em Noites Alienígenas, você vive um personagem atravessado por dor e dependência. Como você se protege emocionalmente?
É essencial lembrar que aquilo é um jogo, uma ficção. Amparo psicológico, cuidar do corpo e trocar com pessoas próximas ajudam muito. Cada projeto exige um novo jeito de se cuidar.
Teatro, cinema, TV, literatura. O que cada uma dessas linguagens te oferece — e o que, de algum jeito, te tira?
Vejo todas como formas de dramaturgia. A vida é uma dramaturgia aberta. Uma linguagem alimenta a outra, e isso me move como artista.
Se pudesse criar hoje um projeto 100% seu, com liberdade total, o que contaria — e com quem gostaria de dividir a jornada?
Já estou fazendo: uma série sobre o bairro Compensa, onde nasci. É meu sonho. E vai ser realizada com muitas mãos manauaras, com gente da minha comunidade.
Como você gostaria de ser lembrado como artista daqui a 30 anos? E o que está fazendo agora para construir esse caminho?
Quero ser lembrado como um artista indígena amazônida que rompeu clichês. Nunca tive uma referência originária como ator — as próximas gerações terão.

Foto: Philipp Lavra/Divulgação
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