Liderança no feminino. É preciso legislação que empurre as mulheres a chegarem lá
“Faço parte daquele clube que era: quotas não, nem pensar. Acredito na meritocracia. Enganei-me. Lamento. Tive de rever a minha posição.” Quem o diz é Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde. Uma opinião partilhada por Manuela Vaz, CEO da Accenture Portugal, e Sara do Ó, CEO da Ó Capital e chairwoman Grupo Your […]


“Faço parte daquele clube que era: quotas não, nem pensar. Acredito na meritocracia. Enganei-me. Lamento. Tive de rever a minha posição.” Quem o diz é Ana Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde. Uma opinião partilhada por Manuela Vaz, CEO da Accenture Portugal, e Sara do Ó, CEO da Ó Capital e chairwoman Grupo Your que integraram o painel do Mulheres com ECO sobre liderança no feminino.
“Da mesma forma que acredito que a política pública, na área do ambiente, onde trabalho, é importante para alinhar comportamentos e para traçar caminhos para atingirmos objetivos, como por exemplo temos na Sociedade de Ponto Verde para a reciclagem das embalagens, também acredito que é preciso legislação que defina e preveja numerus clausus e quotas, porque isso é a sinalização de um caminho que é preciso empurrar para se chegar lá”, afirma Ana Trigo Morais, cuja empresa que dirige tem 73% de mulheres.
Reconhecendo que a imposição de quotas nas empresas cotadas até já deu alguns resultados, as três CEO consideram que ainda há um caminho a fazer em outras áreas. “As quotas não são um objetivo, mas são instrumentais para se criar espaço e oportunidade” para as mulheres, diz Ana Trigo Morais.
“São uma ferramenta altamente aceleradora”, corrobora Sara do Ó. “A temática veio para cima da mesa, a reflexão foi ponderada, está à vista”, acrescenta.
E mesmo que nas grandes empresas muitas mulheres tenham funções não executivas nos conselhos de administração, a chairwoman do Grupo Your considera que ainda assim é “uma oportunidade para as mulheres estarem sentadas à mesa”.
“Executivas ou não, têm um espaço de atuação, têm uma visibilidade”, acrescentou.
“Acredito muito na meritocracia e digo sempre que, qualquer coisa que nos ponham na mão, temos de a fazer muito bem”, defende Manuela Vaz. A CEO da Accenture Portugal reconhece, contudo, que “ainda hoje as mulheres sentem que tem de provar mais”.
“Só quando se sentem super preparadas é que realmente se candidatam a uma posição de liderança”, diz.
Hoje 44% da força de trabalho da Accenture são mulheres, mas nem sempre foi assim, até porque continua a haver dificuldade de recrutamento de mulheres nos cursos STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Um problema que exige uma sensibilização nas escolas desde tenra idade, diz a CEO. “Fazendo sempre bem, fui sendo sempre capaz de ter mais responsabilidade, naturalmente, porque a queria. É preciso querê-la e ir atrás dela”, diz Manuela Vaz.
“As mulheres precisam de querer ter uma missão, ter um sentido de caminho. Precisam de querer ser líderes, precisam de querer gostar de liderar equipas ou acreditar que elas podem fazer diferente”, corrobora Ana Trigo Morais.
Mas as mulheres nem sempre acreditam em si. “Se tenho um lugar disponível para o qual são precisas dez competências, um homem, se tiver oito, acha incrível, candidata-se, e acredita que vai ganhar e que o cargo é seu. Uma mulher, se lhe faltar apenas uma acha que não é tão boa e já não vai a jogo”, conta Sara do Ó, relatando um exemplo do Grupo Your cujos colaboradores são 80% mulheres. “Costumo sempre contar isto porque é algo que temos todos de refletir”, explica.
Para ter mulheres na liderança é importante tê-las desde o início nas empresas, e mantê-las, sublinha Manuela Vaz. “Para empresas como a nossa onde é importante ter paridade, termos uma gestão diversa, com pessoas com backgrounds diferentes, temos de ter mulheres desde o início. Se não, depois quando quisermos que sejam líderes, se não cresceram connosco não as vamos encontrar”, afirma a CEO, rematando que é também fundamental “não as perder pelo caminho”.
“Quando voltam da maternidade, é preciso ter mais atenção, ter um olhar atento, explicar exatamente qual é o contributo para a organização, a avaliação de desempenho, porque é aí que pode ser um momento de inflexão e é aí que não as podemos perder”, complementa Sara do Ó.
Resistir ao sentimento de culpa
A decisão de ser mãe é algo que não tem de pesar nas oportunidades, nem no desempenho profissional das mulheres. Manuela Vaz, em tom de brincadeira, diz que “uma das decisões mais importantes de carreira é o parceiro”.
“Tendo a pessoa certa e ajustando-nos e gerindo a agenda complicada de forma partilhada, ou o suporte certo, seja ele qual for, as coisas, naturalmente, são possíveis”, diz a CEO da Accenture Portugal.
“Estou genuinamente convencida que não somos piores mães se tivermos um trabalho exigente”, diz Manuela Vaz. “Antes pelo contrário.” “É um caminho que fazemos”, acrescenta Ana Trigo Morais. “Mas temos de resistir a este sentimento de culpa”, alerta Sara do Ó. Embora reconheçam que a sociedade cobra um modelo de maternidade que, por ventura, já não se adequa aos dias de hoje, a CEO da Ó Capital ressalva: “Cobra se deixarmos”.
“O contexto vem até nós, mas depois somos nós que trabalhamos interiormente para que as coisas nos afetem ou não. Obviamente que temos de trabalhar um bocadinho esta resistência à culpa, o aceitar que não há perfeição. Não somos super líderes, nem super mães. Isso não existe. Existe um equilíbrio que se vai ajustando”, explica.
“O tema da culpa vai-se gerindo ao longo da vida”, afirma Ana Trigo Morais, contando como se sentia “ave rara quando ia colocar a lancheira dos filhos à cantina, às 8h00 da manhã”, já de blazer e saltos altos para enfrentar o dia de trabalho.
“A única coisa que ainda sinto é algum preconceito subtil que, à partida, uma mulher bem-sucedida, que se dedica ao trabalho, que se realiza profissionalmente, pode eventualmente ser negligente em casa”, reconhece Sara do Ó, sublinhando que “tempo de presença não é sinónimo de qualidade”.
Um preconceito que é combatido quando os próprios filhos veem as mães como um modelo a seguir. “A minha filha mais velha, que nem é particularmente expansiva, quando assumi esta responsabilidade [liderança da Accenture Portugal], disse-me: ‘Mãe, tu tens noção que temos imenso orgulho em ti, não tens?’”
“As coisas já são realmente bastante diferentes”, admite a CEO da Sociedade Ponto Verde, elencando as mudanças ao nível da “preponderância, divisão de tarefas, papéis”.
“Fico muito satisfeita de ver isso e de ver que eles também podem olhar para nós como um exemplo, uma prova de as coisas são possíveis”, remata.