Fracasso da nova versão Disney de 'Branca de Neve' explica porque o Woke não é Esquerda
A nova versão de “Branca de Neve” (Snow White, 2025) se tornou um dos maiores fracassos da Disney na leva de adaptações live-action de seus clássicos animados. Nos seus primeiros três meses em cartaz, as bilheterias não conseguiram sequer cobrir os custos de produção! Muitos críticos norte-americanos denunciam que a culpa é o tom excessivamente “esquerdista” da nova produção. Outros temem uma “fadiga das princesas da Disney”. Nem um, nem o outro. A crítica norte-americana confunde a esquerda com o wokeísmo, principal motivação do rebot de “Branca de Neve”: entrar na recorrência atual no cinema do tema da desigualdade, transformar o Reino de fadas num paraíso socialista cujo narcisismo e egoísmo da Rainha Má acabou com tudo. Solução? Substituir a Economia Política pela Política de Identidades. Mas o problema principal foi o timing: mexer em um arquétipo moderno tranquilizador em plena era Trump de incertezas. Pelo menos o modelo das princesinhas da Disney parecia ser eterno. Era uma tranquilização para jovens pais ansiosos em tempos difíceis. Quando a Disney adaptou "Branca de Neve" pela primeira vez (Branca de Neve e os Sete Anões de 1937, o primeiro longa-metragem de animação dos EUA e um sucesso), 88 anos atrás, fez mudanças significativas, removendo muitos dos detalhes sombrios da versão Grimm para tornar a história mais palatável. Por exemplo, em sua versão higienizada de 1937, o príncipe não é um necrófilo glorificado que faz um acordo com os anões para possuir o corpo morto-vivo de Branca de Neve. Em vez disso, na animação ele se apaixona à primeira vista por ela quando ela está cantando no início do filme, e é por isso que ele a beija no final para acordá-la. Não há beijo na versão Grimm. Branca de Neve e os Sete Anões consolidaria os contos de fadas como parte inseparável da marca Disney, em brinquedos, produtos e musicais da Broadway, a ponto de, 88 anos depois, a Disney ainda estar nesse jogo. Por isso, ao lado de atrações como Holliday On Ice, animações sobre princesas e príncipes encantados como Frozen e as diferentes versões higienizadas da Disney, virou ritual arquetípico de iniciação na passagem para a vida infanto-juvenil em diferentes gerações. Mas dessa vez, a nova atualização desse verdadeiro arquétipo moderno da Princesa parece ter ido longe demais – além de tudo, virou live-action. Fruto da perda de timing da Disney para lançar Branca de Neve (Snow White, 2025). Em produção desde 2019, a escolha de Rachel Zegler para o papel de Branca de Neve deu tração ao filme: atriz foi escalada sob a justificativa de sua ascendência latina (colombiana), em uma tentativa da Disney de promover mais diversidade em suas produções. A decisão, no entanto, dividiu opiniões – foi a primeira das inúmeras controvérsias que cercam o filme. Vendo nela um passo importante para a representatividade no cinema, outros criticaram a decisão, acusando a Disney de seguir a chamada agenda woke. Mas, tudo bem para a Disney. Hollywood inteira estava naquele momento contra o primeiro mandato Donald Trump e o wokeísmo estava em ascensão, pressentindo uma inevitável vitória Democrata nas novas eleições 2020 que chegavam. Pois bem, Branca de Neve atrasou e acabou sendo lançada nos cinemas em meio ao caos dos primeiros meses do segundo governo Trump. Resultado: Branca de Neve se tornou um dos maiores fracassos da Disney na leva de adaptações live-action de seus clássicos animados. Nos seus primeiros três meses em cartaz, as bilheterias não conseguiram sequer cobrir os custos de produção! A produção tem sido atacada por ambos os lados do espectro político: foi condenada por ser muito “esquerdista” a ("Uma princesa da Disney famosa por sua pele clara sendo interpretada por uma atriz com ascendência colombiana? Como ousam?") e não progressista o suficiente ("Anões caricaturados nos dias de hoje? Como ousam?"). Some-se a isso os pronunciamentos sobre a guerra entre Israel e Gaza feitos por suas estrelas, Rachel Zegler (acusando a guerra como genocídio) e Gal Gadot (a Rainha má, a favor de Netanyahu), e você terá uma tempestade perfeita de publicidade negativa. Muitos consideram o fracasso de Branca de Neve um caso de “fadiga das princesas da Disney”. Mas, esse humilde blogueiro considera o contrário. Por décadas as princesas higienizadas da Disney (românticas, brancas, de cabelos lisos, que esperam por seu príncipe encantado) foram o objeto de consumo de uma classe média orgulhosa de si mesmo – e no caso brasileiro, um duplo objeto de desejo: filmes americanos distribuídos em cinema multiplex de shoppings – o encontro do romantismo com o consumismo. Por isso, princesas Disney são um arquétipo moderno para os pais. Que agora querem repetir o ritual de passagem com seus filhos e... não conseguem ver o ideal de princesa na live-action Disney. Para começar, sempre a aceitação de uma versão live-action de um clássico em animação é complicada, principalmente para os críticos. Segundo lugar, dirigido por Marc Webb, de O

A nova versão de “Branca de Neve” (Snow White, 2025) se tornou um dos maiores fracassos da Disney na leva de adaptações live-action de seus clássicos animados. Nos seus primeiros três meses em cartaz, as bilheterias não conseguiram sequer cobrir os custos de produção! Muitos críticos norte-americanos denunciam que a culpa é o tom excessivamente “esquerdista” da nova produção. Outros temem uma “fadiga das princesas da Disney”. Nem um, nem o outro. A crítica norte-americana confunde a esquerda com o wokeísmo, principal motivação do rebot de “Branca de Neve”: entrar na recorrência atual no cinema do tema da desigualdade, transformar o Reino de fadas num paraíso socialista cujo narcisismo e egoísmo da Rainha Má acabou com tudo. Solução? Substituir a Economia Política pela Política de Identidades. Mas o problema principal foi o timing: mexer em um arquétipo moderno tranquilizador em plena era Trump de incertezas. Pelo menos o modelo das princesinhas da Disney parecia ser eterno. Era uma tranquilização para jovens pais ansiosos em tempos difíceis.
Quando a Disney adaptou "Branca de Neve" pela primeira vez (Branca de Neve e os Sete Anões de 1937, o primeiro longa-metragem de animação dos EUA e um sucesso), 88 anos atrás, fez mudanças significativas, removendo muitos dos detalhes sombrios da versão Grimm para tornar a história mais palatável.
Por exemplo, em sua versão higienizada de 1937, o príncipe não é um necrófilo glorificado que faz um acordo com os anões para possuir o corpo morto-vivo de Branca de Neve. Em vez disso, na animação ele se apaixona à primeira vista por ela quando ela está cantando no início do filme, e é por isso que ele a beija no final para acordá-la. Não há beijo na versão Grimm.
Branca de Neve e os Sete Anões consolidaria os contos de fadas como parte inseparável da marca Disney, em brinquedos, produtos e musicais da Broadway, a ponto de, 88 anos depois, a Disney ainda estar nesse jogo.
Por isso, ao lado de atrações como Holliday On Ice, animações sobre princesas e príncipes encantados como Frozen e as diferentes versões higienizadas da Disney, virou ritual arquetípico de iniciação na passagem para a vida infanto-juvenil em diferentes gerações.
Mas dessa vez, a nova atualização desse verdadeiro arquétipo moderno da Princesa parece ter ido longe demais – além de tudo, virou live-action. Fruto da perda de timing da Disney para lançar Branca de Neve (Snow White, 2025).
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Em produção desde 2019, a escolha de Rachel Zegler para o papel de Branca de Neve deu tração ao filme: atriz foi escalada sob a justificativa de sua ascendência latina (colombiana), em uma tentativa da Disney de promover mais diversidade em suas produções. A decisão, no entanto, dividiu opiniões – foi a primeira das inúmeras controvérsias que cercam o filme.
Vendo nela um passo importante para a representatividade no cinema, outros criticaram a decisão, acusando a Disney de seguir a chamada agenda woke. Mas, tudo bem para a Disney. Hollywood inteira estava naquele momento contra o primeiro mandato Donald Trump e o wokeísmo estava em ascensão, pressentindo uma inevitável vitória Democrata nas novas eleições 2020 que chegavam.
Pois bem, Branca de Neve atrasou e acabou sendo lançada nos cinemas em meio ao caos dos primeiros meses do segundo governo Trump.
Resultado: Branca de Neve se tornou um dos maiores fracassos da Disney na leva de adaptações live-action de seus clássicos animados. Nos seus primeiros três meses em cartaz, as bilheterias não conseguiram sequer cobrir os custos de produção!
A produção tem sido atacada por ambos os lados do espectro político: foi condenada por ser muito “esquerdista” a ("Uma princesa da Disney famosa por sua pele clara sendo interpretada por uma atriz com ascendência colombiana? Como ousam?") e não progressista o suficiente ("Anões caricaturados nos dias de hoje? Como ousam?"). Some-se a isso os pronunciamentos sobre a guerra entre Israel e Gaza feitos por suas estrelas, Rachel Zegler (acusando a guerra como genocídio) e Gal Gadot (a Rainha má, a favor de Netanyahu), e você terá uma tempestade perfeita de publicidade negativa.
Muitos consideram o fracasso de Branca de Neve um caso de “fadiga das princesas da Disney”. Mas, esse humilde blogueiro considera o contrário. Por décadas as princesas higienizadas da Disney (românticas, brancas, de cabelos lisos, que esperam por seu príncipe encantado) foram o objeto de consumo de uma classe média orgulhosa de si mesmo – e no caso brasileiro, um duplo objeto de desejo: filmes americanos distribuídos em cinema multiplex de shoppings – o encontro do romantismo com o consumismo.
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Por isso, princesas Disney são um arquétipo moderno para os pais. Que agora querem repetir o ritual de passagem com seus filhos e... não conseguem ver o ideal de princesa na live-action Disney.
Para começar, sempre a aceitação de uma versão live-action de um clássico em animação é complicada, principalmente para os críticos.
Segundo lugar, dirigido por Marc Webb, de O Espetacular Homem-Aranha, e escrito por Erin Cressida Wilson, de A Garota no Trem, Branca de Neve faz um evidente revisionismo Woke da animação clássica. Seria tudo bem em um outro timing – a produção emerge em pleno ápice da polarização política, cuja vitória de Trump só acentuou como um acerto de contas.
E numa época de incertezas, jovens pais assistindo a um revisionismo histórico naquilo que parecia eterno, a-histórico (o modelo de romantismo ideal das princesinhas Disney), já parece ser demais!
Decididamente, revisionismos sobre modelos arquetípicos que moldaram o imaginário de gerações, não funciona em momentos de incertezas.
O Filme
Na sequência de abertura o filme já mostra suas intenções: ouvimos que Branca de Neve não recebeu o nome pela cor de sua pele, como diz a história tradicional, mas sim da nevasca que caía quando ela nasceu.
Não está totalmente claro porque o Rei e a Rainha escolheram o nome da filha em homenagem ao clima, mas considerando que ela poderia ter sido chamada de Garoa ou Vento Rajado, ela provavelmente deveria se considerar sortuda!
Continua com discursos e canções sobre os dias em que os pais bondosos de Branca de Neve governavam "um reino para os livres e os justos", onde "a generosidade da terra pertencia a todos que a cultivavam". Uau!!! Estaria a Disney chegou próximo de parafrasear o “Manifesto Comunista” de Karl Marx?
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Este Cinegnose vem apontando que a recente filmografia vem colocando a desigualdade e a luta de classes como temas recorrentes, desde o premiado filme sul coreano Parasita. Mas, claro, oferecendo o antídoto: empatia, sentimento de generosidade, motivações inclusivas etc. Coisas de sobra nos pais monarcas de Branca de Neve. Mas fica a questão: se a ordem é tão igualitária, por que um enorme castelo dominando a aldeia? Para quê reis e rainhas? Para quem os sete anões mineram pedras preciosas o dia inteiro nas cavernas?
Seriam questões desonestas? Afinal, estamos num conto de fadas...
Mas então, por que a luta de classes entra como fio condutor da narrativa? Por exemplo, nesta versão, o príncipe salvador de Branca de Neve não tem origem nobre. Em vez de um príncipe que aparece apenas para despertar a princesa, temos Jonathan (Andrew Burnhap), um "ex-ator" que virou uma espécie de Robin Hood, na floresta, onde ele e um bando alegre e diverso de rebeldes roubam dos ricos e são fiéis ao rei, afastado pela rainha má depois de um autêntico golpe de Estado.
A rainha golpista trouxe a desigualdade e a fome. Por que militarizou seu reino: transformou pacatos fazendeiros em soldados.
É Branca de Neve quem inicialmente resgata Jonathan, quando ele é pego roubando comida do castelo, um bom começo para uma relação de apoio mútuo.
Mas é quando Branca de Neve foge do castelo e a Rainha Má coloca um caçador no seu encalço para matá-la e arrancar seu coração (o leitor sabe, porque a Rainha quer ser a mais bonita do Reino...) é que as coisas ficam estranhas.
Branca de Neve foge de sua madrasta homicida e se esconde na floresta. Sua história de repente se transforma em uma recriação fiel, ainda que robótica, do desenho animado de 1937. A floresta em si parece um brinquedo da Disneylândia, com suas flores artificialmente brilhantes e criaturas da floresta de olhos grandes; Zegler parece uma funcionária de parque temático com o vestido de mangas bufantes característico de Branca de Neve – paradoxalmente, ela parece fazer a paródia de si mesma;
E os anões CGI parecem bonecos animatrônicos assustadores dos personagens clássicos. Optar por usar esses avatares digitais estranhamente fotorrealistas, em vez de colocar atores reais na tela, foi a pior opção, em se tratando de um filme woke: por que atores com nanismo não foram contratados? O que mereceu a crítica do aclamado e premiado ator portador de nanismo, Peter Dinklage (Crônicas de Nárnia, Vingadores: Guerra Infinita), acusando o estúdio de discriminação.
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O Woke e o Marxismo
O problema de Branca de Neve é que ele se ressente de uma dupla personalidade. Metade dele se passa em uma terra suja e sombria onde Branca de Neve quer fomentar uma revolta camponesa e restaurar uma utopia socialista. Mas a outra metade se passa em um reino de fantasia alegre e colorido, habitado por aristocratas bondosos e belos. Metade do tempo, os personagens entoam hinos exagerados e autoinspiradores. Mas na outra metade, eles cantam as alegres cantigas de 1937. Não tão motivacionais.
O que demonstra a contradição da ideologia Woke que motiva a produção da Disney.
A pensadora norte-americana Susan Neiman em seu livro “A Esquerda Não é Woke” nos oferece uma boa definição:
O Woke pode ser definido? Ele começa com a preocupação com pessoas marginalizadas e termina reduzindo cada uma delas ao prisma da sua marginalização. A ideia de interseccionalidade poderia ter enfatizado as maneiras pelas quais temos mais de uma identidade. Em vez disso, levou ao foco as partes das identidades que são mais marginalizadas, multiplicando em um campo de traumas – NEIMAN, Susan. A Esquerda Não é Woke, Ayné, 2024.
Embora muitos críticos, principalmente norte-americanos, apontem o filme como uma paródia do Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx (por exemplo, clique aqui), não é nada disso. O Woke nada tem a ver com o marxismo.
Em Branca de Neve a luta de classes é uma interseccionalidade que cria um campo de traumas. A Rainha Má acaba com o paraíso socialista porque é egoísta e narcisista. Traumatizados, o povo da aldeia esquece quem já foram (diversos e empáticos), tornando-se soldados cruéis. Lutam pela Rainha, apesar das suas famílias passarem fome.
Os aspectos estruturais, classistas e econômicos são esquecidos. Tudo vira uma questão cultural e moral.
Por isso que uma pergunta causa incômodo a esse humilde blogueiro: se o reino antes vivia num paraíso socialista, porque os sete anões, febrilmente, mineravam a caverna da floresta local em busca de muitas, muitas pedras preciosas?
Uma versão verdadeiramente marxista de Branca de Neve certamente daria uma resposta.
Ficha Técnica |
Título: Branca de Neve |
Direção: Marc Webb |
Roteiro: Erin Cressida Wilson |
Elenco: Rachel Zegler, Emilia, Faucher, Gal Gadot |
Produção: Walt Disney Pictures |
Distribuição: Walt Disney Motion Pictures |
Ano: 2025 |
País: EUA |