Federação de PP e União reagrupa herdeiros da Arena
Acordo que cria as maiores bancadas do Congresso envolve partidos com origem no PDS, herdeiro direto da aliança que deu sustentação à ditadura militar

O PP e o União Brasil devem anunciar oficialmente a formação de uma federação na 3ª feira (29.abr.2025). Conjunturalmente, o acordo criará uma potência legislativa e eleitoral. Historicamente, reagrupará legendas cuja genealogia está diretamente ligada à Arena, a Aliança Renovadora Nacional, que deu sustentação política à ditadura militar brasileira de 1965 a 1979.
“Essa federação significará um peculiar retorno às origens”, disse ao Poder360 o cientista político Claudio Couto, da FGV (Fundação Getulio Vargas) de São Paulo. “O fato vai além de uma curiosidade, porque remete à gênese da direita partidária brasileira pós-1979”, disse a este jornal digital o também cientista político Vitor Sandes, da Universidade Federal do Piauí.
A ditadura militar (1964-1985) criou o bipartidarismo no Brasil pelo Ato Institucional nº 2, de outubro de 1965. A partir dali, os generais-presidentes, assim como governadores e prefeitos, passaram a lidar com apenas 2 partidos: a Arena, pró-regime, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), uma espécie de oposição consentida.
Com a abertura de 1979, a ditadura permitiu novamente o pluripartidarismo. Foram criados no ano seguinte legendas como o PDS (Partido Democrático Social), herdeiro direto da Arena, o PMDB, que ganhou um “P” no nome, o PT (Partido dos Trabalhadores), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) –que havia sido extinto pela ditadura–, além de sua dissidência que reivindicava o espólio do getulismo: o PDT (Partido Democrático Trabalhista).
Em 1984, o PDS rachou. Um grupo do partido estava insatisfeito com o processo de sucessão do último presidente-general da ditadura, João Batista Figueiredo. Esses dissidentes não queriam apoiar a candidatura de Paulo Maluf à Presidência da República. Surgiu assim a Frente Liberal. No ano seguinte, em 1985, ela se tornaria o PFL (Partido da Frente Liberal), que, ao lado do PMDB, apoiou a eleição indireta de Tancredo Neves ao Palácio do Planalto.

O período da redemocratização –após a morte de Tancredo, o governo do vice José Sarney e os primeiros presidentes da República eleitos pelo voto direto a partir de 1989– foi marcado por uma série de regras que incentivaram a criação de novos partidos, com o país chegando a ter 35 agremiações na 2ª década dos anos 2000.
Foi nesse período que o PDS passou por fusões e mudanças de nome até virar PP (Partido Progressista). Em 2017, a legenda foi rebatizada como Progressistas.
Já o PFL se tornou DEM (Democratas) em 2007, no 2º mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e, em 2022, fundiu-se com o PSL (Partido Social Liberal) para formar o União Brasil.
PERFIL DO PP E DO UNIÃO BRASIL
O PP –ou Progressistas– tem como presidente nacional o senador Ciro Nogueira (PI). Um dos líderes mais influentes do partido é o ex-presidente da Câmara, deputado federal Arthur Lira (AL). A legenda integra o chamado centrão, grupo de congressistas que se une para obter acesso privilegiado ao Orçamento público e a cargos na máquina federal, independentemente da orientação política do presidente da República.
Segundo Claudio Couto, trata-se de um “partido de adesão” desde a época do PDS, ou seja, é uma legenda que costuma se associar ao mandatário da vez. “O PP esteve nos governos [eleitos pelo voto direto] Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e está agora de novo no governo Lula”, disse o cientista político da FGV-SP.

André Fufuca, deputado federal licenciado do PP do Maranhão, é ministro do Esporte neste 3º mandato de Lula. Carlos Vieira, presidente da Caixa Econômica Federal, foi indicado por Arthur Lira. Ao mesmo tempo, Ciro Nogueira se alinha claramente ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), principal nome da oposição a Lula.
Couto destacou que a trajetória do PFL foi diferente. “Algo notável sobre o PFL, depois rebatizado de Democratas, foi sua capacidade de se manter na oposição aos governos petistas durante todo o período dos 2 primeiros mandatos de Lula e nos mandatos de Dilma. Por isso mesmo, não faz sentido classificar o PFL-DEM como uma agremiação do centrão, ou um partido de adesão”, disse o cientista político.
Essa característica começou a mudar depois da fusão com o PSL, um partido pequeno, então comandado pelo deputado federal Luciano Bivar (PE), que só ganhou relevância em 2018, ao abrigar a candidatura vitoriosa de Bolsonaro à Presidência.
Bolsonaro deixou o PSL em 2019, antes de terminar o 1º ano de governo. O partido viveu então uma disputa entre Bivar e o advogado Antonio Rueda, figura dos bastidores próxima ao primogênito de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
A disputa virou até caso de política. Rueda chegou a acusar Bivar de incendiar duas casas de sua família em Ipojuca, no litoral pernambucano. O advogado também acusou o deputado de tentar matá-lo –tudo sempre negado por Bivar.

No fim, Rueda saiu vencedor. Articulou a fusão com o DEM e criou o União Brasil, do qual se tornou presidente. A nova legenda, segundo Claudio Couto, tornou-se um “partido de adesão”.
O União Brasil indicou 2 ministros para o atual governo Lula. Celso Sabino, deputado federal pelo Pará, assumiu a pasta do Turismo. Juscelino Filho, deputado federal pelo Maranhão, assumiu as Comunicações.
Um 3º nome –o senador licenciado do PDT do Amapá Waldez Goes– foi indicado diretamente pelo atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), para comandar o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional.
Juscelino Filho caiu no início de abril de 2025 depois de ser denunciado por corrupção por fatos relacionados à sua atuação como congressista. O governo Lula anunciou então o líder do União Brasil na Câmara, Pedro Lucas Fernandes (MA), como o novo titular da pasta. Mas o deputado desistiu, expondo a fragilidade da relação entre o Planalto e o partido. Alcolumbre aproveitou para indicar o engenheiro Frederico de Siqueira Filho, que virou o novo ministro das Comunicações.
O cientista político da FGV-SP explicou que esse constrangimento para Lula partiu de uma nova reconfiguração de forças entre o Planalto e o Congresso, com os partidos dependendo cada vez menos do governo para manusear o Orçamento público, por causa do aumento de dinheiro destinado às emendas parlamentares.
“Os partidos de adesão já não são mais tão aderentes, pois com o ganho de poder do Congresso frente ao Executivo, já não emprestam seu apoio aos governos tão facilmente –ainda mais no caso de governos ideologicamente menos alinhados, como é o caso de Lula”, afirmou Claudio Couto. “Ao se juntarem agora, [PP e União Brasil] voltam à origem, mas muito transformados”, completou.
PAPEL DAS FEDERAÇÕES
As federações foram criadas pela Lei nº 14.208 de 2021. Trata-se de um modelo de união de partidos mais flexível do que uma fusão ou uma incorporação. Ainda assim, traz regras mais rígidas do que as antigas coligações proporcionais, em que legendas sem nenhuma afinidade político-ideológica se uniam exclusivamente para eleições, sem nenhum compromisso posterior.
Com a federação, os partidos precisam permanecer juntos nos 4 anos seguintes. As legendas preservam sua identidade, seus filiados e sua autonomia financeira. Mas, além de terem de atuar conjuntamente nos legislativos, elas não podem disputar entre si cargos majoritários em eleições, como nas votações para presidente, governador ou prefeito.
Esse é um dos pontos que despertam resistências internas. Enquanto os líderes nacionais miram nos fundos Partidário e Eleitoral turbinados e na potência que a federação terá no Congresso, os líderes regionais do PP e do União Brasil reclamam porque, localmente, disputam vagas majoritárias entre si.
Na prática, as federações foram criadas como uma adaptação ao fim das coligações proporcionais, que garantiam a sobrevivência de pequenos partidos diante da cláusula de desempenho, dispositivo que obriga as legendas a terem desempenhos mínimos crescentes ao longo das eleições para a Câmara dos Deputados a fim de continuar recebendo dinheiro público e tendo espaço na rádio e na TV.
O Congresso conta atualmente com 2 federações formadas nas eleições de 2022. Uma delas une PT, PCdoB e PV. A outra é uma parceria do PSDB com o Cidadania.
“As federações servem como uma espécie de contrapeso à diminuição radical da fragmentação partidária que o fim das coligações e a cláusula de desempenho gerariam. Com isso, as siglas originais seriam preservadas, sem a necessidade de uma fusão partidária. Isso aconteceu, por exemplo, na federação entre PT, PCdoB e o PV”, disse Vitor Sandes.
No caso da parceria do PP com o União Brasil, o objetivo não é a sobrevivência, afinal são 2 partidos grandes, e sim o aumento do poder no Congresso e nos acordos políticos para as eleições.
Para o cientista político da Universidade Federal do Piauí, a federação, porém, não garante uma coesão completa entre PP e União Brasil. “Partidos com muitas lideranças regionais. O impacto maior dessa federação está na capacidade de pressão sobre governo, inclusive, na questão que se tornou central para os parlamentares desses partidos: acesso a emendas orçamentárias”, afirmou.
IMPACTOS PARA 2026
A federação entre PP e União Brasil foi batizada de União Progressistas. Pelo acordo, a presidência da parceria será alternada entre Antonio Rueda e Arthur Lira.
Uma vez anunciado o acordo na 3ª feira (29.abr), a federação terá poder de influência não apenas neste 3º mandato de Lula, mas também na sucessão presidencial de 2026.
As duas legendas têm cargos no governo, mas estão ideologicamente alinhadas à direita, com muitos de seus integrantes sendo próximos do bolsonarismo, incluindo seus presidentes Ciro Nogueira e Antonio Rueda.
Bolsonaro está inelegível. E o campo da direita ainda não tem candidato definido. Por ora, a própria federação tem um nome para lançar: o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), que se apresenta como pré-candidato e foi contrário à federação.
No momento, o nome mais forte para o Planalto em um cenário de direita unificada é o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

“A federação pode se mostrar forte e competitiva em disputas para o Senado e a Câmara, assim como em alguns pleitos de governos estaduais. Também pode ter maior poder de barganha na indicação de um possível vice na chapa presidencial da direita; no caso da chapa petista isso é menos provável, pois dificilmente Geraldo Alckmin deixará de ser o vice de Lula numa tentativa de reeleição”, disse Claudio Couto, da FGV-SP.
Vitor Sandes destacou que PP e União Brasil, uma vez federados, saem mais bem posicionados para a definição dos palanques em 2026. “Para as lideranças que buscam um candidato à presidência da República do campo da direita em 2026, controlar um partido ou federação mais encorpada, numerada, com estrutura e financiamento pode definir os rumos da escolha desse candidato, bem como pode definir também palanques estaduais, centrais em disputas presidenciais e para o futuro dos partidos”, disse.
Segundo o cientista político da Universidade Federal do Piauí, a origem dos 2 partidos, herdeiros diretos da Arena e a reconfiguração da direita brasileira a partir da ascensão de Bolsonaro ajudam a projetar o que está por vir: “Tanto o PP quanto o União Brasil são partidos que emergem de uma linhagem tradicional da direita brasileira. O bolsonarismo, como movimento de opinião, transcende a velha direita, mas, ao mesmo tempo, depende da direita tradicional para se manter na cena política brasileira, assim como a direita tradicional também se tornou dependente do bolsonarismo.”