Falta de mão-de-obra está a “atrasar economia”. Contratos com estrangeiros aumentaram 1% em Portugal

Numa altura em que os patrões aguardam a nova versão do Governo para o novo mecanismo de migração laboral, surgem críticas da parte do setor da agricultura sobre atrasos na emissão de vistos. CAP alerta para "consequências muito negativas" dessa demora. CIP avisa que economia precisa de trabalhadores não só em quantidade mas em qualidade e sugere que sejam retomados programas com vantagens fiscais para atrair talentos.

Mar 6, 2025 - 09:02
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Falta de mão-de-obra está a “atrasar economia”. Contratos com estrangeiros aumentaram 1% em Portugal

O número de contratos de trabalho com cidadãos estrangeiros em Portugal no ano passado ultrapassou novamente o meio milhão (525.844), um aumento de 1,1% em relação a 2023. Os dados da Segurança Social, fornecidos ao Jornal Económico (JE) pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, mostram que o ritmo de contratos com estrangeiros abrandou, depois do aumento de 23,7% registado em relação a 2022.

Instado a comentar estes números, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) lembra que os dados não refletem a realidade a cada momento, mas não deixa de avisar que a falta de mão-de-obra “está a atrasar a economia” como um todo e não apenas a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cujas metas se aproximam do fim.

Armindo Monteiro alerta que não só faltam trabalhadores em quantidade, como também em qualidade. “Para resolvermos o problema da transformação da nossa economia, precisamos dos qualificados. Essa falta de mão-de-obra é mais desafiante”, afirma o responsável ao JE. Se o país não conseguir atrair este tipo de trabalhadores, avisa, “vamos continuar a ter uma economia de mínimos”.

Ao nível das empresas, aponta a CIP, a carência de trabalhadores qualificados é notória “no segmento médio para cima” e áreas como a engenharia, a saúde, e na própria atividade dos serviços, “áreas concretas onde faltam talentos”.

É que, além de aqueles que “produzimos nas nossas universidades irem embora”, não conseguimos “atrair outros”. Armindo Monteiro sugere, por isso, que sejam retomados programas que atribuam vantagens a nível fiscal para que Portugal possa disputar este tipo de mão-de-obra com outros países.

O presidente da CIP lembra ainda que, de acordo com o estudo feito no final do ano passado, para fazer crescer a economia e nos aproximarmos da média europeia, Portugal precisa de 150/200 mil trabalhadores nos próximos quatro anos. Tenho uma preocupação acrescida. Não é só os 150 mil, são os 150 mil, mas com as qualificações necessárias. Precisamos de atrair talento, e isso é bem mais difícil do que atrair indiscriminadamente”, insiste.

Migração laboral – mecanismo quase à vista

O alerta da CIP surge numa altura em que o Governo e as confederações patronais estão na reta final das negociações de um protocolo de cooperação para uma migração laboral regulada. Se por um lado o Executivo insiste que as empresas devem fornecer habitação e formação aos migrantes, em troca de vistos em 30 dias, por outro, os patrões exigiram um período de fidelização desses trabalhadores para evitar que Portugal seja “uma porta giratória” de migrantes.

Segundo Armindo Monteiro, a “bola” está agora do lado do Governo, depois da última reunião a 7 de fevereiro com o ministro da Presidência, António Leitão Amaro. Para a CIP, “foi uma reunião muito produtiva, muito interessante”, tendo ficado com a expectativa de que “há caminho para se chegar rapidamente a acordo”. “Tem de ser rápido. É necessário resolver não apenas o número, ainda grande, de imigrantes que já se encontra em Portugal, documentá-los, não podem estar na clandestinidade, e a partir daí, normalizar os pedidos de visto sem que se provoque este acumular que agora se verificou”.

Depois desse encontro, o Governo ficou de apresentar uma versão do protocolo que, de alguma forma, contemple propostas das confederações. Sobre a exigência de um período de fidelização dos trabalhadores, a CIP sustenta que “não podem as empresas portugueses suportar custos de formação de migrantes que depois se vão embora”. “Temos de acautelar isso e encontrar formulações que permitam evitar que seja um problema”.

Outra das preocupações transmitidas pela CIP ao Governo é a dificuldade para abrir uma conta bancária, o que “leva a uma certa economia paralela.”. “Sensibilizámos para a necessidade de se corrigir esse ponto porque sem cartão de residente, o banco não abre uma conta. Isso leva a que os pagamentos tenham de ser feitos em moeda. A ideia é que isso possa ser corrigido”, adianta Armindo Monteiro, mostrando-se confiante no novo mecanismo: “A nossa expectativa, ao contribuir para esta mudança, é que a situação melhore em termos de autorização de residência e vinda de imigrantes. Esperamos que com este quadro seja mais interessante para quem escolhe Portugal para trabalhar e residir.”

A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) também aguarda com expectativa a segunda versão do protocolo que está a ser negociado com o Governo. Questionada sobre os dados do número de contratos com estrangeiros do ano passado, e se teme que o fim do regime de manifestação de interesse decretada a meio do ano passado possa agravar a carência de mão-de-obra na agricultura, fonte oficial da confederação respondeu não ter “qualquer receio” que isso aconteça.

Avisa, no entanto, que as empresas do setor “têm dado a conhecer à CAP substanciais atrasos na emissão de vistos de estada temporária, sobretudo por parte do Posto Consular em Nova Deli, apesar das promessas do Governo de reforçar os recursos humanos para dar resposta à emissão de vistos”. Estas demoras, alerta, “acarretam consequências muito negativas para o setor agrícola, devido ao ciclo das culturas e natureza dos produtos, que não podem esperar indefinidamente pela vinda dos trabalhadores estrangeiros”.

Raio-x aos contratos com cidadãos estrangeiros

Analisados os dados da Segurança Social, é possível constatar que o número de contratos com cidadãos indostânicos, no seu conjunto, decresceu (houve menos 2.572 contratos, apesar de o Nepal e do Paquistão terem registado um ligeiro aumento). Concretamente, em 2024, houve 56.423 contratos com cidadãos da Índia (em 2023 tinham sido 58.701), 33.000 com cidadãos do Bangladesh (em 2023 tinham sido 34.743), 27.626 com trabalhadores vindos do Nepal (em 2023 foram 26.547) e 23.440 contratos com cidadãos do Paquistão (no ano anterior tinham sido 23.070).

Em sentido inverso ao conjunto dos países indostânicos, os Países Angolanos de Língua Oficial Portuguesa, em 2024 houve um aumento de 34,4% face a 2023 (mais 25.506 contratos). Na Segurança Social houve registo de 32.403 contratos com cidadãos de Angola (no ano anterior tinham sido 20.222); 25.807 contratos com trabalhadores vindos de Cabo Verde (em 2023 foram 21.862); 23.820 com cidadãos da Guiné Bissau (contra 18.053 registados em 2023) e 16.924 contratos com trabalhadores de São Tomé e Príncipe (no ano anterior foram 13.311).

O Brasil, país com maior peso de mão-de-obra estrangeira em Portugal, sofreu, ainda assim, uma quebra de 7,7% do número de contratos, tendo sido registados na Segurança Social, no último ano, 189.718, quando em 2023 tinham sido 205.644.

Os dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social destacam ainda os trabalhadores vindos da Ucrânia, notando que em 2024 se registaram 5.464 contratos com cidadãos deste país em guerra desde 2022, um pouco menos quando comparado com 2023, ano em que houve 6.101 contratos de trabalho com ucranianos.

Ainda segundo os mesmos dados, 91.219 dos contratos com cidadãos estrangeiros em 2024 dizem respeito ao conjunto de todas as outras nacionalidades.

O ano passado, recorde-se, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social foram as mais altas de sempre, totalizando 3,6 mil milhões de euros, o que representa 12,4% das contribuições totais. Em quatro anos, o peso dos estrangeiros nas contribuições para a Segurança Social mais do que duplicou.