Eurovision 2025 de O a Z, o guia definitivo (Parte 2/2)
37 países participarão da Eurovision 2025. Cada semifinal classificará 10 países para a grande final, a ser realizada no sábado, dia 17/5.

texto especial de Alexandre Inagaki
Em 2025, a Eurovision chegará à sua 69ª edição. No ano passado, 163 milhões de espectadores acompanharam o festival: audiência muito maior que as cerimônias do Grammy e dos prêmios da MTV. 37 países participarão da Eurovision 2025. Na primeira semifinal, que será realizada em 13 de maio, competirão 15 destes países. A segunda semifinal, marcada para o dia 15/5, terá a participação de outras 16 nações. Cada semifinal classificará 10 países para a grande final, a ser realizada no sábado, dia 17, e na qual 26 músicas serão apresentadas.! Abaixo, seguimos com novo guia definitivo de A a Z.
PARTE 1 – DE A a N
Oceania
Embora Israel seja um país do continente asiático, trata-se de uma nação que integra a Área Europeia de Radiodifusão. Mas como entender a participação na Eurovision de um representante da Oceania como a Austrália, tão distante geograficamente da Europa?
A emissora australiana SBS transmite as edições da Eurovision desde 1983, sempre com expressiva audiência (apesar de, no fuso horário de lá, as transmissões dos shows começarem às 5 da manhã). Esse interesse público acabou inspirando a organização do evento que, em 2015, como parte das celebrações dos 60 anos da Eurovision, convidou a Austrália para fazer uma participação especial na competição.
Em sua estreia, fizeram bonito: “Tonight Again”, interpretada por Guy Sebastian, ficou na 5ª colocação. Esse sucesso acabou motivando os organizadores a repetirem o convite especial em 2016, ano em que a terra dos cangurus obteve um resultado ainda mais expressivo: “Sound of Silence”, cantada por Dami Im, foi a canção vice-campeã daquela edição. Desde então, a Austrália é convidada todo ano para a festa.
Em 2025, o representante solitário da Oceania será o cantor Go-Jo, que defenderá na Eurovision a música “Milkshake Man”.
Pontuações
Nesta competição musical, um momento tão emocionante quanto dos shows em si é a revelação das pontuações obtidas por cada competidor, ao final de quase 2 horas de apresentações.
1988 foi um dos anos em que a disputa foi mais acirrada: Celine Dion, cantando pela Suíça, ganhou por apenas 1 ponto de diferença do segundo colocado, o Reino Unido. Mais emocionante ainda foi a forma como os resultados foram revelados: a Suíca só assumiu a liderança na última pontuação anunciada, pelo júri da Iugoslávia. Como bem descreveu o apresentador daquela Eurovision, aquela sequência de pontuações pareceu roteiro escrito por Agatha Christie.
2021 foi outro ano em que a revelação de pontuações foi repleta de momentos de emoção, suspense e plot twists, com direito a 4 países terem recebido zero pontos do público. A disputa, acirrada entre a Itália de Måneskin, a Suíça de Gjon’s Tears e a França de Barbara Pravi, rendeu fortes emoções até o último minuto (não à toa, o vídeo da sequência de pontuações chegou à casa de mais de 9 milhões de views).
“Queer Pride”
A Eurovision é considerada um “fenômeno queer global” e conhecida pela alcunha de “Jogos Olímpicos gay” por motivos como os figurinos elaborados e encenações teatrais de cada canção no palco, o aspecto camp, kitsch, glamoroso, operístico e divertido (não necessariamente nesta ordem) de seus shows e, especialmente, os muitos momentos marcantes ligados ao orgulho LGBTQIA+ ao longo de toda a história do evento.
Em 1997, o cantor islandês Paul Oscar fez história como o primeiro participante assumidamente gay da Eurovision. Em 1998, a israelense Dana International tornou-se a primeira competidora transgênero a vencer a Eurovision, com a canção “Diva”: uma vitória altamente significativa, em tempos nos quais as pessoas trans passavam – e ainda passam – por uma série de desafios para, simplesmente, poderem viver com dignidade, respeito e paz.
Outro momento histórico ocorreu em 2007, quando a Sérvia conquistou seu primeiro título graças à performance marcante de Marija Šerifović. Que, vestida de forma discreta, conquistou o público com “Molitva” (“oração” em sérvio), uma canção de amor interpretada de forma arrebatadora, cuja performance termina com mãos femininas unidas pelo desenho de um coração: um modo sutil e eficaz de passar a mensagem de uma artista que só assumiu ser lésbica em 2013, um ano antes da Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Belgrado voltar a ser permitida e realizada com proteção policial.
E, claro, não há como citar o orgulho queer na Eurovision sem falar de Conchita Wurst, a drag queen barbuda que deu o título da edição de 2014 para a Áustria com uma balada que poderia ser tema de filme de James Bond: “Rise Like a Phoenix”.
Sua conquista marcou época. Artistas queer de todo o mundo citam aquele momento no Eurovision como um momento inesquecível e inspirador. Conchita depois se apresentou em palcos como os do Festival Pride e da Ópera de Sydney, e levou sua mensagem de tolerância e diversidade às tribunas do Parlamento Europeu e das Nações Unidas.
A vitória de Wurst, porém, também despertou reações virulentas. A Turquia, que participou de 34 edições da Eurovision, se ausenta do concurso desde 2012. Um dos motivos alegados seria a participação de artistas LGBTQUIA+. Ibrahim Eren, da Rádio e Televisão Turca, afirmou: “Como emissora pública, não podemos fazer uma transmissão ao vivo às 21 horas, quando crianças estão assistindo, de um austríaco com barba e saia, que afirma não ter gênero e diz ‘sou homem e mulher ao mesmo tempo’.” E, na Rússia de Putin, deputados e autoridades citaram Conchita como “exemplo de decadência moral da Europa”.
Em 2024, foi a vez de Nemo fazer história pela Suíça ao se tornar a primeira artista não-binária campeã da Eurovision com “The Code”. Na música, de letra autobiográfica, Nemo canta sobre “quebrar o código” para viver “em algum lugar entre os zeros e uns”.
Na Eurovision 2025, há vários participantes que são abertamente da comunidade queer, como Red Sebastian (Bélgica), ADONXS (República Checa) e Miriana Conte (Malta). Mas vale destacar aqui a coragem de Marko Bošnjak, representante da Croácia, que afirmou que chegou ao “status de inimigo nacional” por ser o primeiro cantor declaradamente gay do país. Em entrevista, Marko declarou: “Não tive representação na mídia croata e nunca vi ninguém que se assumisse e se orgulhasse de ser gay e queer. Então, fico feliz que talvez algumas gerações depois de mim trilharão um caminho muito mais fácil do que o que estou trilhando agora”.
Rússia
Sua estreia na Eurovision ocorreu em 1994, após a televisão estatal russa se tornar membro da EBU. De lá para cá, foram 23 participações, com direito a uma vitória (em 2008) e quatro vice-campeonatos. Vale destacar ainda o terceiro lugar que conquistou em 2003, quando foi representada pela dupla pop feminina t.A.T.u.
Em 2022, o país foi excluído do concurso por causa da invasão à Ucrânia e da subsequente pressão feita por outros integrantes da EBU para que os russos fossem impedidos de continuar competindo na Eurovision. Não por coincidência, na edição desse mesmo ano o público europeu deu a vitória à Ucrânia, representada pelo rap “Stefania”, do grupo Kalush Orchestra.
Motivado pela expulsão da EBU, Vladimir Putin assinou um decreto para que a Intervision, versão comunista da Eurovision que foi realizada entre os anos de 1965 e 1980, antes da queda do muro de Berlim, volte a ser organizada. Supostamente, será um concurso musical enfatizando o respeito a “valores tradicionais universais, espirituais e familiares” (cof, cof), com a participação de países amigos da Rússia como Cazaquistão e Bielorússia e de membros do BRIC como Brasil (pois é…) e China. Será que essa Eurovision anti-LGBTQIA+ vai mesmo acontecer em 2025? A conferir.
Soft Power
Quem vê os resultados bem-sucedidos dos investimentos que a Coreia do Sul tem feito para expandir mundialmente sua cultura já está testemunhando o que é o soft power: o modo como a propagação de uma imagem positiva é capaz de disseminar globalmente os valores culturais e ideológicos de uma nação. Quando milhões de pessoas por todo o mundo começam a ouvir k-pop, admirar o país por trás de filmes como “Parasita”, séries como “Round 6” e escritores como Han Kang (autora vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2024), ficam curiosos em aprender seu idioma, provar sua gastronomia e fazer viagens turísticas para conhecer pessoalmente as locações dos doramas que maratonam na Netflix, isso é soft power na veia. O mesmo princípio, enfim, que fez com que Hollywood, CNN, Elvis Presley, McDonald’s e Barbie se tornassem importantes veículos de exportação dos valores dos EUA mundo afora.
A Eurovision, como maior evento não-esportivo mais conhecido globalmente (superado apenas pelos Jogos Olímpicos e pela Copa do Mundo), é acompanhado por centenas de milhões de pessoas pela TV e internet em mais de 150 países. E, assim como países conhecidos pela arbitrariedade de seus regimes e violações aos direitos humanos investiram milhões de dólares para sediar Copas (como Rússia em 2018 e Catar em 2022), vencer uma edição da Eurovision e conquistar o direito de sediá-la no ano seguinte é uma oportunidade de ouro para nações que desejam fomentar uma imagem positiva para o mundo afora.
O problema é quando isso se dá às custas de sua própria população, como foi o caso do Azerbaijão. Após ter vencido a edição de 2011, o governo construiu, do zero, a arena Baku Crystal Hall, com capacidade para até 23 mil pessoas, a fim de sediar a Eurovision 2012. Com isso, aproveitou a chance ímpar de impressionar milhares de turistas e milhões de telespectadores passando a imagem de um país moderno e em plena ascensão econômica e cultural. Porém, o embelezamento e a modernização da capital foram realizadas enquanto dezenas de famílias foram despejadas de suas casas.
Além de fenômeno cultural, a Eurovision é, inegavelmente, um acontecimento político e sociológico, que ajuda a entender a Europa contemporânea e suas complexas dinâmicas de poder. Deixo aqui a recomendação de dois artigos acadêmicos para quem quiser se aprofundar no assunto: “High camp and soft power: How Eurovision explains modern Europe — and more” (Bulletin of the Atomic Scientists) e “The Eurovision Song Contest as a Cultural and Political Phenomenon” (The City University of New York).
Três minutos
É o tempo de duração máxima permitido para uma música concorrente do Eurovision. Caso a canção dure mais do que isso, precisará ser editada para se encaixar nas regras da competição.
Outras regras da Eurovision estabelecem que não mais do que 6 pessoas (entre cantores e dançarinos) podem subir no palco da apresentação, e os vocais principais sempre devem ser ao vivo (mas os backing vocals podem ser gravados).
UMK
O Uuden Musiikin Kilpailu (ou UMK para os íntimos) é o concurso anual de música organizado pela Yle, a emissora pública da Finlândia, que define os representantes do país nórdico na Eurovision.
Sua primeira edição foi realizada em 2012. Apesar de ter muito menos tradição do que outras seletivas nacionais públicas como as de Portugal, Suécia e Itália (vide letras F, M e S), o UMK ganhou rapidamente relevância e credibilidade, graças à repercussão nacional e internacional obtida por vencedores como Käärijä, cantor que fez de sua música “Cha Cha Cha” o maior sucesso de público da Eurovision 2023 (liderou a votação do público e conquistou o 2º lugar no resultado geral, perdendo para a sueca Loreen com “Tattoo”). Na ocasião, “Cha Cha Cha” liderou as paradas da Finlândia e de mais 3 países, além de ter se tornado a primeira música cantada em finlandês que chegou ao Top 10 no Reino Unido.
Em 2025, o UMK bateu novo recorde de audiência: 2,2 milhões de espectadores, que equivalem a 40% da população da Finlândia. E consagrou como vencedora Erika Vikman, uma cantora que iniciou carreira interpretando tangos finlandeses, mas se reinventou a partir da edição de 2020 do UMK, quando defendeu “Cicciolina”, música composta por ela que faz uma homenagem à atriz pornográfica Ilona Staller, que depois foi eleita deputada pelo parlamento da Itália. Naquele ano, Erika venceu a votação do público, mas foi derrotada nos resultados finais por causa dos votos do júri.
Em 2025, não teve pra ninguém: Erika venceu com sua contagiante performance ao vivo cantando “ICH KOMME”. A música é cantada em finlandês, mas o título está no idioma alemão e pode ser traduzido com algo como “VOU GOZAR”:
Aqui, eu preciso citar um vídeo fenomenal de 33 minutos e 15 segundos de duração, feito por Matthew Wrather, em que ele fala da incapacidade dos finlandeses de expressarem emoções, a queda da porcentagem de mulheres finlandesas que relatam ter orgasmos, a influência de Nina Hagen e filmes pornôs alemães dos anos 70. E mostra, com provas sólidas, como “ICH KOMME” e a persona artística que faz de Erika Vikman um ícone feminista e libertário em um país tão emocionalmente travado (fazendo com que o tango seja, lá, um estilo musical tão importante quanto na Argentina), se conectam com tudo isso e mais um pouco.
Wiwibloggs
Criado pelo jornalista William Lee Adams originalmente como um blog para falar de Eurovision, o https://wiwibloggs.com acabou por se tornar a maior comunidade online de fãs do festival e a principal referência independente de informações, 12 meses por ano, sobre o evento.
Atualmente, o Wiwibloggs tem colaboradores em todos os países envolvidos com a Eurovision. William já foi chamado para ser jurado das seletivas nacionais de países como Armênia, Noruega e Eslovênia. E também participou do filme “Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars” (vide letra H) fazendo uma ponta como ele mesmo.
X Factor
Esta franquia de competição musical televisiva, que estreou no Reino Unido em setembro de 2004, revelou em sua versão original cantores e grupos como Leona Lewis, One Direction, Rebecca Ferguson e Little Mix. Depois, seu formato foi exportado para nada menos que 81 países diferentes espalhados pelos 5 continentes.
As ligações entre a Eurovision e as várias franquias internacionais do X Factor começam pelo próprio Reino Unido; dois representantes britânicos foram revelados pelo reality show, Andy Abraham (que competiu em 2008) e Lucie Jones (2017). Mas é a sua versão da Itália que legou mais intérpretes da Eurovision: Marco Mengoni (que venceu o X Factor em 2009 e cantou pela Itália em 2013), Francesca Michielin (ganhadora do programa em 2012 e competidora da Eurovision em 2016), Mahmood (eliminado no terceiro episódio do X-Factor 2012, deu a volta por cima vencendo Sanremo e cantando na Eurovision em dois anos, 2019 e 2022) e Måneskin (vice-campeões do X-Factor 2016, vencedores de Sanremo e da Eurovision em 2021).
Além disso, países como Malta e Israel já fizeram de suas versões do X-Factor também as suas seletivas dos cantores que os representaram na Eurovision. Outro reality show conhecido por revelar talentos para a Eurovision é o programa The Voice (Polônia e Bélgica já aproveitaram o programa como sua seletiva nacional).
YouTube
A Eurovision começou como um concurso organizado pela EBU, uma rede de emissoras públicas nacionais de TV (vide letra E). Mas rapidamente se adaptou à era da internet, fazendo transmissões ao vivo das semifinais e da grande final em seu canal oficial de YouTube, com mais de 6 milhões de inscritos. É assim que a maior parte dos fãs não-europeus da Eurovision acompanham e torcem, em tempo real, pelas suas músicas favoritas.
Além disso, vale ressaltar o papel fundamental dos chamados “eurofãs” na divulgação e repercussão do festival. Memes, reacts, entrevistas com os artistas, análises musicais (mas também políticas e sociológicas), não só dos concorrentes da Eurovision como de todas as principais seletivas nacionais, rendem assuntos 365 dias por ano para canais como ESC Gabe, Overthinking It e Eurovoxx.
Brasileiros poderão acompanhar os shows da Eurovision através das transmissões em tempo real em seu canal oficial no YouTube. Os links de cada transmissão inclusive já estão disponíveis:
– Primeira semifinal (13/5, a partir das 16 horas de Brasília):
– Segunda semifinal (15/5, a partir das 16:00):
– Grande final (17/5, 16:00):
Zjerm
Música que representará a Albânia na Eurovision 2025, “Zjerm” significa “fogo”. Grande vencedora da 63ª edição do Festivali i Këngës (seletiva anual organizada pela televisão estatal albanesa), é interpretada pelo duo folk-eletrônico Shkodra Elektronike.
“Zjerm” ganhou status de cult junto aos eurofãs, com uma música que amalgama elementos étnicos balcãs com sons de orquestra e tem versos que falam de uma Albânia na qual óleo tem cheiro de lilás, liberdade de expressão é ensinada nas escolas e as pessoas não enxergam as estrelas porque seus pés pisam nelas quando caminham em delírio. Tudo isso, emoldurado por uma batida eletrônica moderna e vocais compartilhados entre uma cantora que inclui elementos coreográficos de vogue em sua performance e a voz soturna de um misterioso homem careca. O resultado: uma música que surpreendeu ao derrotar Elvana Gjata, a maior pop star da Albânia (fazendo uma comparação para fins didáticos, foi mais ou menos como se uma dupla formada por Alice Caymmi e Arnaldo Antunes conseguisse derrotar Anitta em uma votação popular).
PARTE 1 – DE A a N
– Alexandre Inagaki é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, e consultor de mídias sociais. Já escreveu para a Rolling Stone Brasil, Trip e foi responsável pela criação e planejamento de campanhas online para Coca-Cola, Sony Pictures, entre outros. É curador da Campus Party e youPIX Festival. Publica textos na internet desde 1999. Começou em blogs coletivos e em seu próprio e-zine, chamado SpamZine. Além do Pensar Enlouquece, também foi um dos criadores do InterNey Blogs, um portal brasileiro de blogs. (linktr.ee/alexandreinagaki)