Enrique Martinez, CEO da FNAC Darty, alerta para os recursos limitados: “O tempo da abundância ficou para trás”

No seu novo livro "E Se Consumíssemos Melhor", Martinez reflete sobre a urgência de repensarmos a forma como adquirimos e utilizamos produtos, destacando o papel das empresas e dos consumidores nesta transformação.

Abr 11, 2025 - 10:40
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Enrique Martinez, CEO da FNAC Darty, alerta para os recursos limitados: “O tempo da abundância ficou para trás”

Enrique Martinez, CEO da FNAC Darty, tem estado na linha da frente da defesa de um consumo mais sustentável e consciente. Com uma vasta experiência no setor do retalho, é um dos grandes impulsionadores da necessidade de mudança nos hábitos de consumo.

No seu novo livro “E Se Consumíssemos Melhor”, Martinez reflete sobre a urgência de repensarmos a forma como adquirimos e utilizamos produtos, destacando o papel das empresas e dos consumidores nesta transformação. Além disso, aborda temas como reparabilidade, sustentabilidade e o impacto que o setor pode ter na transição ecológica.

Nesta entrevista à Marketeer, o líder da FNAC Darty partilha a sua visão sobre o futuro do consumo responsável, os desafios das grandes marcas e a importância de recolocar a Europa no centro da produção.

O que o motivou a escrever “E Se Consumíssemos Melhor” e qual foi o ponto de viragem que o fez perceber a urgência deste tema?

Com este livro, quis tornar públicas as convicções e ações do Grupo Fnac Darty em prol de um consumo mais sustentável e responsável. Nos últimos anos, as minhas equipas e eu tivemos a oportunidade de falar com os meios de comunicação social sobre reparabilidade, sustentabilidade e assim por diante. Estes eram assuntos que achei que seria interessante explorar mais a fundo.

O ponto de viragem para mim foi conhecer o Al Gore quando estava à frente da Fnac Portugal em 2007. Ele tinha vindo apresentar o seu documentário “Uma Verdade Inconveniente”, na Fnac, em Lisboa. Na altura, estava prestes a ganhar o Prémio Nobel da Paz em conjunto com o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), um organismo desconhecido pela maioria das pessoas na altura.

Acredita que os consumidores estão realmente prontos para mudar os seus hábitos de consumo ou ainda existe uma forte resistência à mudança?

Os consumidores franceses estão mais curiosos e mais sensíveis à questão climática, e durante muito tempo subestimámos a sua capacidade de adotar novos comportamentos: podemos ver isso, por exemplo, com a proliferação de bicicletas em Paris, o sucesso da Vinted e das roupas em segunda mão, ou o the Back Market com os seus smartphones recondicionados.

Estamos a assistir a uma onda de interesse em reparações, mas também em “segunda vida”, ou seja, produtos recondicionados, pelos quais os consumidores têm um real apetite.

A FNAC e a Darty já implementaram medidas sustentáveis. Existe algum exemplo específico que queira destacar que possa servir de inspiração para outras empresas?

O mais icónico é a invenção do modelo de reparação ilimitada por subscrição, o Darty Max, que conta agora com mais de 1,4 milhões de subscritores em França e na Bélgica. Estamos a reparar cada vez mais produtos (2,6 milhões até 2025) e criámos um modelo de serviço que nos permite compensar a perda de receitas com vendas de novos produtos para financiar a transição.

Com a Darty Max, estamos a oferecer aos clientes a oportunidade de cuidar dos seus eletrodomésticos por um preço muito razoável. O mais importante é conquistar clientes com esta solução de acesso para reparações. Se este se tornar um aspeto importante na escolha do cliente, recorrerão à Fnac Darty. O meu desafio é transformar o mix de produtos e serviços para atrair novos clientes.

Qual o papel das grandes marcas e retalhistas na construção de um modelo de consumo mais responsável? Devem liderar a mudança ou esperar que os governos tomem a iniciativa?

Estas grandes empresas têm a capacidade de impactar e incentivar a transição ecológica: na forma como concebem e fabricam produtos, mas também nos seus compromissos em termos de utilização de recursos, rastreabilidade, qualidade, etc.

Quanto aos retalhistas, o seu papel foi sempre o de criar valor, atuando como intermediários entre fabricantes e consumidores através de uma variedade de meios, como a logística, o acesso à informação, as economias de escala, etc. Mas a principal função de um retalhista é selecionar, de entre uma infinidade de produtos em oferta, aqueles que melhor se adequam às necessidades dos seus clientes. A transição ecológica deve ser agora parte integrante desta escolha.

Depois, há a forma como distribuímos estes produtos, a atenção que damos à durabilidade, às reparações, aos serviços, etc. Mas quando se tem a dimensão da Fnac Darty, tem-se uma capacidade real de influência: com os nossos 40 milhões de clientes, os milhões de contatos que criamos através das nossas lojas, dos nossos sites, dos nossos call centers ou dos nossos reparadores, somos disseminadores de boas práticas para a transição ecológica. Isto é certamente um privilégio, mas é também uma responsabilidade. E seremos responsáveis ​​​​se, por nossa inação, não criarmos ao menos uma discussão sobre esse assunto com os nossos clientes.

O seu livro refere a necessidade de trazer a Europa de volta ao centro da produção. Quais são os maiores desafios que enfrentamos para que esta ideia seja uma realidade?

Um país que quer ser mais “responsável” não pode fazer tal transição se os outros intervenientes à sua volta, os outros países, não estiverem sujeitos às mesmas regras. Daí a necessidade de colocar a União Europeia novamente no centro do sistema. Caso contrário, corre-se o risco de enfraquecer drasticamente os países “responsáveis” em benefício daqueles que não o são e que estariam fora da área controlada. Em particular, precisamos de garantir que os grupos não europeus que implementam estratégias de otimização fiscal são tributados de forma a restabelecer o equilíbrio da concorrência desleal.

A harmonização europeia é necessária: existem atualmente muitas disparidades regulamentares na Europa, que penalizam as empresas francesas que cumprem as regras.  Precisamos também de uma regulamentação justa, essencial para garantir condições de concorrência justas e apoiar a transição ecológica. Por último, precisamos de reforçar a formação profissional; Atualmente, temos uma escassez de competências em profissões essenciais, incluindo reparações, e precisamos de reformar os cursos de formação.

Que mensagem principal gostaria que os leitores retirassem do seu livro?

Temos de reconhecer que os nossos recursos são limitados. O tempo da abundância e da imprudência ficou para trás. Considero que entre o hiperconsumo de um lado e o decrescimento do outro, existe uma terceira via: o consumo responsável e sustentável.