“É a canalha no poder”
Por quase quatro décadas, o diplomata Lauro Escorel guardou as cartas que seu filho de 18 anos lhe enviou no ano de 1964. Nas mensagens, o adolescente contava de seus projetos, como levar adiante uma carreira no cinema, e também dos eventos sinistros que se seguiram ao golpe militar. “No momento estamos vivendo sob um regime de terror, com os amigos fugidos, escondidos por estarem sendo caçados pela polícia”, escreve o rapaz em 9 de abril. “É a canalha no poder.” O crítico e diretor de cinema Eduardo Escorel fez para a piauí deste mês uma seleta dessas cartas que registram, na síntese de um ano, os entusiasmos, impasses e decepções de toda uma geração. Com 18 anos na época, o jovem Eduardo Escorel morava com o irmão no Rio de Janeiro, onde estudava. Seu pai, Lauro, era ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Roma desde o final de 1963. A mãe e as duas irmãs mais novas haviam se reunido a ele na capital italiana. A irmã mais velha chegou em 31 de março, data do início do golpe. The post “É a canalha no poder” first appeared on revista piauí.

Por quase quatro décadas, o diplomata Lauro Escorel guardou as cartas que seu filho de 18 anos lhe enviou no ano de 1964. Nas mensagens, o adolescente contava de seus projetos, como levar adiante uma carreira no cinema, e também dos eventos sinistros que se seguiram ao golpe militar. “No momento estamos vivendo sob um regime de terror, com os amigos fugidos, escondidos por estarem sendo caçados pela polícia”, escreve o rapaz em 9 de abril. “É a canalha no poder.” O crítico e diretor de cinema Eduardo Escorel fez para a piauí deste mês uma seleta dessas cartas que registram, na síntese de um ano, os entusiasmos, impasses e decepções de toda uma geração.
Com 18 anos na época, o jovem Eduardo Escorel morava com o irmão no Rio de Janeiro, onde estudava. Seu pai, Lauro, era ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Roma desde o final de 1963. A mãe e as duas irmãs mais novas haviam se reunido a ele na capital italiana. A irmã mais velha chegou em 31 de março, data do início do golpe.
Em uma carta de 18 de março, o adolescente manifesta aos pais seu entusiasmo com o recém-lançado Deus e o diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. “Dois dias depois de ter visto o filme, ainda é difícil falar de outra coisa”, ele observa. “A sua escolha [para concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cannes] não poderia ter sido mais acertada, pois é […] o maior filme que já se fez no Brasil até hoje e o maior filme que eu já vi na minha vida.”
Quase um mês depois, em 11 de abril, quando os militares já haviam destroçado a democracia brasileira, o otimismo dá lugar ao horror. “As coisas por aqui se agravam dia a dia”, ele conta aos seus pais. “O clima de intranquilidade é geral e, mais do que intranquilidade, de insegurança. Por enquanto, ninguém do nosso grupo foi preso nem houve tentativa de prender, pelo que sabemos.”
Estranhamente, esse é também um período em que o cinema brasileiro floresce, com o Cinema Novo, estimulando o jovem a se engajar na realização de filmes. Ele participa de Integração racial, documentário de média-metragem de Paulo César Saraceni, e O padre e a moça, de Joaquim Pedro de Andrade, que se tornaria um clássico do cinema brasileiro.
Tudo isso, em meio à repressão e à censura, como conta o adolescente em outra carta: “Aqui no Rio, as casas do Alex Viany, do Ferreira Gullar e de uns outros foram invadidas por militares, não se sabe bem por quê. Na casa do Gullar apreenderam um livro inédito que ele tinha acabado de escrever chamado Do cubismo ao neoconcretismo, ao que parece por terem achado que cubismo tinha algo a ver com Cuba. O número de histórias cômicas sobre essas buscas é obviamente infinito.”
Assinantes da revista podem ler a íntegra das cartas neste link.
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