"Death of a Unicorn": por que os unicórnios invadiram a cultura pop?
Saem tiranossauros e velociraptors. Entram os míticos unicórnios... mas com garras de velociraptos em seus cascos. Muitos críticos apontam que o filme “Death of a Unicorn” (2025, chega aos cinemas daqui em maio) é o clássico “Jurassic Park” (1993) do século XXI – enquanto os dinossauros invadiram a cultura pop dos anos 1990, agora é a vez dos unicórnios: de símbolos alegres do movimento LGBTQI+ à figura que designa startups tecnológicas que supostamente valeriam mais de um bilhão de dólares. Um pai e uma filha acidentalmente atropelam e matam um unicórnio enquanto estavam a caminho de um retiro de fim de semana numa mansão isolada, onde seu chefe bilionário de uma Big Pharma tenta explorar as propriedades curativas milagrosas do sangue e chifre da criatura. Para tudo virar em um massacre vingativo da Natureza contra bilionários: “rich explotation”. Em cada época, dos seres pré-históricos do passado e agora as lendárias criaturas, cada qual representou o zeitgeist do seu tempo: em 1993, a Globalização triunfante. E o unicórnio atual, o triunfo das Big Techs e Big Pharmas na financeirização. Até aqui, este Cinegnose vem abordando a Cineteratologia (as representações da monstruosidade e do Mal no cinema e audiovisual) através de análises sobre a monstruosidade clássica (vampiros, mortos-vivos, monstros da Ciência prometeica etc.) em contraponto à monstruosidade pós-moderna (zumbis pandêmicos, monstros informes, entidades virais etc.). O que dizer, então, da monstruosidade paleontológica e mítica, dinossauros e unicórnios? O filme Death of a Unicorn (2025, previsto para chegar nos cinemas brasileiros em maio) suscita essa questão. Principalmente porque a crítica vem apontando o filme como uma versão (ora descartável, ora inteligente para cada crítico) do século XXI para o clássico Jurassic Park (1993) de Spielberg. Apenas que se 1993 tínhamos dinossauros (cujas estrelas mortais em tiranossauros e velociraptors), agora em 2025 temos os míticos e diáfanos unicórnios. Igualmente capazes de perpetrar massacres em uma rica propriedade em algum tipo de reserva selvagem nas Montanhas Rochosas. Parece que unicórnios estão na moda nesse século. Enquanto a dinossauro-mania foi deixada lá nos 90’s, com exceção de crianças recalcitrantes que ainda brincam com monstros pré-históricos por conta de pais nostálgicos. Lá em 1993, os dinossauros ressuscitados pela engenharia genética em um parque temático remoto faziam todo sentido. Eram épocas do início da triunfante Globalização, a vitória do capitalismo global e o fim do bloco do comunismo soviético pós-queda do Muro de Berlim. E a narrativa de Jurassic Park continha todos os elementos de uma nova geopolítica vitoriosa: a interface entre a tecnologia digital e a engenharia genética, a leitura darwinista para a reação dos dinossauros clonados contra os humanos (o darwinismo social é a essência da meritocracia neoliberal) e espírito empreendedor do bilionário dono do parque, sem fronteiras éticas ou morais. Daí a dinossauro-mania em filmes, séries, livros, histórias em quadrinhos, brinquedos, modelos colecionáveis e parques temáticos reais figurando toscos dinossauros mecânicos. Já o unicórnio moderno está por toda parte, tornado os dinossauros algo vintage. Se você é criança, unicórnios são onipresentes. Se você é menina, eles são inevitáveis. E também estão se espalhando pela cultura popular. Os unicórnios não precisam mais ser atraídos de florestas mágicas por donzelas puras – eles estão em toda parte. Já foram os tempos medievais em que o unicórnio começou como uma criatura feroz encontrada nos cantos mais remotos do mundo conhecido. Tinha cabeça de veado, patas de elefante e cauda de javali. Hoje, a conotação é a de um animal raro, uma quimera com qualidades mágicas. Por exemplo, a Kellogg's acaba de lançar os Unicorn Froot Loops — seu slogan: “The Magic Has Landed” (“A Mágica Chegou”). Aisling McKeefry, chefe de design de moda feminina da Asos (grife britânica de roupas e artigos de beleza), afirma que as mídias sociais são um fator importante na disseminação desse ser mítico. "Acho que o Instagram é o maior contribuidor — assim como o abacate no mundo da culinária, os unicórnios são talvez as criaturas mais instagramáveis' de todas." Com a hashtag #unicorn em 7 milhões de posts. Os valores de um unicórnio – tão raros e mágicos – já fizeram com que a palavra fosse usada em diversas conotações. Hoje, um unicórnio pode ser uma startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão, antes mesmo da sua presença na bolsa de valores. O sonho de qualquer startup tecnológica. A questão para a Cineteratologia é: por que esse ser mítico ganhou tal vulto pop? De símbolo LGBTQI+ a startup que alcançou status de valor bilionário no mercado? Certamente a conotação “raridade mágica” reflita a própria natureza fetichista que é encarado o atual mundo especulativo dos negócios – a riqueza não mais proveniente da velha ética do trabalho, mas de ideias que de uma hora para outra se tornam

Saem tiranossauros e velociraptors. Entram os míticos unicórnios... mas com garras de velociraptos em seus cascos. Muitos críticos apontam que o filme “Death of a Unicorn” (2025, chega aos cinemas daqui em maio) é o clássico “Jurassic Park” (1993) do século XXI – enquanto os dinossauros invadiram a cultura pop dos anos 1990, agora é a vez dos unicórnios: de símbolos alegres do movimento LGBTQI+ à figura que designa startups tecnológicas que supostamente valeriam mais de um bilhão de dólares. Um pai e uma filha acidentalmente atropelam e matam um unicórnio enquanto estavam a caminho de um retiro de fim de semana numa mansão isolada, onde seu chefe bilionário de uma Big Pharma tenta explorar as propriedades curativas milagrosas do sangue e chifre da criatura. Para tudo virar em um massacre vingativo da Natureza contra bilionários: “rich explotation”. Em cada época, dos seres pré-históricos do passado e agora as lendárias criaturas, cada qual representou o zeitgeist do seu tempo: em 1993, a Globalização triunfante. E o unicórnio atual, o triunfo das Big Techs e Big Pharmas na financeirização.
Até aqui, este Cinegnose vem abordando a Cineteratologia (as representações da monstruosidade e do Mal no cinema e audiovisual) através de análises sobre a monstruosidade clássica (vampiros, mortos-vivos, monstros da Ciência prometeica etc.) em contraponto à monstruosidade pós-moderna (zumbis pandêmicos, monstros informes, entidades virais etc.). O que dizer, então, da monstruosidade paleontológica e mítica, dinossauros e unicórnios?
O filme Death of a Unicorn (2025, previsto para chegar nos cinemas brasileiros em maio) suscita essa questão. Principalmente porque a crítica vem apontando o filme como uma versão (ora descartável, ora inteligente para cada crítico) do século XXI para o clássico Jurassic Park (1993) de Spielberg.
Apenas que se 1993 tínhamos dinossauros (cujas estrelas mortais em tiranossauros e velociraptors), agora em 2025 temos os míticos e diáfanos unicórnios. Igualmente capazes de perpetrar massacres em uma rica propriedade em algum tipo de reserva selvagem nas Montanhas Rochosas.
Parece que unicórnios estão na moda nesse século. Enquanto a dinossauro-mania foi deixada lá nos 90’s, com exceção de crianças recalcitrantes que ainda brincam com monstros pré-históricos por conta de pais nostálgicos.
Lá em 1993, os dinossauros ressuscitados pela engenharia genética em um parque temático remoto faziam todo sentido. Eram épocas do início da triunfante Globalização, a vitória do capitalismo global e o fim do bloco do comunismo soviético pós-queda do Muro de Berlim. E a narrativa de Jurassic Park continha todos os elementos de uma nova geopolítica vitoriosa: a interface entre a tecnologia digital e a engenharia genética, a leitura darwinista para a reação dos dinossauros clonados contra os humanos (o darwinismo social é a essência da meritocracia neoliberal) e espírito empreendedor do bilionário dono do parque, sem fronteiras éticas ou morais.
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Daí a dinossauro-mania em filmes, séries, livros, histórias em quadrinhos, brinquedos, modelos colecionáveis e parques temáticos reais figurando toscos dinossauros mecânicos.
Já o unicórnio moderno está por toda parte, tornado os dinossauros algo vintage. Se você é criança, unicórnios são onipresentes. Se você é menina, eles são inevitáveis. E também estão se espalhando pela cultura popular. Os unicórnios não precisam mais ser atraídos de florestas mágicas por donzelas puras – eles estão em toda parte.
Já foram os tempos medievais em que o unicórnio começou como uma criatura feroz encontrada nos cantos mais remotos do mundo conhecido. Tinha cabeça de veado, patas de elefante e cauda de javali.
Hoje, a conotação é a de um animal raro, uma quimera com qualidades mágicas.
Por exemplo, a Kellogg's acaba de lançar os Unicorn Froot Loops — seu slogan: “The Magic Has Landed” (“A Mágica Chegou”). Aisling McKeefry, chefe de design de moda feminina da Asos (grife britânica de roupas e artigos de beleza), afirma que as mídias sociais são um fator importante na disseminação desse ser mítico. "Acho que o Instagram é o maior contribuidor — assim como o abacate no mundo da culinária, os unicórnios são talvez as criaturas mais instagramáveis' de todas." Com a hashtag #unicorn em 7 milhões de posts.
Os valores de um unicórnio – tão raros e mágicos – já fizeram com que a palavra fosse usada em diversas conotações. Hoje, um unicórnio pode ser uma startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão, antes mesmo da sua presença na bolsa de valores. O sonho de qualquer startup tecnológica.
A questão para a Cineteratologia é: por que esse ser mítico ganhou tal vulto pop? De símbolo LGBTQI+ a startup que alcançou status de valor bilionário no mercado?
Certamente a conotação “raridade mágica” reflita a própria natureza fetichista que é encarado o atual mundo especulativo dos negócios – a riqueza não mais proveniente da velha ética do trabalho, mas de ideias que de uma hora para outra se tornam, de absurdas, a incrivelmente valorizadas. Graças ao trabalho especulativo midiático em manipular prognósticos, expectativas, fazendo bombar papéis e títulos que podem despencar em questão de minutos.
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Talvez daí o momento de os unicórnios terem o seu momento “Jurassic Park”: de criaturas emoji cor pink, fofas e simpáticas, símbolo alegre da diversidade da comunidade gays a ameaçadoras feras que podem emergir da natureza para punir quem não os respeite.
Esse é o zeitgeist que anima o timing cômico e as mortes brutais de Death of a Unicorn.
O Filme
Assistir a bilionários sendo atravessados por chifres e comidos por unicórnios ferozes e com sede de vingança não tem preço! Parece ser assim que produtores e diretores de Hollywood vêm pensando nesses últimos anos, pela enxurrada de filmes com personagens extremamente ricos passando por perrengues mortais – a chamada “rich explotation”.
Death of a Unicorn entra nesta já extensa lista – parece que a diversão do público agora é entrar em catarse ao ver muito ricos sendo punidos por todo seu egoísmo e exploração.
No início do filme, Elliot Kintner (Paul Rudd) parte para uma enorme propriedade nas Montanhas Rochosas para se tornar o contato legal de um chefe de empresa farmacêutica chamado Odell Leopold (Richard E. Grant), cujo câncer parece estar em seus estágios finais.
Kintner ajudará a organizar os negócios para se tornar sócio da Big Pharma nos últimos dias de vida do bilionário. Ele dirige o carro com sua filha, Ridley (Jenna Ortega). Enquanto discutem como seus problemas foram exacerbados pela recente perda da mãe de Ridley para uma doença, Elliot luta contra suas alergias sazonais. A discussão acalorada e um espirro violento levam a uma colisão com uma criatura atravessando a sinuosa estrada. Juntos descobrem que a criatura atropelada é... um unicórnio.
A princípio, Elliot pensa que pode esconder o incidente dos Leopolds, primeiro esfaqueando a criatura com uma chave de roda para acabar com o sofrimento e depois colocando-a no carro. Ele planeja enterrá-la após o encontro com os Leopolds. Mas até ele percebe que o sangue roxo do unicórnio tem propriedades incomuns, curando os problemas de sinusite de Elliot e a acne da adolescente Ridley. Quando os Leopolds descobrem o que está acontecendo vislumbram os potenciais no mercado farmacêutico. Principalmente depois que o próprio câncer de Odell regride até a cura.
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Essa descoberta, e o esforço subsequente para saquear a criatura mítica como se tivesse sido morta por um grupo corporativo, leva a problemas previsíveis. "A arrogância humana em torno de criaturas incríveis" forma a base de muitos filmes, mas, em particular, grande parte do DNA de Jurassic Park foi extraído de âmbar e modificado com unicórnios em vez de sapos.
Em pouco tempo aparecem da floresta os furiosos pais do unicórnio morto. E eles surgem com garras de Velociraptor em seus cascos! As propriedades curativas milagrosas de seu sangue e a magia psicodélica de seus chifres adicionam mais elementos à fórmula: os furiosos unicórnios pais surgem para punir a ganância humana que não respeita mitos e lendas antigas.
O tom do filme é a da paródia da vida dos bilionários – p. ex., o herdeiro mimado do trono de Odell, Shepard (Will Poulter), tem a feliz ideia de limar o chifre do bicho para aspirar o pó como cocaína.
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A adolescente Ridley é sobrecarregada com a tarefa de ser a pessoa sensata e bondosa a quem ninguém dá ouvidos, mesmo depois que a contagem de mortes começa a aumentar. O pai também luta em seu papel, incapaz de ser escorregadio o suficiente para concordar de forma crível com a trama de Leopold — que eventualmente evolui de "explorar este unicórnio" para "matar todos os unicórnios" e ficar do lado da filha Ridley.
As cenas da caçada noturna dos unicórnios e a invasão da mansão pelas criaturas são o suficiente para lembrarmos das cenas dos velociraptors invadindo a cozinha e salas das dependências do complexo em Jurassic Park.
Fica claro que Death of a Unicorn partilha do mesmo DNA de Jurassic Park: enquanto lá a resistência darwiniana dos dinossauros se coloca contra a exploração humana, aqui em 2025 as lendas e mitos medievais saem da floresta para massacrar bilionários exploradores na sua própria mansão.
Jurassic Park em 1993 refletia o capitalismo vitorioso global – tanto que a caracterização do bilionário que clonou os dinossauros não é a de um explorador egoísta, mas de um capitalista romântico.
Já Death of a Unicorn reflete a vitoriosa da financeirização com suas startups “unicórnio” turbinadas por fundos de investimento especulativos. E a fórmula rich explotation atual: condenar os bilionários “egoístas e malvados” para absolver a irracionalidade especulativa dos mercados.
Ficha Técnica |
Título: Death of a Unicorn |
Direção: Alex Scharfman |
Roteiro: Alex Scharfman |
Elenco: Jenna Ortega, Paul Rudd, David Pasquesi, Richard Grant, Téa Leoni |
Produção: A24 |
Distribuição: A24 |
Ano: 2025 |
País: EUA |